16/02/2025
Ano 28
Semana 1.403



 
ARQUIVO
de
MÚSICA

 

 




Alaíde Costa: setenta anos de carreira


Cândido Luiz de Lima Fernandes


Entre as oito faixas de seu último álbum, “O que meus calos dizem sobre mim”, Alaíde Costa nutre particular apreço por uma canção, “Aos meus pés”, escrita por João e Francisco Bosco. Os versos “O meu caminho eu mesma fiz / não foi ninguém que me apontou / eu me virei sozinha / comi o pão todinho / que o diabo amassou”, ela reconhece, soam especialmente familiares. “É como se fossem escritos para mim”, comenta em recente entrevista. “Eu me virei sozinha mesmo, comi o pão todinho que o diabo amassou.”

Com quase 90 anos, a cantora carioca vive o triunfo de uma carreira de sete décadas como jamais imaginou. Chega a esta idade celebrada em programas de TV e artigos na imprensa, enquanto canta para plateias lotadas e se prepara para lançar em breve um novo disco. A agenda abarrotada, porém, contrasta com outros momentos da trajetória, quando nem sempre recebeu as devidas reverências. “Sinto muita honra por ter sido persistente, não ter aberto mão daquilo que desejava artisticamente. Depois de 70 anos, consegui esse reconhecimento. Então, tenho que me sentir orgulhosa, né?”

Criada em Água Santa, no subúrbio do Rio, Alaíde é filha de um forneiro de padaria e de uma lavadeira e, na adolescência, cogitou ser professora. Hoje, porém, quando pensa sobre o plano, tece um comentário um tanto irônico: “Sou uma pessoa muito tímida. Jamais seria uma boa professora”.

A timidez, por sorte, não a impediu de atender aos pedidos do irmão mais novo, Adilson, para que se apresentasse num concurso de calouros num circo do bairro. Saiu vitoriosa e ganhou confiança para participar de outras competições. Foi assim que chegou até o programa de Ary Barroso, na Rádio Tupi, onde surpreendeu a todos com a execução de “Noturno em tempo de samba”, canção pela qual havia se apaixonado na voz de Silvio Caldas. “Tinha 16 anos, e ele (Ary) não acreditou que eu fosse capaz de cantar aquela música”, recorda-se. “Quando recebi a nota máxima, tomei a iniciativa de ir a outros programas.”

O caminho trilhado nas competições musicais a levou até as apresentações profissionais. Tornou-se crooner na extinta casa noturna “Dancing Avenida”, no Rio, e recebeu convites para gravar o primeiro disco. Mais tarde, nas incursões pelos estúdios, sua voz doce chamou a atenção de João Gilberto. “Ele disse: ‘Essa jovem aí tem tudo a ver com uma música que uns meninos estão fazendo’”, narra Alaíde. “Era a bossa nova, que nem nome tinha ainda.”

Dessa época, a cantora se lembra de ir a algumas das famosas reuniões nas casas de personalidades da cena cultural vigente. “A primeira onde fui era do pianista Bené Nunes (1920-1997)”, conta. “Depois, fui a várias outras, como a do fotógrafo Chico Pereira (1921-1999) e a de Nara Leão (1942-1989).”

O movimento foi ganhando visibilidade e, segundo Alaíde, o grupo começou a agir como se não precisasse mais dela. “Decidi que ficar insistindo com eles não ia me levar a lugar algum e me mudei para São Paulo, onde fiz minha trajetória”, comenta. A cantora, contudo, diz não se ressentir. Em outubro de 2023 teve um reencontro em grande estilo com o gênero: apresentou-se no Carnegie Hall, em Nova York, num show em comemoração ao concerto que mostrou a bossa nova para o mundo, naquele mesmo palco, em 1962. Embora não tenha participado da primeira apresentação, dessa vez, foi a artista mais celebrada pelo público, aplaudida de pé.

Alaíde cantou, na famosa casa americana, ao lado de um dos fundadores da bossa nova, Roberto Menescal, que ficou feliz em reencontrar a colega que não via há décadas. “Quando nos vimos, ela estava triste porque ia ter só uma canção no show. Incluí mais uma sem nem avisar à produção. Ensaiamos só eu e ela”, narra o músico. A dupla executou “Demais” sozinha no palco, depois de Alaíde ter cantado “Sabe você”. “Cerca de 80% da plateia era formada por americanos, e ela foi aplaudida de um jeito inacreditável. É daqueles fenômenos que não dá para explicar”, acrescenta Menescal.

Na fase atual, a cantora carioca também tem se surpreendido com o perfil do público de seus shows, formado majoritariamente por jovens. Em parte, isso tem a ver com a relação que passou a nutrir com artistas mais novos. O último álbum foi produzido pelo rapper Emicida e por Marcus Preto, com direção musical de Pupillo, e pretende-se o primeiro de uma trilogia. Chama-se “E o tempo agora quer voar”, trecho da faixa “Suave embarcação”, composta por Alaíde e Nando Reis. Há também colaborações de nomes como Caetano Veloso, Rubel e Marisa Monte.

Marcus Preto tornou-se, no meio desse processo, amigo da cantora e diz que ela, embora tímida, exala alegria. “Ela está vivendo milhões de coisas boas”, conta Marcus. “Tem levado a vida de um jeito leve. Recentemente, fraturou a bacia e, em três meses, já estava dançando e andando sem a ajuda de bengala. Todo mundo acha que uma pessoa forte é aquela que dá soco, grita. Mas a força dela está na doçura.”
Enquanto vive o auge, Alaíde passou a lidar também com as insistentes perguntas de jornalistas sobre as dificuldades pregressas, como o racismo. Mas, sobre o assunto, diz estar cansada de tecer comentários. “Lá atrás, sofri bastante. Porém, não se falava disso e, dentro da minha ingenuidade, não percebia muitas coisas. Agora, só querem falar disso comigo”, reclama.

Casada duas vezes, tem três filhos, quatro netos e dois bisnetos. Viúva do último marido, diz ser muito amiga do primeiro e estar em paz com a vida de solteira. “Pelo amor de Deus! Chega, né?”, responde, em meio a risadas, quando questionada se pretende se casar novamente.

Outro trunfo é o fato de ter conseguido conciliar a carreira com a maternidade. Em certas ocasiões, lembra-se de ter levado um dos filhos ainda bebê num moisés e deixá-lo no camarim, dormindo, enquanto se apresentava no palco. “Era muito simples, na verdade. Ia lá e fazia meu trabalho”, resume.
Quando fala sobre o orgulho do caminho percorrido sem concessões, Alaíde descortina uma determinação que a acompanhou ao longo de todos esses 70 anos de carreira. Já nos primeiros anos, ao ver que a gravadora não estava dando apoio para fazer o disco como queria, bancou, com a ajuda de amigos, o próprio álbum. Foi assim que nasceu “Joia moderna” (1961), um dos trabalhos mais elogiados. “Todos os meus (27) discos são importantes para mim. Mas, naquele momento, acho que quebrei uma barreira.”

A postura só não foi suficiente para evitar que empresários e produtores deixassem de pedir à cantora que gravasse músicas e ritmos que nada tinham a ver com ela. “Por recusar, fiquei muito tempo sem gravar. Foram períodos bem difíceis”, recorda-se Alaíde, que precisou se apresentar em bares noturnos, com cachês mais baixos. “Quando vinham os ‘movimentos’, achavam que eu tinha que entrar neles, mas não me dobrava. Uma vez, queriam que gravasse “Serenata do adeus”, do Vinicius de Moraes, em ritmo de iê-iê-iê. Claro que não quis, né?”

São convicções que revelam também a maneira como a carioca se relaciona com a música. Afinal, segundo ela, cantar algo com o que não se identifica soaria falso. “Se tivesse feito isso, não estaria aqui hoje. Minha carreira teria ido por água abaixo”, diz ela, famosa pelo repertório em torno do amor. “Acho que nasci para cantar esse sentimento. Simples assim. Ele me atrai. E não falo só daquela coisa conjugal. Sinto amor pelos meus filhos e meus amigos.”

Além do repertório apurado, preocupou-se também em encontrar um modo autêntico de cantar. Embora tenha uma lista de intérpretes que admire desde nova, não queria imitá-las. Uma dessas cantoras está, inclusive, entre os projetos futuros. “Antes de partir, quero fazer uma homenagem a Dalva de Oliveira. Acho que aprendi um pouco com ela, essa coisa de passar a emoção por meio da música”, afirma, antes de fazer a ponderação final: “Mas vai ser na minha versão, lógico, né?”.
“Quem canta refresca a alma/ Cantar adoça o sofrer/ Quem canta zomba da morte/ Cantar ajuda a viver/ Quem canta seu mal espanta/ Eu canto pra não morrer”. São as palavras que Alaíde Costa Silveira usou para traduzir o significado de cantar.

Quando canta, Alaíde traz a emoção de um mundo que ninguém conhece. Sua voz é única. Doce e melancólica, lembra Billie Holiday cantando blues. Sua postura acompanha as vibrações do tom da canção, assim como as expressões em sua face, que mudam conforme o sentimento que quer passar. Ela já não é a mesma. A letra e a melodia tomam conta dela, sabe palavra por palavra e cada pedaço é tomado por um sentido diferente. Seu sorriso já está mais solto, a postura mais ereta e o olhar vibrante. Para ela, que nasceu escutando música, cantar era uma forma de reviver a alma e superar a timidez. Sua voz é aquela que conversa cantando, como quem tem cautela para contar casos. São marcas de sua timidez, ou vontade de guardar o que é dela, e de mais ninguém.

Ao retomar seu passado, as histórias fluem rapidamente. São pequenos fatos: onde nasceu, como começou a carreira, assuntos sobre a Bossa Nova. Está tudo pronto para ser contado e esquecido quando não quer mais lembrar.

Alaíde nasceu em 1936, longe do centro do Rio de Janeiro, no Meiér, zona norte, subúrbio da cidade. Era um bairro histórico, por ter tido grandes centros de engenho, onde tempos depois, teria seus primeiros moradores, pessoas escravizadas que fugiram e formaram alguns quilombos. Filha de Hermínio Silveira, forneiro, com quem teve pouco contato pelo divórcio dos pais quando ainda era nova, e de Manoela Costa, dona de casa e, no tempo livre, lavadeira, Alaíde teve seis irmãos. No entanto, as três mulheres do meio morreram de tuberculose, antes mesmo de conhecer, sobrando apenas ela e dois homens. Depois de ter passado pouco tempo de sua infância nessa região, mudou-se para o bairro da Água Santa, também na zona norte. Lá, os meninos brincavam nas ruas e as portas e janelas podiam ficar abertas. Porém, por morar em uma casa que não possuía muitas maneiras de se divertir, Alaíde, junto com seu lampião e rádio, descobriu a melhor forma de passar o tempo: escutar os programas da época. E foi assim que ela se aproximou da música popular brasileira.

Na década de 1950, o samba-canção, um subgênero do samba, dominava o cenário musical brasileiro. Mesmo com o crescimento da indústria fonográfica, as rádios, que eram ainda muito atrasadas e convencionais, não tinham estrutura para comercializar o samba de uma maneira eficiente, e por isso, o estilo ainda acontecia dentro de cassinos e rodas de rua. Começava a necessidade do Brasil de se mostrar desenvolvido para o exterior. Isso fez com que nosso país fosse estampado com fotos da Carmen Miranda, criando o estereótipo brasileiro. Com sua espontaneidade e com um ritmo mais pulsante, o samba era feito para todas as classes sociais, mas ele ainda continuava na marginalidade: “Quem comprava as músicas para passar na rádio não sabia o que tinha do outro lado. Quando esses produtores conheciam os artistas, havia um preconceito porque viam pela primeira vez quem estava cantando”, conta Welington Andrade, professor da Faculdade Cásper Líbero.

As poucas músicas de que Alaíde gostava na época fizeram com que começasse a cantarolar em seus afazeres domésticos. Eram mulheres como Neuza Maria e Dalva de Oliveira que, com uma elegância na voz, entoavam canções de melodias mais robustas e iam além da espontaneidade da música romântica, daquelas que traziam uma euforia maior na voz. “Aprendi muito com elas. Embora tivessem um vozeirão, passavam uma emoção muito grande. Consegui trabalhar meus sentimentos na hora de cantar”. Até que um dia seu irmão mais novo, Adilson Costa, que seria mais tarde jogador de futebol profissional pelo Vasco e Corinthians, inscreveu Alaíde em um programa de calouros no circo do bairro. “Quando me contou, falei que não ia. Ele insistiu, eu era muito tímida, cantava porque gostava. Então falou que tinha que ir porque se não a polícia vinha me prender. Fiquei com medo e fui vestida de qualquer jeito, mas fui”. Descendo as ruas do bairro junto com os amigos e com o prêmio na mão, Alaíde, que tinha ido sem contar para a mãe, chegou correndo para dizer a grande novidade. “Ganhei o primeiro lugar e uma surra, porque saí sem avisar. Pelo menos comecei a participar de todos os programas de calouro do bairro, porque as pessoas iam e me inscreviam antes mesmo de me perguntarem se eu queria ir”. Depois dessa história, ela começou a participar de várias competições e a ganhar todas. Chegou até a cantar no programa “Sequência G3”, do Paulo Gracindo, na rádio Tupi, que, por gostar muito dela, continuou a convidando para participar, até que a rádio pegou fogo e o auditório parou de funcionar.

A infância de Alaíde não lhe trouxe boas memórias. Em uma época que a surra valia mais do que a conversa, a timidez da cantora só aumentava. “Aquele tempo era esquisito, qualquer coisa você apanhava, então eu ficava muito quietinha.” Sua rotina era rodeada pela música e lições de casa. Do rádio para o colégio público, a cantora surpreendia pelo êxito na matéria de matemática e pelo seu bom comportamento. Aos 16 anos, Alaíde começou a trabalhar como babá de três crianças, filhas de uma professora que a ajudava com as lições de casa: “Eu vivia cantarolando na casa e a Dona Wanda ficava falando que eu deveria ir ao programa de rádio do Ari Barroso porque cantava bem”. De tanto insistir, ela aceitou o convite. Escolheu a música que Silvio Caldas interpretava, uma composição de Custódio Mesquita e Evaldo Ruy chamada “Noturno em tempos de samba”. Comprou a partitura e foi ao programa de calouros. Lá, Alaíde teve que ficar esperando ser chamada para poder ensaiar a peça. “Quando chegou a minha vez, o pianista me falou que a música era muito difícil, que eu não poderia cantar naquele dia, porque ele ia ter que passar para o meu tom e que quando estivesse pronta me chamariam”. Lembra que o programa do Ari era parecido com os que acontecem na televisão. Quando os juízes não aprovam a pessoa, eles tocam o gongo e ela é desclassificada. Morrendo de medo de deixar o jurado descontente, Alaíde fechou os olhos e entrou na música. “Tarde na noite na rua deserta/ A vagar eu estou/ Não tenho destino nem rumo/ Não sei de onde vim/ Não sei para onde vou”. Foi a letra que deu início à carreira da cantora e que iria acompanhá-la. “Noturno em tempos de samba” é cantada até hoje por ela, da mesma maneira que cantou pela primeira vez quando ganhou a nota máxima no programa do Ari Barroso.

“A música significa tudo para mim. Se não fosse ela ainda estaria trabalhando de babá, ou fazendo algum serviço parecido, ela me permitiu viver minha vida”, diz Alaíde ao lembrar-se de quando abandonou o serviço para poder começar a participar dos programas de calouro nas rádios. Foram muitos, mas sem um convite que a fizesse crescer em sua carreira. “Ninguém se interessava em me tornar profissional. Ou tinha escolhido uma música difícil, ou porque não tinha o vozeirão daqueles cantores da época.” Foi então, no programa “Pescando Estrelas” da rádio Clube, que Alaíde foi convidada para fazer um teste no Dancing Avenida, onde foi aceita. Foi seu primeiro trabalho remunerado como crooner, cantora feminina que se apresenta junto com um grupo musical, em que tocou do samba ao blues junto com a banda chamada “Conjunto Copacabana”.

Durante uma de suas apresentações, um técnico de som a ouviu e conseguiu um teste para ela na Odeon. Alaíde cantou “Tarde demais”, de Hélio Costa e Anita Andrade, e conseguiu gravar, em 1957, seu primeiro 78 rotações, disco antigo composto por goma-laca, usado na primeira metade do século XX. Ele abriu porta para seu segundo disco produzido em 1958. Foi no estúdio dessa gravação que João Gilberto a escutou e pediu para que Aluísio de Oliveira a convidasse para participar de um encontro onde alguns meninos estavam fazendo uma música diferente. Era o começo da Bossa Nova, época em que músicos como Bené Nunes, Carlos Lira, Roberto Menescal, Nara Leão, Oscar Castro Neves, entre outros, pegavam a onda da modernização do Rio de Janeiro para mudar a música popular brasileira.
Apesar da capitalização do samba, ele ainda era um movimento de rua. Foi assim que, no final da década de 1950, ele foi “adestrado” por um novo movimento musical que surgia na cidade carioca, a Bossa Nova. Acompanhando o processo que tentava modernizar o nosso país, a BN fez parte da nova arquitetura de Oscar Niemeyer, das conquistas do Cinema Novo e da modernização e profissionalização da imprensa, que iniciava a importação do modelo dos Estados Unidos. Era o começo de um jornalismo mais especializado, da gravação de discos ao vivo com capas mais sofisticadas e com um design moderno e de um meio de comunicação que tentava se relacionar mais com o público, através das apresentações de auditório.

As reuniões da Bossa Nova aconteciam na zona sul do Rio de Janeiro. Alaíde, que morava ainda no Água Santa, demorava mais de hora para atravessar a cidade carioca e chegar na Gávea, onde aconteciam as reuniões. Foi nesses encontros que finalmente o grupo conseguiu fazer um show, dentro do auditório do O Globo, que não foi muito aceito, já que as pessoas não acreditavam no sucesso da BN. Foi só quando João Gilberto lançou seu LP, “O Amor, o sorriso e a flor” (1960), que a fama chegou. Novos músicos entraram na onda e pegaram carona no sucesso que foi o novo movimento da música popular brasileira.

Alaíde esclarece que “Não sou da Bossa Nova. Participei do movimento, mas não me considero dele. Fazia parte de um ciclo de cantoras que lutavam pelo mesmo ideal, um tipo de música que não só a BN. A gente queria algo moderno, era desde a música que eu cantei no Ari Barroso até as que canto hoje. Nós íamos contra aquelas canções com gritaria, dramáticas. Buscávamos a poesia, a suavidade.” Apesar das composições em conjunto com Tom Jobim, gravações com João Gilberto, encontros com Vinicius de Moraes ou a amizade com Oscar Castro Neves, Alaíde não era do movimento. Foi em 1962, no mesmo ano em que a Bossa Nova já se mostrava esgotada, que a cantora não foi convidada para fazer o famoso show no Carnegie Hall, nos Estados Unidos. Foram diversos festivais em que ela não era chamada, que mostraram o movimento elitizado e preconceituoso que acontecia na época: era tudo para inglês ver. Isso fez com que Alaíde fosse atrás de outros trabalhos e seguisse batalhando pela vida que queria ter.

Ao continuar em sua busca pelo som que achava ser de boa qualidade, a cantora, em uma de suas vindas à capital paulista, que se tornavam cada vez mais frequentes, participou em 1960 do primeiro festival da Bossa Nova paulistana, onde cantou quatro músicas, entre elas “Lágrimas” e “Chora tua tristeza”.
Alaíde venceu o festival e conseguiu um programa na TV Tupi chamado “No balanço do samba”. As portas em São Paulo, então, começaram a se abrir cada vez mais, até que conheceu Mário Lima, um locutor da rádio Eldorado com quem se casou anos depois. Foi um dos motivos para que a cantora saísse da cidade carioca e se estabelecesse na capital paulista onde, depois de idas e vindas, mora até hoje. Ao começar do zero, em um lugar em que poucas pessoas a conheciam, Alaíde participou em 1964 do programa “O Fino da Bossa”, capitaneado por Elis Regina, onde cantou uma composição nova de Oscar Castro Neves, “Onde está você” e foi aplaudida de pé pelo público. Foi quando conseguiu conquistar um espaço dentro do mercado de São Paulo.

No entanto, em 1965, Alaíde teve que se afastar de sua carreira. Grávida pela segunda vez, começou a ter um problema de otosclerose, uma doença que dificulta a audição e que exigiu dela duas operações e um grande tempo de recuperação. Quando voltou, percebeu que havia se perdido dentro da música brasileira. Para ela, era a gritaria de que não gostava de um lado e as letras politizadas do outro, dois polos que não tinham um lugar para a voz de Alaíde, que se recusava a se encaixar em qualquer tipo musical. Entre Festivais Universitários da Música Popular Brasileira da TV Tupi, boates e peças de teatro que se atreveu a participar, a cantora ia sempre buscando a perfeição naquilo que escolheu seguir como profissão. Sua parceria com Johnny Alfie elaborou o jazz brasileiro. As gravações com Milton Nascimento são inesquecíveis. Do samba, quando foi cantora da escola Salgueiro, à Bossa, gênero brasileiro que foi mostrar ao exterior em sua série de shows internacionais, Alaíde, quando canta, representa todas as barreiras que já ultrapassou por ser a pessoa que é. Uma vida inteiramente dedicada à música.

Com quase noventa, a cantora carioca Alaíde Costa celebra suas sete décadas de carreira com o lançamento do novo álbum intitulado “E Agora o Tempo quer Voar”, o segundo volume de uma trilogia iniciada em 2022, com o premiado álbum chamado “O que os meus Calos Dizem sobre Mim”. Este álbum traz oito músicas criadas especialmente para a voz inconfundível da cantora, escritas por Caetano Veloso, Marisa Monte e Nando Reis. Também participam das composições os músicos Carlinhos Brown, Rashid, Ronaldo Bastos e Rubel.

Para o jornalista Marcus Preto, um dos integrantes do trio de produtores do álbum, que incluem também os músicos Emicida e Pupillo, Alaíde é a nossa Billie Holiday brasileira.
No novo álbum, a artista – que vive em São Paulo desde os anos 1960 - conta também com a participação especial da cantora Claudette Soares, de 87 anos, amiga de Alaíde Costa há mais de 60 anos, em uma das faixas.

Os prêmios, as turnês internacionais, o calor de um público jovem que redescobre a cantora precursora da bossa-nova demonstram que, perto de completar 90 anos, Alaíde Costa tem ainda muita música para viver e cantar.

Alaíde Costa vai festejar as nove décadas de vida ao longo de 2025, começando pelo lançamento, em edição da gravadora Deck, do álbum que acaba de aprontar com regravações do repertório de Dalva de Oliveira (1917 – 1972), feitas em duetos com grandes instrumentistas.
O disco em tributo a Dalva era sonho de Alaíde, realizado por Thiago Marques Luiz, empresário e produtor que cuida da carreira da artista desde 2004, tendo forçado nesses 20 anos a abertura de portas que, até algum tempo atrás, insistiam em permanecer fechadas para a dama da canção.

Hoje o Brasil abre os braços para Alaíde Costa em movimento até tardio, mas ainda assim oportuno, porque feito em tempo de reparar as injustiças sofridas pela artista em 70 anos de trajetória profissional íntegra.

Parabéns, Alaíde Costa! E que venham os 90 anos de idade em 8 de dezembro de 2025!.



Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email: candidofernandes@hotmail.com



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Direção e Editoria
Irene Serra
Revista Rio Total