Alaíde Costa: setenta anos de carreira

Cândido Luiz de Lima Fernandes
Entre as oito
faixas de seu último álbum, “O que meus calos dizem sobre mim”, Alaíde Costa
nutre particular apreço por uma canção, “Aos meus pés”, escrita por João e
Francisco Bosco. Os versos “O meu caminho eu mesma fiz / não foi ninguém que me
apontou / eu me virei sozinha / comi o pão todinho / que o diabo amassou”, ela
reconhece, soam especialmente familiares. “É como se fossem escritos para mim”,
comenta em recente entrevista. “Eu me virei sozinha mesmo, comi o pão todinho
que o diabo amassou.”
Com quase 90 anos, a cantora carioca vive o triunfo
de uma carreira de sete décadas como jamais imaginou. Chega a esta idade
celebrada em programas de TV e artigos na imprensa, enquanto canta para plateias
lotadas e se prepara para lançar em breve um novo disco. A agenda abarrotada,
porém, contrasta com outros momentos da trajetória, quando nem sempre recebeu as
devidas reverências. “Sinto muita honra por ter sido persistente, não ter aberto
mão daquilo que desejava artisticamente. Depois de 70 anos, consegui esse
reconhecimento. Então, tenho que me sentir orgulhosa, né?”
Criada em Água
Santa, no subúrbio do Rio, Alaíde é filha de um forneiro de padaria e de uma
lavadeira e, na adolescência, cogitou ser professora. Hoje, porém, quando pensa
sobre o plano, tece um comentário um tanto irônico: “Sou uma pessoa muito
tímida. Jamais seria uma boa professora”.
A timidez, por sorte, não a
impediu de atender aos pedidos do irmão mais novo, Adilson, para que se
apresentasse num concurso de calouros num circo do bairro. Saiu vitoriosa e
ganhou confiança para participar de outras competições. Foi assim que chegou até
o programa de Ary Barroso, na Rádio Tupi, onde surpreendeu a todos com a
execução de “Noturno em tempo de samba”, canção pela qual havia se apaixonado na
voz de Silvio Caldas. “Tinha 16 anos, e ele (Ary) não acreditou que eu fosse
capaz de cantar aquela música”, recorda-se. “Quando recebi a nota máxima, tomei
a iniciativa de ir a outros programas.”
O caminho trilhado nas
competições musicais a levou até as apresentações profissionais. Tornou-se
crooner na extinta casa noturna “Dancing Avenida”, no Rio, e recebeu convites
para gravar o primeiro disco. Mais tarde, nas incursões pelos estúdios, sua voz
doce chamou a atenção de João Gilberto. “Ele disse: ‘Essa jovem aí tem tudo a
ver com uma música que uns meninos estão fazendo’”, narra Alaíde. “Era a bossa
nova, que nem nome tinha ainda.”
Dessa época, a cantora se lembra de ir a
algumas das famosas reuniões nas casas de personalidades da cena cultural
vigente. “A primeira onde fui era do pianista Bené Nunes (1920-1997)”, conta.
“Depois, fui a várias outras, como a do fotógrafo Chico Pereira (1921-1999) e a
de Nara Leão (1942-1989).”
O movimento foi ganhando visibilidade e,
segundo Alaíde, o grupo começou a agir como se não precisasse mais dela. “Decidi
que ficar insistindo com eles não ia me levar a lugar algum e me mudei para São
Paulo, onde fiz minha trajetória”, comenta. A cantora, contudo, diz não se
ressentir. Em outubro de 2023 teve um reencontro em grande estilo com o gênero:
apresentou-se no Carnegie Hall, em Nova York, num show em comemoração ao
concerto que mostrou a bossa nova para o mundo, naquele mesmo palco, em 1962.
Embora não tenha participado da primeira apresentação, dessa vez, foi a artista
mais celebrada pelo público, aplaudida de pé.
Alaíde cantou, na famosa
casa americana, ao lado de um dos fundadores da bossa nova, Roberto Menescal,
que ficou feliz em reencontrar a colega que não via há décadas. “Quando nos
vimos, ela estava triste porque ia ter só uma canção no show. Incluí mais uma
sem nem avisar à produção. Ensaiamos só eu e ela”, narra o músico. A dupla
executou “Demais” sozinha no palco, depois de Alaíde ter cantado “Sabe você”.
“Cerca de 80% da plateia era formada por americanos, e ela foi aplaudida de um
jeito inacreditável. É daqueles fenômenos que não dá para explicar”, acrescenta
Menescal.
Na fase atual, a cantora carioca também tem se surpreendido com
o perfil do público de seus shows, formado majoritariamente por jovens. Em
parte, isso tem a ver com a relação que passou a nutrir com artistas mais novos.
O último álbum foi produzido pelo rapper Emicida e por Marcus Preto, com direção
musical de Pupillo, e pretende-se o primeiro de uma trilogia. Chama-se “E o
tempo agora quer voar”, trecho da faixa “Suave embarcação”, composta por Alaíde
e Nando Reis. Há também colaborações de nomes como Caetano Veloso, Rubel e
Marisa Monte.
Marcus Preto tornou-se, no meio desse processo, amigo da
cantora e diz que ela, embora tímida, exala alegria. “Ela está vivendo milhões
de coisas boas”, conta Marcus. “Tem levado a vida de um jeito leve.
Recentemente, fraturou a bacia e, em três meses, já estava dançando e andando
sem a ajuda de bengala. Todo mundo acha que uma pessoa forte é aquela que dá
soco, grita. Mas a força dela está na doçura.” Enquanto vive o auge, Alaíde
passou a lidar também com as insistentes perguntas de jornalistas sobre as
dificuldades pregressas, como o racismo. Mas, sobre o assunto, diz estar cansada
de tecer comentários. “Lá atrás, sofri bastante. Porém, não se falava disso e,
dentro da minha ingenuidade, não percebia muitas coisas. Agora, só querem falar
disso comigo”, reclama.
Casada duas vezes, tem três filhos, quatro netos
e dois bisnetos. Viúva do último marido, diz ser muito amiga do primeiro e estar
em paz com a vida de solteira. “Pelo amor de Deus! Chega, né?”, responde, em
meio a risadas, quando questionada se pretende se casar novamente.
Outro
trunfo é o fato de ter conseguido conciliar a carreira com a maternidade. Em
certas ocasiões, lembra-se de ter levado um dos filhos ainda bebê num moisés e
deixá-lo no camarim, dormindo, enquanto se apresentava no palco. “Era muito
simples, na verdade. Ia lá e fazia meu trabalho”, resume. Quando fala sobre o
orgulho do caminho percorrido sem concessões, Alaíde descortina uma determinação
que a acompanhou ao longo de todos esses 70 anos de carreira. Já nos primeiros
anos, ao ver que a gravadora não estava dando apoio para fazer o disco como
queria, bancou, com a ajuda de amigos, o próprio álbum. Foi assim que nasceu
“Joia moderna” (1961), um dos trabalhos mais elogiados. “Todos os meus (27)
discos são importantes para mim. Mas, naquele momento, acho que quebrei uma
barreira.”
A postura só não foi suficiente para evitar que empresários e
produtores deixassem de pedir à cantora que gravasse músicas e ritmos que nada
tinham a ver com ela. “Por recusar, fiquei muito tempo sem gravar. Foram
períodos bem difíceis”, recorda-se Alaíde, que precisou se apresentar em bares
noturnos, com cachês mais baixos. “Quando vinham os ‘movimentos’, achavam que eu
tinha que entrar neles, mas não me dobrava. Uma vez, queriam que gravasse
“Serenata do adeus”, do Vinicius de Moraes, em ritmo de iê-iê-iê. Claro que não
quis, né?”
São convicções que revelam também a maneira como a carioca se
relaciona com a música. Afinal, segundo ela, cantar algo com o que não se
identifica soaria falso. “Se tivesse feito isso, não estaria aqui hoje. Minha
carreira teria ido por água abaixo”, diz ela, famosa pelo repertório em torno do
amor. “Acho que nasci para cantar esse sentimento. Simples assim. Ele me atrai.
E não falo só daquela coisa conjugal. Sinto amor pelos meus filhos e meus
amigos.”
Além do repertório apurado, preocupou-se também em encontrar um
modo autêntico de cantar. Embora tenha uma lista de intérpretes que admire desde
nova, não queria imitá-las. Uma dessas cantoras está, inclusive, entre os
projetos futuros. “Antes de partir, quero fazer uma homenagem a Dalva de
Oliveira. Acho que aprendi um pouco com ela, essa coisa de passar a emoção por
meio da música”, afirma, antes de fazer a ponderação final: “Mas vai ser na
minha versão, lógico, né?”. “Quem canta refresca a alma/ Cantar adoça o
sofrer/ Quem canta zomba da morte/ Cantar ajuda a viver/ Quem canta seu mal
espanta/ Eu canto pra não morrer”. São as palavras que Alaíde Costa Silveira
usou para traduzir o significado de cantar.
Quando canta, Alaíde traz a
emoção de um mundo que ninguém conhece. Sua voz é única. Doce e melancólica,
lembra Billie Holiday cantando blues. Sua postura acompanha as vibrações do tom
da canção, assim como as expressões em sua face, que mudam conforme o sentimento
que quer passar. Ela já não é a mesma. A letra e a melodia tomam conta dela,
sabe palavra por palavra e cada pedaço é tomado por um sentido diferente. Seu
sorriso já está mais solto, a postura mais ereta e o olhar vibrante. Para ela,
que nasceu escutando música, cantar era uma forma de reviver a alma e superar a
timidez. Sua voz é aquela que conversa cantando, como quem tem cautela para
contar casos. São marcas de sua timidez, ou vontade de guardar o que é dela, e
de mais ninguém.
Ao retomar seu passado, as histórias fluem rapidamente.
São pequenos fatos: onde nasceu, como começou a carreira, assuntos sobre a Bossa
Nova. Está tudo pronto para ser contado e esquecido quando não quer mais
lembrar.
Alaíde nasceu em 1936, longe do centro do Rio de Janeiro, no
Meiér, zona norte, subúrbio da cidade. Era um bairro histórico, por ter tido
grandes centros de engenho, onde tempos depois, teria seus primeiros moradores,
pessoas escravizadas que fugiram e formaram alguns quilombos. Filha de Hermínio
Silveira, forneiro, com quem teve pouco contato pelo divórcio dos pais quando
ainda era nova, e de Manoela Costa, dona de casa e, no tempo livre, lavadeira,
Alaíde teve seis irmãos. No entanto, as três mulheres do meio morreram de
tuberculose, antes mesmo de conhecer, sobrando apenas ela e dois homens. Depois
de ter passado pouco tempo de sua infância nessa região, mudou-se para o bairro
da Água Santa, também na zona norte. Lá, os meninos brincavam nas ruas e as
portas e janelas podiam ficar abertas. Porém, por morar em uma casa que não
possuía muitas maneiras de se divertir, Alaíde, junto com seu lampião e rádio,
descobriu a melhor forma de passar o tempo: escutar os programas da época. E foi
assim que ela se aproximou da música popular brasileira.
Na década de
1950, o samba-canção, um subgênero do samba, dominava o cenário musical
brasileiro. Mesmo com o crescimento da indústria fonográfica, as rádios, que
eram ainda muito atrasadas e convencionais, não tinham estrutura para
comercializar o samba de uma maneira eficiente, e por isso, o estilo ainda
acontecia dentro de cassinos e rodas de rua. Começava a necessidade do Brasil de
se mostrar desenvolvido para o exterior. Isso fez com que nosso país fosse
estampado com fotos da Carmen Miranda, criando o estereótipo brasileiro. Com sua
espontaneidade e com um ritmo mais pulsante, o samba era feito para todas as
classes sociais, mas ele ainda continuava na marginalidade: “Quem comprava as
músicas para passar na rádio não sabia o que tinha do outro lado. Quando esses
produtores conheciam os artistas, havia um preconceito porque viam pela primeira
vez quem estava cantando”, conta Welington Andrade, professor da Faculdade
Cásper Líbero.
As poucas músicas de que Alaíde gostava na época fizeram
com que começasse a cantarolar em seus afazeres domésticos. Eram mulheres como
Neuza Maria e Dalva de Oliveira que, com uma elegância na voz, entoavam canções
de melodias mais robustas e iam além da espontaneidade da música romântica,
daquelas que traziam uma euforia maior na voz. “Aprendi muito com elas. Embora
tivessem um vozeirão, passavam uma emoção muito grande. Consegui trabalhar meus
sentimentos na hora de cantar”. Até que um dia seu irmão mais novo, Adilson
Costa, que seria mais tarde jogador de futebol profissional pelo Vasco e
Corinthians, inscreveu Alaíde em um programa de calouros no circo do bairro.
“Quando me contou, falei que não ia. Ele insistiu, eu era muito tímida, cantava
porque gostava. Então falou que tinha que ir porque se não a polícia vinha me
prender. Fiquei com medo e fui vestida de qualquer jeito, mas fui”. Descendo as
ruas do bairro junto com os amigos e com o prêmio na mão, Alaíde, que tinha ido
sem contar para a mãe, chegou correndo para dizer a grande novidade. “Ganhei o
primeiro lugar e uma surra, porque saí sem avisar. Pelo menos comecei a
participar de todos os programas de calouro do bairro, porque as pessoas iam e
me inscreviam antes mesmo de me perguntarem se eu queria ir”. Depois dessa
história, ela começou a participar de várias competições e a ganhar todas.
Chegou até a cantar no programa “Sequência G3”, do Paulo Gracindo, na rádio
Tupi, que, por gostar muito dela, continuou a convidando para participar, até
que a rádio pegou fogo e o auditório parou de funcionar.
A infância de
Alaíde não lhe trouxe boas memórias. Em uma época que a surra valia mais do que
a conversa, a timidez da cantora só aumentava. “Aquele tempo era esquisito,
qualquer coisa você apanhava, então eu ficava muito quietinha.” Sua rotina era
rodeada pela música e lições de casa. Do rádio para o colégio público, a cantora
surpreendia pelo êxito na matéria de matemática e pelo seu bom comportamento.
Aos 16 anos, Alaíde começou a trabalhar como babá de três crianças, filhas de
uma professora que a ajudava com as lições de casa: “Eu vivia cantarolando na
casa e a Dona Wanda ficava falando que eu deveria ir ao programa de rádio do Ari
Barroso porque cantava bem”. De tanto insistir, ela aceitou o convite. Escolheu
a música que Silvio Caldas interpretava, uma composição de Custódio Mesquita e
Evaldo Ruy chamada “Noturno em tempos de samba”. Comprou a partitura e foi ao
programa de calouros. Lá, Alaíde teve que ficar esperando ser chamada para poder
ensaiar a peça. “Quando chegou a minha vez, o pianista me falou que a música era
muito difícil, que eu não poderia cantar naquele dia, porque ele ia ter que
passar para o meu tom e que quando estivesse pronta me chamariam”. Lembra que o
programa do Ari era parecido com os que acontecem na televisão. Quando os juízes
não aprovam a pessoa, eles tocam o gongo e ela é desclassificada. Morrendo de
medo de deixar o jurado descontente, Alaíde fechou os olhos e entrou na música.
“Tarde na noite na rua deserta/ A vagar eu estou/ Não tenho destino nem rumo/
Não sei de onde vim/ Não sei para onde vou”. Foi a letra que deu início à
carreira da cantora e que iria acompanhá-la. “Noturno em tempos de samba” é
cantada até hoje por ela, da mesma maneira que cantou pela primeira vez quando
ganhou a nota máxima no programa do Ari Barroso.
“A música significa tudo
para mim. Se não fosse ela ainda estaria trabalhando de babá, ou fazendo algum
serviço parecido, ela me permitiu viver minha vida”, diz Alaíde ao lembrar-se de
quando abandonou o serviço para poder começar a participar dos programas de
calouro nas rádios. Foram muitos, mas sem um convite que a fizesse crescer em
sua carreira. “Ninguém se interessava em me tornar profissional. Ou tinha
escolhido uma música difícil, ou porque não tinha o vozeirão daqueles cantores
da época.” Foi então, no programa “Pescando Estrelas” da rádio Clube, que Alaíde
foi convidada para fazer um teste no Dancing Avenida, onde foi aceita. Foi seu
primeiro trabalho remunerado como crooner, cantora feminina que se apresenta
junto com um grupo musical, em que tocou do samba ao blues junto com a banda
chamada “Conjunto Copacabana”.
Durante uma de suas apresentações, um
técnico de som a ouviu e conseguiu um teste para ela na Odeon. Alaíde cantou
“Tarde demais”, de Hélio Costa e Anita Andrade, e conseguiu gravar, em 1957, seu
primeiro 78 rotações, disco antigo composto por goma-laca, usado na primeira
metade do século XX. Ele abriu porta para seu segundo disco produzido em 1958.
Foi no estúdio dessa gravação que João Gilberto a escutou e pediu para que
Aluísio de Oliveira a convidasse para participar de um encontro onde alguns
meninos estavam fazendo uma música diferente. Era o começo da Bossa Nova, época
em que músicos como Bené Nunes, Carlos Lira, Roberto Menescal, Nara Leão, Oscar
Castro Neves, entre outros, pegavam a onda da modernização do Rio de Janeiro
para mudar a música popular brasileira. Apesar da capitalização do samba, ele
ainda era um movimento de rua. Foi assim que, no final da década de 1950, ele
foi “adestrado” por um novo movimento musical que surgia na cidade carioca, a
Bossa Nova. Acompanhando o processo que tentava modernizar o nosso país, a BN
fez parte da nova arquitetura de Oscar Niemeyer, das conquistas do Cinema Novo e
da modernização e profissionalização da imprensa, que iniciava a importação do
modelo dos Estados Unidos. Era o começo de um jornalismo mais especializado, da
gravação de discos ao vivo com capas mais sofisticadas e com um design moderno e
de um meio de comunicação que tentava se relacionar mais com o público, através
das apresentações de auditório.
As reuniões da Bossa Nova aconteciam na
zona sul do Rio de Janeiro. Alaíde, que morava ainda no Água Santa, demorava
mais de hora para atravessar a cidade carioca e chegar na Gávea, onde aconteciam
as reuniões. Foi nesses encontros que finalmente o grupo conseguiu fazer um
show, dentro do auditório do O Globo, que não foi muito aceito, já que as
pessoas não acreditavam no sucesso da BN. Foi só quando João Gilberto lançou seu
LP, “O Amor, o sorriso e a flor” (1960), que a fama chegou. Novos músicos
entraram na onda e pegaram carona no sucesso que foi o novo movimento da música
popular brasileira.
Alaíde esclarece que “Não sou da Bossa Nova.
Participei do movimento, mas não me considero dele. Fazia parte de um ciclo de
cantoras que lutavam pelo mesmo ideal, um tipo de música que não só a BN. A
gente queria algo moderno, era desde a música que eu cantei no Ari Barroso até
as que canto hoje. Nós íamos contra aquelas canções com gritaria, dramáticas.
Buscávamos a poesia, a suavidade.” Apesar das composições em conjunto com Tom
Jobim, gravações com João Gilberto, encontros com Vinicius de Moraes ou a
amizade com Oscar Castro Neves, Alaíde não era do movimento. Foi em 1962, no
mesmo ano em que a Bossa Nova já se mostrava esgotada, que a cantora não foi
convidada para fazer o famoso show no Carnegie Hall, nos Estados Unidos. Foram
diversos festivais em que ela não era chamada, que mostraram o movimento
elitizado e preconceituoso que acontecia na época: era tudo para inglês ver.
Isso fez com que Alaíde fosse atrás de outros trabalhos e seguisse batalhando
pela vida que queria ter.
Ao continuar em sua busca pelo som que achava
ser de boa qualidade, a cantora, em uma de suas vindas à capital paulista, que
se tornavam cada vez mais frequentes, participou em 1960 do primeiro festival da
Bossa Nova paulistana, onde cantou quatro músicas, entre elas “Lágrimas” e
“Chora tua tristeza”. Alaíde venceu o festival e conseguiu um programa na TV
Tupi chamado “No balanço do samba”. As portas em São Paulo, então, começaram a
se abrir cada vez mais, até que conheceu Mário Lima, um locutor da rádio
Eldorado com quem se casou anos depois. Foi um dos motivos para que a cantora
saísse da cidade carioca e se estabelecesse na capital paulista onde, depois de
idas e vindas, mora até hoje. Ao começar do zero, em um lugar em que poucas
pessoas a conheciam, Alaíde participou em 1964 do programa “O Fino da Bossa”,
capitaneado por Elis Regina, onde cantou uma composição nova de Oscar Castro
Neves, “Onde está você” e foi aplaudida de pé pelo público. Foi quando conseguiu
conquistar um espaço dentro do mercado de São Paulo.
No entanto, em 1965,
Alaíde teve que se afastar de sua carreira. Grávida pela segunda vez, começou a
ter um problema de otosclerose, uma doença que dificulta a audição e que exigiu
dela duas operações e um grande tempo de recuperação. Quando voltou, percebeu
que havia se perdido dentro da música brasileira. Para ela, era a gritaria de
que não gostava de um lado e as letras politizadas do outro, dois polos que não
tinham um lugar para a voz de Alaíde, que se recusava a se encaixar em qualquer
tipo musical. Entre Festivais Universitários da Música Popular Brasileira da TV
Tupi, boates e peças de teatro que se atreveu a participar, a cantora ia sempre
buscando a perfeição naquilo que escolheu seguir como profissão. Sua parceria
com Johnny Alfie elaborou o jazz brasileiro. As gravações com Milton Nascimento
são inesquecíveis. Do samba, quando foi cantora da escola Salgueiro, à Bossa,
gênero brasileiro que foi mostrar ao exterior em sua série de shows
internacionais, Alaíde, quando canta, representa todas as barreiras que já
ultrapassou por ser a pessoa que é. Uma vida inteiramente dedicada à música.
Com quase noventa, a cantora carioca Alaíde Costa celebra suas sete décadas
de carreira com o lançamento do novo álbum intitulado “E Agora o Tempo quer
Voar”, o segundo volume de uma trilogia iniciada em 2022, com o premiado álbum
chamado “O que os meus Calos Dizem sobre Mim”. Este álbum traz oito músicas
criadas especialmente para a voz inconfundível da cantora, escritas por Caetano
Veloso, Marisa Monte e Nando Reis. Também participam das composições os músicos
Carlinhos Brown, Rashid, Ronaldo Bastos e Rubel.
Para o jornalista Marcus
Preto, um dos integrantes do trio de produtores do álbum, que incluem também os
músicos Emicida e Pupillo, Alaíde é a nossa Billie Holiday brasileira. No
novo álbum, a artista – que vive em São Paulo desde os anos 1960 - conta também
com a participação especial da cantora Claudette Soares, de 87 anos, amiga de
Alaíde Costa há mais de 60 anos, em uma das faixas.
Os prêmios, as turnês
internacionais, o calor de um público jovem que redescobre a cantora precursora
da bossa-nova demonstram que, perto de completar 90 anos, Alaíde Costa tem ainda
muita música para viver e cantar.
Alaíde Costa vai festejar as nove
décadas de vida ao longo de 2025, começando pelo lançamento, em edição da
gravadora Deck, do álbum que acaba de aprontar com regravações do repertório de
Dalva de Oliveira (1917 – 1972), feitas em duetos com grandes instrumentistas.
O disco em tributo a Dalva era sonho de Alaíde, realizado por Thiago Marques
Luiz, empresário e produtor que cuida da carreira da artista desde 2004, tendo
forçado nesses 20 anos a abertura de portas que, até algum tempo atrás,
insistiam em permanecer fechadas para a dama da canção.
Hoje o Brasil
abre os braços para Alaíde Costa em movimento até tardio, mas ainda assim
oportuno, porque feito em tempo de reparar as injustiças sofridas pela artista
em 70 anos de trajetória profissional íntegra.
Parabéns, Alaíde Costa! E
que venham os 90 anos de idade em 8 de dezembro de 2025!.
Cândido Luiz de Lima Fernandes é economista e professor universitário em
Belo Horizonte; email:
candidofernandes@hotmail.com
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Direção e Editoria
Irene Serra
Revista Rio Total
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