01/09/2024
Ano 27

Semana 1.381







 
ARQUIVO
de
MÚSICA

 

 

 

 




Maria Creuza completa 80 anos


A cantora baiana Maria Creuza ao lado de Vinicius de Moraes, com quem excursionou na década de 1970
em uma turnê de sucesso pela América do Sul.



Cândido Luiz de Lima Fernandes


Atendendo ao pedido de uma leitora da Revista Rio Total escrevo hoje sobre a biografia, trajetória musical e discografia da cantora baiana Maria Creuza, que completou oitenta anos neste ano.

Maria Creuza Silva Lima nasceu em Esplanada, na Bahia, em 26 de fevereiro de 1944, tendo ficado famosa particularmente por sua parceria com Vinícius de Moraes, Francis Hime e Toquinho nas décadas de 1970 e 1980, com quem excursionou em shows. Seu sucesso deu-se, principalmente, pelas interpretações ímpares de canções de autoria de compositores como Vinicius de Moraes, Toquinho e Antônio Carlos e Jocafi. Mas Maria Creuza sempre foi muito mais que uma simples intérprete, dando voz a grandes compositores: voz suave e aveludada, sempre soube interpretar a dar emoção a cada nota musical, dar sentimento a cada palavra.

Ainda com dois anos de idade os pais da artista se separaram, o que levou sua mãe a mudar para Salvador. Na capital baiana, ainda criança, despertou o interesse pela música tendo, inclusive, feito aulas de canto o que a levou aos 15 anos a formar o grupo Les Girls, destacando-se como crooner. Sua participação no grupo começou a chamar a atenção dos baianos e aos 16 anos já era destaque em programas de rádio que faziam sucesso em Salvador.

Foi o primeiro passo para o estrelato. No ano seguinte passou a comandar o programa Encontro com Maria Creuza, na TV Itapoan, ficando no ar por quatro anos. Na mesma época fez seus primeiros registros fonográficos para uma gravadora local (Gravações JS), com uma curiosidade: todas as gravações em inglês.

No ano de 1965 conheceu Antônio Carlos, que fazia dupla com Jocafi, então um compositor iniciante, com quem se casaria três anos depois. Em 1966 participou do Festival Brasil Canta, que aconteceu em duas etapas: primeiro em Salvador e depois no Rio de Janeiro, defendendo a música “Se não havia Maria”, de Antônio Carlos. Também do mesmo autor, defendeu, em 1967 a canção “Festa no Terreiro de Alaketu” no II Festival de MPB da TV Record. Lançou, com essa música, um compacto simples trazendo no lado B outra canção de Antônio Carlos: “Abolição”.

O ano de 1969 foi solar para a baiana: participou do IV Festival Universitário, no Rio de Janeiro, defendendo a música “Mirante” (de Aldir Blanc e Cezar Costa Filho), levando o prêmio de melhor intérprete e defendeu “Catendê”, canção de Antônio Carlos já com o parceiro Jocafi, no V Festival de MPB, no Rio de Janeiro. Para fechar o ano com chave de ouro, conheceu Vinicius de Moraes, que se apaixonou pela sua voz e a convidou para participar de um show com Dori Caymmi em Punta Del Leste (Uruguai) em 1970. Com relação ao encontro com Vinicius de Moraes, Maria Creuza conta que, após ouvi-la, Vinicius teria ficado apaixonado pela sua voz, conseguido seu telefone e ligado, mas que ela não acreditou que fosse ele. “Achei que fosse alguém passando trote”, relembra. Quando, enfim, aconteceu o encontro, nascia uma amizade que durou até 1980, quando Vinicius faleceu. Os dois tornaram-se, inclusive, compadres: Vinicius e sua então esposa Gessy Gesse batizaram Luana, filha de Maria Creuza com Antônio Carlos.

Em junho de 1970 excursionou com Vinícius e Toquinho para uma série de shows em Buenos Aires, na boate La Fusa, que rendeu o álbum En La Fusa con Maria Creuza y Toquinho (a turnê foi revivida com Toquinho em 2007 e 2008, ocasião em que receberam da prefeita de Montevidéu o título de "Visitantes Ilustres".

Naquele ano o poeta, diplomata, compositor Vinicius de Moraes (1913-1980) pilotou em Buenos Aires uma versão compacta daquela expedição bossanovista: uma investida hispânica com um show e um disco em um bar de boêmios no Barrio Norte, a boate La Fusa (instalada na Galeria Capitol da Avenida Santa Fé, entre a Callao e a Riobamba). Dessa aventura, destacou-se a voz cristalina da cantora, então com 21 anos. O disco Vinicius de Moraes En La Fusa con Maria Creuza y Toquinho, que Vinicius gravou, acompanhado por Toquinho e Maria Creuza, é tido até hoje como um dos discos de música brasileira mais vendidos na Argentina, e Maria Creuza se tornou uma estrela na terra do tango.

Com os desaparecimentos de Nara Leão, Elizeth Cardoso, Doris Monteiro, Sylvia Telles, Maysa e Astrud Gilberto, é possível afirmar que Maria Creuza Silva Lima, a baiana de Esplanada de flor no cabelo, que encantou Vinicius ao mergulhar a bossa numa certa infusão afro, é hoje uma das últimas divas da bossa nova ainda em atividade. Maria Creuza mora há décadas em Buenos Aires, capital do país que a acolheu artisticamente nos anos 1970, roubou seu coração (ela se casou há 40 anos com o pianista cordobês Victor Díaz Vélez, com quem vive em Buenos Aires) e onde desenvolveu grande parte de sua carreira musical.

No auge de sua aventura com Vinicius e Toquinho, Maria Creuza foi saudada com reverência pela imprensa internacional. “Una ragazza stupenda dalla pele ambrata di mulatta” (“uma garota estupenda de pele âmbar de mulata”), escreveu o periódico italiano Il Tempo, e o La Notte identificou nela “la voce calda e nebbiosa” (“a voz quente e enevoada”). Segundo o jornal francês Le Figaro a voz da cantora brasileira era “doce, sensual” e representava “a própria essência do canto”. O France Soir registrou que ela quebrou, em uma apresentação em Paris, “a incomunicabilidade dos espectadores do Olympia” e que representava “uma das mais belas vozes do Brasil”.

De acordo com o arranjador e músico Roberto Menescal, um dos papas da bossa nova, “A Creuza teve uma importância muito grande a partir daqueles shows que ela fez com Vinicius. Ela divulgou muito nossa música na Argentina. E estourou na Argentina. Eu tive a felicidade de produzir dois discos dela para a Som Livre, na ocasião, e que foram muito bem recebidos aqui também. Um dos discos tinha até o nome da música do Chico Buarque com o Cristóvão Bastos: Todo Sentimento. Depois ela foi morar na Argentina, então não posso dizer nada, mas ela, assim como Astrud (Gilberto), que foi para os Estados Unidos e vendeu a nossa música lá, foi aqui para a Argentina e pegou um público muito bom, e ficou sozinha nisso, né? Uma pessoa muito legal, a gente teve uma relação muito boa.”

Na época em que conheceu o argentino Vélez, Maria Creuza era casada com o compositor Antonio Carlos Marques Pinto, da dupla Antonio Carlos & Jocafi. A dupla começou a ficar conhecida em 1969, quando inscreveu a composição “Catendê” em um festival de música popular brasileira. Maria Creuza era a intérprete. Em 1971 Maria Creuza fez sucesso com a gravação de “Mas que doidice “ (de Antônio Carlos e Jocafi) e no mesmo ano gravou com Vinicius e Toquinho o LP “Eu Sei que Vou te Amar” (RGE). A fama nacional veio em 1972, com a composição “Você Abusou”, também de Antonio Carlos e Jocafi, uma das músicas mais tocadas no Brasil durante anos e que projetou o nome da cantora brasileira para muito longe. “Você Abusou” foi gravada em espanhol e japonês, além de ganhar interpretações de Stevie Wonder, Célia Cruz e Sergio Mendes. Hit internacional, causou espanto quando, na França, surgiu uma versão sem crédito de “Você Abusou”, “Fais Comme l’Oiseau”, interpretada pelo cantor Michel Fugain e sua banda Le Big Bazar. Fugain simplesmente registrara a versão em francês em seu próprio nome.

No ano seguinte fez apresentações em Paris (França) e Milão (Itália). Em 1973 lança pela RCA Victor um LP que causou grande repercussão na MPB: Eu Disse Adeus, que incluiu sucessos como “Não me diga Adeus “(Paquito, Luiz Soberano e Correia da Silva), “Eu disse Adeus” (Roberto Carlos), “Pois é” (Chico Buarque de Holanda e Tom Jobim) e “A Flor e o Espinho” (Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito).

Em 1974 a artista defendeu e ficou em segundo lugar com a a canção “Que diacho de dor” (Antônio Carlos e Jocafi) no II Festival Mundial da Música Popular, em Tóquio (Japão). Pegando carona no sucesso mundial e aproveitando a popularidade da artista, a gravadora RCA Victor lançou naquele ano o LP “Sessão Nostalgia”, trazendo sucessos como “De conversa em conversa” (Haroldo Barbosa e Lúcio Alves), “Duas contas” (Garoto), “Vingança” (Lupicínio Rodrigues), “Luz negra” (Nelson Cavaquinho e Amâncio Cardoso) e o samba “O sol nascerá” (Cartola e Elton Medeiros).

Nas décadas de 80 e 90 a cantora lançou grandes pérolas, embora o mercado fonográfico já não fosse o mesmo. Os destaques para esse período são “Sedução” (1981), “Poético” (1982), “Meia Noite” (1983), “Maria Creusa” (1984) e “O melhor de Maria Creusa” (1985), todos pela gravadora RCA, além de “Paixão acesa” (1986) e “Pura magia” (1987), para a Arcasom, e “Da cor do pecado” (1989) e “Todo sentimento” (1991), para a Gravadora Som Livre. Destaques também para “Com açúcar e com afeto” (1989), “La Mitad del Mundo/A Metade do Mundo” (1999), pela Zanfonia CD, “Você e eu” (2003), pela Albatroz CD, a compilação “Maxximum - Maria Creuza” (2005) Sony BMG CD, Maria Creuza ao vivo (2006), “Creuza e Gabriel” (2007) e “É Melhor Ser Alegre Que Ser Triste (2007), ambos pela Albatroz CD.

Em entrevista recente, Maria Creuza conta que “Meu primeiro marido foi Antonio Carlos, de Antonio Carlos & Jocafi. Isso todo mundo já conhece. O meu segundo marido, com quem continuo casada, já faz 40 anos que continuo aqui na Argentina com ele, e é por isso mesmo que muitas vezes fico muito tempo aqui, é músico, pianista, maestro, compositor, e trabalhou muitos anos em teatros aqui da Argentina. Ficou muito famoso, se chama Victor Días Vélez, um músico excepcional. Eu o conheci justamente por causa de uma falta que tive há 40 anos de um músico aí do Brasil, Leonardo Bruno. Leonardo não pode me acompanhar em um show, era ele quem fazia meus arranjos na época das gravações com o Rildo Hora, na RCA, nos meus primeiros discos. Eu o tinha convidado para que me acompanhasse em uma temporada aqui, nessas idas e vindas que eu tinha na Argentina. Isso foi no ano de 1979 para 1980. E aí convidaram o Victor. Um amigo meu, que era baterista aqui em Buenos Aires, brasileiro, e conhecia o Victor porque trabalhava com ele em obras musicais aqui nos teatros, o indicou. Quando eu avisei o produtor que Leonardo não podia vir, botaram a mão na cabeça, né? Porque quem é que ia me acompanhar aqui com bossa nova? Não dava mais tempo. Então tinha que colocar um substituto à altura que conhecesse essa obra de Vinicius e Jobim, para poder me acompanhar nos shows que eu já tinha tudo marcado aqui no verão.

Preparando uma autobiografia e um retorno aos palcos neste ano, Maria Creuza cuida atualmente de um problema de saúde. A prefeitura de Esplanada, sua terra natal, concedeu-lhe em junho de 2022, o título de Patrimônio Artístico e Cultural Vivo da cidade, por sua contribuição à cultura.

Discografia

Maria Creuza gravou os seguintes discos:
Festa no terreiro de Alaketu/Abolição (1967) Compacto simples
En La Fusa con Maria Creuza y Toquinho (1970)
Yo... Maria Creuza (1971) RGE LP, CD
Maria Creuza (1972) RGE LP
Eu sei que vou te amar. Vinicius de Moraes, Maria Creuza e Toquinho (1972) RGE LP
Eu disse adeus (1973) RCA Victor LP
Sessão nostalgia (1974) RCA Victor LP
Maria Creuza e os grandes mestres do samba (1975) RCA Victor LP
Meia noite (1977) RCA Victor LP
Doce veneno (1978) RCA Victor LP
Pecado (1979) RCA Victor LP
Maria Creuza (1980) RCA Victor LP
Sedução (1981) RCA Victor LP
Poético (1982) RCA Victor LP
Paixão acesa (1985) Arca Som LP
Pura magia (1987) Arca Som LP
Da cor do pecado (1989) Som Livre LP
Com açúcar e com afeto (1989)
Da cor do pecado (1989) Som Livre LP
Todo sentimento (1991), Som Livre LP
La Mitad del Mundo/A Metade do Mundo (1999) Zanfonia CD
Você e eu (2003) Albatroz CD
Maxximum (Maria Creuza) (2005) Sony BMG CD
Maria Creuza ao vivo (2006) Albatroz CD
É Melhor Ser Alegre Que Ser Triste (2007), Albatroz CD
Creuza e Gabriel (2007) Albatroz CD



Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email:
candidofernandes@hotmail.com



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Direção e Editoria
Irene Serra