O show de Zizi Possi e
Luiza Possi em Belo Horizonte

Cândido Luiz de Lima Fernandes
Um
encontro musical emocionante entre mãe e filha foi a premissa do espetáculo que
Zizi Possi e Luiza Possi apresentaram no último dia 23 de março no Palácio das
Artes em Belo Horizonte. No palco, as artistas celebraram a cumplicidade entre
ambas e as próprias trajetórias profissionais com um repertório cravejado de
clássicos da MPB – caso de 'Asa Morena', sucesso de Zizi, e 'Folhetim', que
ganhou gravação notável de Luiza. O show teve repertório variado com sucessos e
canções inéditas nas vozes das duas, porém já conhecidas através de seus
autores, como no caso de Chico Buarque (“João e Maria”) e Gilberto Gil
(“Palco”).
Paulistana, Zizi tornou-se uma das grandes vozes femininas da
MPB entre os anos 1980 e 1990, com sucessos como 'Perigo' e 'Caminhos do Sol'. O
primeiro hit da cantora, 'Pedaço de Mim', veio ainda aos 21 anos em dueto com
Chico Buarque, registrado inicialmente em álbum dele. Já Luiza nasceu no Rio de
Janeiro, onde a mãe havia se radicado desde que alcançou o sucesso, e responde
por gravações com apelo pop e radiofônico como 'Dias Iguais', 'Eu Sou Assim',
'Me Faz Bem' e a versão de 'Além do Arco-Íris' consagrada na trilha sonora da
novela 'Chocolate com Pimenta' (2003). Em entrevista ao jornal Estado de
Minas, Luiza comemora a turnê ao lado da mãe e enxerga a aproximação artística
entre ambas como consequência de mudanças cheias de afeto na vida pessoal. "Esse
show foi idealizado pelas duas, com humor, amor, emoção e muita cumplicidade.
Esses são ingredientes que regem a nossa relação. A maternidade me trouxe para
mais perto de Zizi e por isso veio a vontade de dividir o palco em um show
único, completamente emocionante, pensado e executado pelas duas", observa a
artista.
Zizi conta que a ideia de fazer o show partiu de Luiza, em 2019,
quando a filha estava grávida do primeiro filho. “Ela disse que queria criar
memórias e ficar mais perto de mim. Achei aquilo tão bacana e foi também um
convite para chegar mais perto dela, o que achei ótimo. Não sabíamos como seria
o repertório, mas como tinha a ver com essa coisa de mãe e filha, maternidade,
procuramos escolher músicas com as quais tivéssemos a experiência de cantar
juntas. Além disso, canções que remetessem a essa coisa de parceria, tipo amor
sem limite.”
As duas escolheram algumas músicas que já cantavam juntas,
como “Haja o que houver”, do grupo Madre de Deus. “É maravilhosa. Gravamos essa
música no disco ‘Bossa’ (Universal Music, 2001). Na época, Luiza era uma
jovenzinha. A canção é uma afirmação de que haja o que houver, estou aqui e você
pode contar com isso. Sempre ouvi essa música, mesmo antes de gravá-la. É a
afirmação de um amor que, realmente, é incondicional. Como, às vezes, as
relações entre duas pessoas acabam sendo condicionais, não existe nada tão
incondicional quanto o amor de mãe para filho”, ressalta Zizi.
Segundo
Zizi, como ambas já tinham a experiência de cantar juntas, fazer esse show não
foi complicado. “Procurando algumas canções, surgiu ‘Força estranha’ (Caetano
Veloso), que tem a ver com música, notas, voz, com novos caminhos, com o que
aquela criança que iria nascer teria para trilhar. Enfim, o repertório foi todo
escolhido assim”, revela.
A cantora também lembra que a escolha das
músicas carrega uma dose de humor porque, quando grávida, Luiza “estava
danadinha”, nas palavras da mãe.
“Sugeri cantar ‘Mamma’, e ela respondeu:
‘Ah, que música chata’. Mas quando Luiza ouviu a música, disse: ‘Eu quero’.
Quando sugeri ‘Incancellabile’, que cantei com a Laura Pausini, ela disse: ‘Ah,
não sei’, mas quando comecei a cantar, falou: ‘Eu quero’. Foi muito gostoso e
engraçado todo esse processo.”
Zizi ressalta que a base do show são as
canções que as duas pesquisaram, como, por exemplo, “Paula e Bebeto” (Milton
Nascimento e Caetano Veloso). “São canções que falam de parceria, feito ‘João e
Maria’ (Chico Buarque), daquela coisa de amor, de estar perto, que é o tema
desse show. Já tivemos outros momentos juntas no palco, mas é sempre uma coisa
misteriosa, porque depende também do momento. Às vezes posso estar mais triste,
mais eufórica ou ela também. Porém, é sempre um aprendizado, uma novidade.”
Lembranças permeiam a história deste show. “Nunca vou esquecer quando Luiza
tinha sete anos. Estávamos em São Paulo, ela sentadinha no chão com o folheto do
CD do Caetano ‘Circuladô’ (1991). Ela estava lendo e cantando, pensei:
‘Incrível’. É muito emocionante estar com ela no palco”, diz a “mãe coruja”.
As duas, segundo Zizi, não tinham a pretensão de sair em turnê com um show.
“Tínhamos apenas um convite para nos apresentarmos no Dia das Mães, mas os
pedidos começaram a chegar e nos apresentamos em algumas capitais, com
receptividade muito bacana. Agora, começaram a pedir de novo”, explica.
No Palácio das Artes, Zizi e Luiza tiveram uma apresentação marcante, pois foi o
primeiro show das duas sem o diretor musical do espetáculo, Ivan Teixeira, que
faleceu em dezembro passado, vítima de acidente. “Ivan foi pianista da Luiza por
muito tempo. Uma coisa terrível, um jovem talentoso, uma pena. Será o primeiro
show que vamos fazer sem ele, com outro pianista. Vou ter que segurar a barra,
porque os dois faziam tudo juntos, tinham até um trecho lindo, de voz e piano.
Ivan era realmente musical, bem-humorado e não perdia a oportunidade de fazer
uma piada. A morte dele já foi um baque, agora perdê-lo também em cena será
complicado, mas vamos ver como é que fica” comenta Zizi.
Como lembra Luiza,
"Na primeira vez deste show, em São Paulo, estava grávida, eu ficava nessa
posição, de frente para ele. Tive uma crise de choro, porque grávidas têm crise
de choro, e olhando bem para ele. Queria dedicar esse show a ele, que morreu dia
24 de dezembro, em um trágico acidente de carro. Cantar e estar aqui me lembra
muito ele", disse, com voz embargada, depois de bela interpretação que deu a
"Força estranha".
Mãe e filha conduziram o show com maestria. Escolheram
um repertório em que sobressaía a poesia das canções, que davam oportunidade
para as cantoras mostrarem sua força como intérpretes. Destaque da noite para
"Haja o que houver", do Madredeus; "Minha mãe", composição de Luiza; "I will
always love you", do repertório de Whitney Houston. Não faltaram clássicos do
repertório de Zizi, como "Asa morena", "Perigo", e "Per amore".
As
histórias de mãe e filha também deram o toque de bom humor. Depois de cantar
"Seu nome", canção de Vander Lee, que ela amou e gravou no CD “Escuta” (2006),
Luiza revelou que o compositor mineiro ficou decepcionado por ela ter trocado a
palavra dom por bom na frase “Quero que você me dê o que tiver de bom pra dar”.
"Mas, Vander Lee, quem dá dom para os outros é Deus, meu filho", relembrou, com
humor. "Ele disse que poderia deixar assim. Eu disse também que não teria mais
jeito. Já foi para a master (masterização), já está no CD, já vendeu. Compus com
Vander Lee, sem querer", disse ela, pedindo um salve ao compositor mineiro.
A relação de mãe e filha com Minas Gerais vai além da relação com
compositores mineiros e os fãs. Zizi Possi contou que, por pouco, não veio morar
em Belo Horizonte, a convite de Gonzaguinha. "Com certeza, era assim que ele me
chamava, você tem que ver a Pampulha", relembrou a cantora, que cantou
lindamente "Sangrando", um dos sucessos do compositor.
Zizi elogiou a
banda que acompanha mãe e filha. Mas fez questão de elogiar o baterista Ramon
Monteiro. "Ele é incrível, estudioso, desenvolveu uma técnica em que toca com
quatro baquetas. Ele já foi até ao Japão para dar aula". Brincou ainda com o
baixista Bernardo Goes, a quem ofereceu casa, comida e roupa lavada. "Minha mãe
está xavecando o baixista", brincou Luiza. Zizi disse que o assunto era apenas o
talento dele como bom músico. Jether Garotti Júnior é o maestro que acompanha
Zizi há longos anos. A banda conta também com o excelente pianista Anderson
Ramos de Melo.
Enfim, foi um show inesquecível. Recomendo aos leitores da
Revista Rio Total não deixarem de assisti-lo caso as duas cantoras se apresentem
em outras capitais brasileiras.
Cândido Luiz de Lima Fernandes é economista e professor universitário em
Belo Horizonte; email:
candidofernandes@hotmail.com
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Direção e Editoria
Irene Serra |