O álbum duplo
comemorativo dos 80 anos de Edu Lobo

Cândido Luiz de Lima Fernandes
Para
comemorar os 80 anos de Edu Lobo, a Biscoito Fino lançou no dia 7 de novembro um
álbum duplo em formato físico e digital. ‘Edu Lobo Oitenta’ tem arranjos e
direção musical de Cristóvão Bastos, sendo que o álbum traz 24 canções
escolhidas a dedo. Sucessos como “Beatriz” não ficaram de fora, mas Edu quer
mostrar nesse novo disco músicas que não foram regravadas e muito menos tocadas
nas rádios, as tais “lado B”. No disco, Edu Lobo está cercado de um time de
vozes aclamadas como Mônica Salmaso e Zé Renato, e outras ainda pouco conhecidas
como Vanessa Moreno e Ayrton Montarroyos, além de um timaço de grandes
instrumentistas, como Jorge Helder ao contrabaixo, Jurim Moreira à bateria,
Marcelo Costa na percussão, Kiko Horta com a sanfona, Paulo Aragão com o violão
de oito cordas e com os saxofones e flautas, Mauro Senise e Carlos Malta.
Dono de uma trajetória de sucesso na música popular brasileira (MPB), que,
inclusive, rendeu a ele, em 1994, um Prêmio Shell de melhor compositor de música
brasileira pelo conjunto da obra, Edu Lobo tem cerca de 30 álbuns lançados. Os
60 anos de carreira do octogenário renderam uma coleção de álbuns,
apresentações, turnês nacionais e internacionais, prêmios, composições para
filmes e peças. Edu experimentou parcerias com nomes como Vinicius de Moraes,
Gianfrancesco Guarnieri, Ruy Guerra, Vianna Filho, Torquato Neto, José Carlos
Capinan, Paulo César Pinheiro, Cacaso, Joyce, Ronaldo Bastos, Abel Silva, Aldir
Blanc e Chico Buarque.
Edu conta em recente entrevista que seu primeiro
alumbramento ocorreu ainda nos anos 1960, na boate Au Bon Gourmet, em
Copacabana. Ali, o jovem assistiu ao trio Tom Jobim, João Gilberto e Vinicius de
Moraes, que tomou a palavra para apresentar uma nova canção. Era "Garota de
Ipanema". Pouco tempo depois, Edu já frequentava o Beco das Garrafas, ponto de
encontro da boemia carioca.
Para fundar uma linguagem própria, o músico
conta ter unido as batidas do violão joãogilbertiano à percussão africana, então
representada por Baden Powell. Desde o início, Edu se mostrava filiado ao
projeto modernista de Heitor Villa-Lobos, numa tentativa de apreender a alma do
país. "Sou brasileiro de estatura mediana/ Gosto muito de fulana, mas sicrana é
quem me quer", cantaria em "Lero-Lero", do álbum "Camaleão", de 1978. Não por
acaso, o artista foi o primeiro a gravar, no mesmo disco, o poema de Ferreira
Gullar para "O Trenzinho do Caipira", de Villa-Lobos. Edu havia lançado os
fundamentos de seu projeto musical na década anterior. Se Villa-Lobos se
apropriou dos chorões, Edu traçou pontes entre a bossa nova e os ritmos
tradicionais do Recife, onde passava as férias de verão quando criança. Por
isso, a temática memorialista é central em sua obra, deixando seu rastro de
melancolia nas canções.
Em 1965, em parceria com Vinicius, disputou e venceu
o 1º Festival Nacional de Música Popular Brasileira, na TV Excelsior, com
“Arrastão”, interpretada por Elis Regina. Segundo o compositor, “Foi Elis Regina
que fez a música chegar em primeiro lugar. Teve uma importância para mim porque
ninguém me conhecia e passou a conhecer a partir dali, porque daí vêm as
entrevistas, comecei a aparecer em jornal...”. Dois anos depois, a dose se
repetia no festival da TV Record. Dessa vez com “Ponteio”, em parceria com José
Carlos Capinan. Edu Lobo, a cantora Marília Medalha e os grupos vocais
Momentoquatro e Quarteto Novo interpretam a canção. Segundo o compositor,
“Ponteio” foi muito forte para mim, tão forte que recebi um convite para ir para
a França para fazer um espetáculo só e acabei ficando dois meses. Todo mundo
queria ouvir “Ponteio.”
Em 1966, ele lançou "Edu e Bethânia", em parceria com
Maria Bethânia, com o sucesso "Upa, Neguinho". Pouco depois, enfileirando os
sucessos "No Cordão da Saideira" e "Zum-Zum", Edu estabeleceu, em paralelo, a
luta política contra a ditadura como segunda linha temática. Dela, fazem parte
as canções da peça "Arena Conta Zumbi", de 1968.
Edu logo se irmanaria a
Tom, outro tarado por Villa-Lobos. Em 1981, a dupla lançou a obra-prima "Edu &
Tom, Tom & Edu", com "Vento Bravo" e "Pra Dizer Adeus". Os dois iam até a
Plataforma, um antigo bar no Leblon, antes das sessões no estúdio. "A gente tem
de beber depois, não antes", lembrava Edu a Tom. Mas não adiantava. Tom já
chegava calibrado para as gravações, em que as duas vozes de uísque se
misturavam, cantando o amor.
Nos anos 80 Edu trocou o violão pelo piano e
solidificou o agrupamento de canções românticas com a parceria de Chico Buarque.
Foi nesta fase que compôs "Beatriz", da obra "O Grande Circo Místico", um dos
raros sucessos incluídos em "Oitenta".
Para o novo disco, ele decidiu
iluminar canções desconhecidas, metade delas letradas por Chico Buarque, com
quem divide o patrimônio artístico acumulado. Edu diz que Chico não canta em seu
novo trabalho, porque já emprestara sua voz em outras ocasiões. "A gente se
encontra quando tem de se encontrar, segue a mesma amizade", afirma. "Em nossos
jantares, falamos de tudo, menos de música, ninguém é obrigado a ficar ouvindo
esse papo."
No novo disco Edu resgata a canção "Salmo", composta com
Chico, em 1985, para a peça "O Corsário do Rei", escrita e dirigida por Augusto
Boal. A faixa é confiada à belíssima voz de Zé Renato. O tenor de timbre leve
reforça a natureza etérea da canção, construída em bases harmônicas que
enfatizam a temática religiosa. "Conturbam-se meus ossos/ Meu vulto perde a cor/
Minh’alma está confusa/ Fustigai-me, meu Senhor", diz a letra. A alma
atormentada é típica do eu lírico barroco, aprisionado entre o prazer terreno e
a busca pela vida eterna. Tal ambivalência se realiza na ascensão do corpo
—"conturbam-se meus ossos"— até a alma —"meu vulto perde a cor". A
autopenitência, no entanto, é envolta nas linhas melódicas angelicais do piano
de Cristóvão Bastos, da flauta de Mauro Senise e do violão de Paulo Aragão. A
banda se completa com o baixo de Jorge Helder, a bateria de Jurim Moreira e o
acordeon de Kiko Horta. Juntos, eles encaminham a atmosfera etérea até "Sobre
Todas as Coisas", uma balada dolorida, presente no espetáculo "O Grande Circo
Místico", de 1983.
Edu diz sempre que prefere as canções lentas. Para
ele, as baladas duram no tempo, enquanto os hits tendem ao sucesso efêmero.
Pois, em “Sobre Todas as Coisas", as dissonâncias pontuadas pela flauta são como
punhaladas num coração sofredor. "Pelo amor de Deus/ Não vê que isso é
pecado?/Desprezar quem lhe quer bem", canta Montarroyos. Aqui, a temática
religiosa habita uma dimensão terrena e contemporânea. O intérprete roga a
clemência divina para retomar um amor perdido. Edu não economiza poesia e assume
o microfone para entoar uma composição com seu primeiro parceiro, Vinicius de
Moraes. Em "Silêncio", a voz grave de Edu soa como um contraponto aos demais
intérpretes.
O timbre permanece o mesmo, aveludado e um pouco anasalado,
dizendo delicadezas do tipo "escuta o silêncio/ que fala de tudo". Numa cadência
agitada, Vanessa Moreno interpreta "Ave Rara", parceria com Aldir Blanc que
flerta com a escala da música árabe. A faixa se encerra com um "scat singing" de
tirar o fôlego.
A sofisticação de Edu transmite a imagem formal, típica
de um homem que estudou para ser advogado, mas nunca foi. Mesmo em cena, ele
veste roupas sociais, como se estivesse no escritório. "Eu sempre senti uma
inadequação no palco", diz o artista, que nos anos 1980 se ausentou das casas de
show.
Seu primeiro alumbramento ocorreu ainda nos anos 1960, na boate Au
Bon Gourmet, em Copacabana. Ali, o jovem assistiu ao trio Tom Jobim, João
Gilberto e Vinicius de Moraes, que tomou a palavra para apresentar uma nova
canção. Era "Garota de Ipanema". Pouco tempo depois, Edu já frequentava o Beco
das Garrafas, ponto de encontro da boemia carioca.
Para fundar uma
linguagem própria, o músico conta ter unido as batidas do violão joãogilbertiano
à percussão africana, então representada por Baden Powell. Desde o início, Edu
se mostrava filiado ao projeto modernista de Heitor Villa-Lobos, numa tentativa
de apreender a alma do país. "Sou brasileiro de estatura mediana/ Gosto muito de
fulana, mas sicrana é quem me quer", cantaria em "Lero-Lero", do álbum
"Camaleão", de 1978.
Não por acaso, o artista foi o primeiro a gravar, no
mesmo disco, o poema de Ferreira Gullar para "O Trenzinho do Caipira", de
Villa-Lobos. Edu havia lançado os fundamentos de seu projeto musical na década
anterior. Se Villa-Lobos se apropriou dos chorões, Edu traçou pontes entre a
bossa nova e os ritmos tradicionais do Recife, onde passava as férias de verão
quando criança.
Por isso, a temática memorialista é central em sua obra,
deixando seu rastro de melancolia nas canções. Em 1966, ele lançou "Edu e
Bethânia", em parceria com Maria Bethânia, com o sucesso "Upa, Neguinho". "Isso
é uma musiqueta", ele diz. "Eu fiz a música correndo e as pessoas gostaram."
Enfileirando os sucessos "No Cordão da Saideira" e "Zum-Zum", Edu
estabeleceu, em paralelo, a luta política contra a ditadura como segunda linha
temática. Dela, fazem parte as canções da peça "Arena Conta Zumbi", de 1968.
Edu logo se irmanaria a Tom, outro tarado por Villa-Lobos. Em 1981, a dupla
lançou a obra-prima "Edu & Tom, Tom & Edu", com "Vento Bravo" e "Pra Dizer
Adeus". "Eu cantei muitíssimo bem", diz Edu, sobre a diferença da primeira
gravação de "Luiza" para as demais. Foi um disco feito por acaso, criado por
insistência de Tom, que só iria participar de uma faixa. "Vai ser só isso? Eu
botei perfume para ir ao estúdio te encontrar", dizia Tom a Edu.
Os dois
iam até a Plataforma, um antigo bar no Leblon, antes das sessões no estúdio. "A
gente tem de beber depois, não antes", lembrava Edu a Tom. Mas não adiantava.
Tom já chegava calibrado para as gravações, em que as duas vozes de uísque se
misturavam, cantando o amor.
Nos anos 1980 Edu trocou o violão pelo piano
e solidificou o agrupamento de canções românticas com a poesia de Chico Buarque.
Interpretada por Mônica Salmaso, "Beatriz", também de "O Grande Circo Místico",
é um dos raros sucessos incluídos em "Oitenta". "Mônica é a melhor de todas,
canta melhor do que todo mundo que eu conheço, é a mais afinada, a mais
interessante e não abre mão de seu repertório, que para mim é perfeito, para
satisfazer às gravadoras", diz Edu. A faixa já inclui a mudança feita, em março,
por Chico. No lugar de "a vida da atriz", se ouve agora "a sina da atriz". Edu
adorou a mudança e diz nunca ter visto uma canção demorar 40 anos para ficar
pronta. Ele só se irrita quando cantam as notas erradamente. "Toda hora alguém
erra as minhas composições, trocam os meus acordes, nenhum autor gosta disso",
afirma.
Edu diz sempre que prefere as canções lentas. Para ele, as
baladas duram no tempo, enquanto os hits tendem ao sucesso efêmero. Pois, em
“Sobre Todas as Coisas", as dissonâncias pontuadas pela flauta são como
punhaladas num coração sofredor. "Pelo amor de Deus/ Não vê que isso é pecado?/
Desprezar quem lhe quer bem", canta Montarroyos. Aqui, a temática religiosa
habita uma dimensão terrena e contemporânea. O intérprete roga a clemência
divina para retomar um amor perdido. Edu não economiza poesia e assume o
microfone para entoar uma composição com seu primeiro parceiro, Vinicius de
Moraes. Em "Silêncio", a voz grave de Edu soa como um contraponto aos demais
intérpretes. O timbre permanece o mesmo, aveludado e um pouco anasalado,
dizendo delicadezas do tipo "escuta o silêncio/ que fala de tudo". Numa cadência
agitada, Vanessa Moreno interpreta "Ave Rara", parceria com Aldir Blanc que
flerta com a escala da música árabe. A faixa se encerra com um "scat singing" de
tirar o fôlego.
Quando Edu Lobo fez 70 anos, dez anos atrás, realizou-se
no Theatro Municipal um espetáculo que buscava – como se fosse preciso –
ressaltar a excelência de sua obra. Lá, com orquestra de cordas e as
participações nobres de Maria Bethânia, Chico Buarque, Mônica Salmaso e de seu
filho Bernardo Lobo, de “Chegança” (1964) a então novíssima “Coração cigano”
(Edu Lobo/Paulo César Pinheiro) passou-se em revista no principal palco do país
e de forma cronológica os seus incontáveis clássicos fornecidos ao cancioneiro
brasileiro.
Já “Oitenta” – como escreveu Edu no encarte do disco, ver
seu nome ao lado do número 80 prescindiria de qualquer comentário, oitenta é
idade que prova que tudo foi e é possível, é idade de garoto (enquanto 70 é
idade séria, madura) – o novo álbum duplo e novamente comemorativo vai numa
ideia digamos oposta. Não, calma: não que não haja excelência pois isso seria
impossível em relação à música de Edu. Nem que não haja clássicos no repertório
– “Beatriz” (Edu Lobo/Chico Buarque), por exemplo, reaparece, magnífica,
interpretada pelo compositor e pela voz mais bonita da atualidade, Mônica
Salmaso, com o mesmo piano de Cristóvão Bastos que emoldurou a gravação original
pela voz mais bonita daquele momento, 1983, Milton Nascimento. Mas o que se
busca agora em “Oitenta” é ressaltar a ousadia e a abrangência estética dessa
obra, talvez a mais importante da música brasileira contemporânea. E se nos anos
70, o show virou disco, agora este álbum duplo será a base do show comemorativo
dos seus oitenta anos, em novembro no Rio e em São Paulo.
Para o álbum,
e para dar conta dessa abrangência estética, Edu escolheu a dedo outras 23
canções, além do clássico “Beatriz”, que talvez não tenham tocado tanto no
rádio, não tenham sido tão regravadas ou comentadas por aí, os tais lados B,
canções que muitas vezes ficaram esquecidas no meio dos discos – e que são
lindas, fortes, como os clássicos. Esse foi o critério.
E aí, a título
de bom exemplo, reaparece a balada “Branca Dias”, feita para uma peça de teatro,
a épica “Canudos” e a igualmente nordestina “Gingado dobrado” – todas em
parceria com o poeta Cacaso e lançadas no álbum “Camaleão” (1978) – que nunca
fizeram o sucesso de “Lero lero”, do mesmo disco e da mesma parceria, por isso
estão aqui. E que indicam um dos muitos caminhos estéticos da obra de Edu, uma
visão própria do vasto universo da música nordestina – não fosse ele, embora
carioca, filho de pernambucanos e que, em sua formação, viveu estadias de três
meses por ano no Recife. Não por acaso o tema “Casa forte”, mesmo sem letra abre
este disco remontando explicitamente essa vivência pernambucana.
No mesmo
sentido de buscar o lado B, da imensa parceria com Paulo César Pinheiro, Edu
escolheu sobretudo canções originalmente compostas para o público infantil:
“Primeira cantiga” e “Salabim”, feitas para a trilha-sonora do programa da TV
Cultura “Rá-tim-bum”, e “Terra do nunca”, para um musical de teatro sobre “Peter
Pan”. Alumbramento para quem não as conhece, viagem proustiana para quem as
conheceu na infância. Ao jogar luz sobre esse viés infantil de sua obra, que é
reforçada pela presença da comunicativa “Ciranda da bailarina” (de ”O grande
circo místico”), percebe-se o cuidado, o mesmo cuidado harmônico e melódico
devotado à sua produção normal. A ousadia não está apenas na escolha do
repertório. Para gravar “Oitenta”, Edu montou também a dedo um combo de quatro
vozes e oito instrumentistas para acompanhá-lo. De diferentes gerações,
dividem-se em solos, duetos e trios, com ou sem a participação do compositor, Zé
Renato, revelado por Edu justamente no álbum “Camaleão” como integrante do
conjunto vocal Boca Livre, que fazia sua estreia; Mônica Salmaso, considerada
por Edu a mais bela voz brasileira da atualidade e já sua parceira há 20 anos; e
as duas maiores revelações vocais da música brasileira contemporânea, a paulista
Vanessa Moreno, jazzística, inventiva, e musicalmente perfeita, e o pernambucano
Ayrton Montarroyos, um crooner como há muito não surgia, versátil e também
musicalmente impecável.
Os instrumentistas, todos eles solistas e os
principais de seus instrumentos na cena carioca, formam uma pequena orquestra de
formação inusitada, onde nada parece faltar: há desde o acordeão de Kiko Horta
(criador do Cordão do Boitatá) e o violão de oito cordas de Paulo Aragão (do
Quarteto Maogani) ao naipe de multi-sopros de Carlos Malta e Mauro Senise. Na
seção rítmica, o trio que acompanha Edu há décadas: Cristóvão Bastos (além de
pianista, arranjador e diretor musical), Jorge Helder (contrabaixo) e Jurim
Moreira (bateria), acrescido da percussão de Marcelo Costa (que dá um molho novo
ao som de Edu, como os também “novatos” Kiko Horta e Paulo Aragão).
Nota-se o espírito inventivo da banda em cada faixa, mas pegue ao acaso uma
faixa qualquer, um samba como “Ave rara”, representando a parceria de Edu com
Aldir Blanc, em versão quase samba jazz, o samba levado por Jurim no prato,
Vanessa Moreno cantando esticando as notas e brincando com o ritmo, o solo de
Senise no sax soprano. Outro samba que também passeia de forma quase subliminar
pelo jazz – aliás como a letra de Chico Buarque enfatiza – é “Nego maluco”,
cantado por Zé Renato e com surpreendentes desenhos de sopros, solos de sax
(Carlos Malta) e flauta (Senise), a banda toda tocando. . O repertório e
as invenções musicais são puro deleite para os conhecedores da obra de Edu – e
de surpresas, como se fossem canções novas para quem a conhece superficialmente.
De seus trabalhos mais populares, Edu pinça de fato os lados B. De “O Corsário
do Rei”, por exemplo, em vez do clássico “Choro bandido”, Edu recupera a sacra
“Salmo”, cantada pelo mesmo Zé Renato que a estreou em 1985, e um surpreendente
“Tango de Nancy”, teatral na nova versão com uma Vanessa Moreno dialogando com o
acordeão de Kiko Horta. Além de ele próprio revisitar um “Bancarrota blues” mais
blues do que nunca.
Do “Grande Circo Místico”, a belíssima canção “O
circo místico” traz um Ayrton Montarroyos tão impecável quanto a versão original
de Zizi Possi, de 40 anos atrás. O jovem e corajoso cantor também encara, do
mesmo balé, “Sobre todas as coisas”, aparentemente esgotada pela voz e o violão
de Gil, e a reinventa num arranjo novo e exuberante de Cristóvão Bastos.
O repertório segue pinçando composições dos trabalhos memoráveis de Edu com
Chico Buarque. Do balé “Dança da meia lua” vem “Na ilha de Lia, no barco de
Rosa”. Da peça “Cambaio”, recriações cheias de coragem e frescor: novamente o
bravo Ayrton Montarroyos sutil e delicado em “A moça do sonho” (consagrada por
Bethânia); Mônica e Vanessa juntas a Edu numa versão literalmente de sonhos da
“Cantiga de acordar”; e desta vez a corajosa é a Monica Salmaso a dar um toque
de embolada em “Veneta”, criada por ninguém menos que Gal Costa, aqui tendo a
sua nordestinidade realçada. Isso para não falar de “Uma canção inédita”,
recriada por Edu com um arranjo novo para violão escrito por Paulo Aragão – sem
dúvida a maior revelação do instrumento no Brasil nos últimos anos – e a
reforçar, já a partir da letra de Chico, como essas canções, todas já mais ou
menos conhecidas, soam neste álbum duplo: “para sempre inéditas”. Como a última
canção que fez sobre poema de Vinicius de Moraes, “Silêncio”, que faz par com a
primeira música que compôs com o poeta, “Só me fez bem”, um samba bossa nova de
quando tinha 20 e que continua novinha em folha, leve como a folha, como
inédita, quando cantada aos 80.
O primeiro CD tem seis músicas
compostas em parceria com Chico Buarque: “Bancarrota blues” . “A moça do sonho”
. “Cantiga de acordar”, “Nego maluco”, “Na ilha de Lia, no Barco de Rosa” e
“Beatriz” ; três músicas compostas em parceria com Cacaso, “Branca
Dias”,”Gingado dobrado” e “Canudos”; uma música composta em parceria com Paulo
César Pinheiro, “Dança do corrupião” e “Ave Rara, música composta em parceria
com Aldir Blanc. Tem ainda “Casa Forte”, composta e interpretada por Edu e
Ayrton Montarroyos.
O segundo CD tem outras oito músicas compostas em
parceria com Chico Buarque: “Só me fez bem”, “Salmo”, “Ciranda da bailarina”.
“Sobre todas as coisas”, “Veneta”,“Tango de Nancy”, “ O circo místico” e “Uma
canção inédita”; três músicas compostas em parceria com Paulo César Pinheiro:
“Primeira cantiga” ,”Salabim” e “Terra do Nunca”; e uma música composta em
parceria com Vinicius de Moraes , “Silêncio”.
Cândido Luiz de Lima Fernandes é economista e professor universitário em
Belo Horizonte; email:
candidofernandes@hotmail.com
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Direção e Editoria
Irene Serra |