01/10/2023
Ano 23

Semana 1.337







 
ARQUIVO
de
MÚSICA

 

 

 

 




Os 60 anos do Clube da Esquina



Na foto acima, de 1971, o Presidente Juscelino Kubistchek, em Diamantina, sua terra natal, ao lado de
Milton Nascimento, Fernando Brant, Lô Borges e Márcio Borges.

 


Cândido Luiz de Lima Fernandes



Muitas pessoas, quando vêm a Belo Horizonte, procuram visitar o Clube da Esquina como se fosse um clube de verdade, com sede social e tudo mais. E se decepcionam ao se depararem com apenas uma placa na esquina das ruas Paraisópolis e Divinópolis, no bairro de Santa Tereza, onde Lô Borges, Beto Guedes, Milton Nascimento e outros músicos se encontravam.

O Clube da Esquina surgiu da grande amizade entre Milton Nascimento e os irmãos Borges (Marilton, Márcio e Lô), no bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte, na década de 1960. O início dessa amizade se deu exatamente em 1963, depois que Milton chegou à capital para estudar e trabalhar. Milton acabara de chegar de Três Pontas, cidade onde morava a família e onde tocava na banda W's Boys com o pianista Wagner Tiso; com Marilton foi tocar na noite, no grupo Evolusamba. Compondo e tocando com os amigos, despontava o talento, pondo o pé na estrada e na fama ao vencer o Festival de Música Popular Brasileira e ao ter uma de suas composições, "Canção do sal", gravada pela então novata Elis Regina.

Assim, o Clube da Esquina é o nome de um movimento criado por Milton Nascimento, Toninho Horta, Wagner Tiso, Lô Borges, Beto Guedes e Márcio Borges, na década de 1960. O grupo se conheceu em Minas Gerais, em um momento em que todos se encontravam na cidade de Belo Horizonte. O início desse movimento começou mais precisamente em 1963, quando Milton Nascimento, o Bituca, se mudou para o Edifício Levy, no centro de BH, onde morava a família Borges. Na época, Milton tinha se mudado para Belo Horizonte para completar seus estudos. Ainda jovem, ele havia deixado Três Pontas, sua cidade natal, há pouco tempo. Foi em seu prédio, em busca de novas amizades, que ele se aproximou de Lô Borges e de toda a família. Segundo Lô, ao conhecer Milton a conexão entre eles ocorreu de forma instantânea, algo que ele descreve como mágico. Borges narra que o encontro ocorreu da seguinte maneira: ele desceu para comprar pão, mas não chegou à padaria. Isso porque ao chegar no quinto andar, o jovem foi atraído por música e, quando encontrou a origem do som, se deparou com Nascimento. Milton, em seguida, conheceu os outros irmãos Borges, com quem criou laços em pouco tempo. Eles conversavam sobre música e compartilhavam suas experiências como letristas e músicos. É preciso ressaltar que Nascimento já era amigo de Wagner Tiso, com quem havia tocado em uma banda. Para conversar sobre música e tocar juntos, o pequeno grupo se reunia na esquina das ruas Divinópolis e Paraisópolis. Por isso, se auto intitulam de Clube da Esquina. Além de Milton Nascimento, Beto Guedes, Wagner Tiso e os irmãos Borges, Fernando Brant, Nivaldo Ornelas, Toninho Horta e Paulo Braga também se reuniam para cantar no mesmo local.

A sonoridade do Clube da Esquina é intensamente caracterizada como inovadora. Como característica desta sonoridade inovadora, tem-se, por exemplo, uma espécie de fundição das inovações trazidas pela Bossa Nova com elementos do jazz, do rock – principalmente os Beatles –, música folclórica dos negros e mineira, música erudita e música hispânica. Nos anos 1970, esses artistas tornaram-se referência de qualidade na MPB pelo alto nível de performance e disseminaram suas inovações e influência a nível mundial. A inovação musical do Clube da Esquina e sua sonoridade específica faz com haja a proposta por parte de fãs, da crítica e também de estudiosos, que o Clube seja considerado mais do que um grupo, um movimento musical. As influências do Clube da Esquina são vastas. Pelo fato de ser formado por um grande número de pessoas com diferentes formações artísticas, a sonoridade do Clube sofreu influências intensas do jazz, do rock, da música erudita, da bossa nova e da música folclórica. Essas influências permeiam todo o campo musical do Clube: os aspectos composicionais das músicas, os arranjos, as letras, os processos de gravação em estúdio e seus shows.

Clube da Esquina também é o nome de um dos discos lançados por esse grupo, em 1972. Há ainda o disco Clube da Esquina nº 2 , de 1978. Tanto os discos quanto as músicas foram lançados pelo Clube. Os primeiros discos de Milton Nascimento, embora não sejam estritamente discos de bossa nova, apresentavam uma sonoridade muito próxima desse estilo: o arranjo orquestrado e o formato de canção "voz e violão" são exemplos dessa influência. Na medida em que Milton foi agregando cada vez mais pessoas na produção de seus discos, a sonoridade destes vai se diferenciado da estética original dos primeiros discos de Milton Nascimento. O disco Clube da Esquina (1972) é tido muitas vezes como o marco inicial do Clube e nele percebe-se de modo mais claro essa mudança de sonoridade. Os arranjos de Wagner Tiso, por exemplo, expandem o horizonte das músicas para uma sonoridade próxima da música erudita e música de concerto, ao passo que músicos como Nivaldo Ornelas e Toninho Horta reforçam intensas influências jazzísticas como suas proposições harmônicas e performances de improviso. Já músicos como Beto Guedes e Lô Borges expressam de modo mais claro uma forte influência pelos Beatles e pelo rock.

Por mais que Milton Nascimento tenha se aproximado de todos os membros do Clube da Esquina, principalmente dos irmãos Borges, seu grande companheiro de música foi Lô Borges. A amizade e parceria musical dos dois foi se fortalecendo a cada encontro dos músicos, que sempre que podiam tocavam algo e tentavam compor juntos.

Acontece, no entanto, que por mais que o Clube da Esquina tenha surgido na década de 60, foi apenas na década de 70 que Milton e Lô realmente colaboraram juntos. Em recente entrevista, Milton Nascimento descreve sua primeira parceria com Borges como inusitada, mas assim como Lô, o cantor afirma que tudo ocorreu de forma mágica. Milton Nascimento disse: “Uma das lembranças mais fortes que eu tenho desse tempo foi quando eu percebi que o Lô tinha crescido, a gente chegou num bar lá em BH e em vez de refrigerante ele pediu uma batida de limão. Saímos dali e fizemos nossa primeira parceria, Clube da Esquina 1”. Ainda na mesma entrevista, ele afirma que compuseram a música em pouco tempo, com uma sintonia perfeita. Quando terminaram, se depararam com duas pessoas paradas na sala, Márcio Borges, um dos irmãos mais velhos de Lô e que, após ouvir a música que ambos criaram, já escrevia uma letra para ela. E Maria Borges, mãe dos irmãos Borges, e que naquele momento de debulhava em lágrimas.

Após a primeira canção em parceria com Lô Borges, Milton Nascimento já estava determinado a gravá-la. Na verdade, os planos do cantor iam muito além, ele desejava gravar um álbum com as músicas que já tinha feito em parceria com o Clube da Esquina. E, em 1972, após se tornar um dos maiores nomes da música brasileira, ele propôs à gravadora EMI-Odeon a produção de um álbum duplo, em que reuniria os músicos mineiros. Na época, todos os membros do Clube da Esquina já se destacavam no cenário artístico do País. Milton então convidou Lô Borges e Beto Guedes para se reunirem no Rio de Janeiro com o intuito de compor as músicas do álbum. Os três alugaram uma casa em Piratininga, na região de Niterói, e lá, na praia de mar azul, compuseram os maiores sucessos do Clube da Esquina. Em seguida, as canções foram para estúdio e o grupo gravou a maioria. Na época, Borges e Guedes tocavam em uma banda cover dos Beatles e, devido à influência dos músicos de Liverpool, adicionaram elementos do rock em suas músicas. Já Milton contribuiu com uma mistura de jazz e bossa nova, algo que já vinha de suas canções anteriores. As músicas do álbum conquistaram os ouvintes, além de terem surpreendido músicos da época. Muitos compararam o trabalho do grupo com Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, músicos muito famosos na época, mas que não produziam um som nada similar ao de Nascimento, Borges e Guedes.

A maioria dos membros do Clube da Esquina se tornaram músicos de destaque no País, sendo o maior nome de todos, o de Milton Nascimento. O cantor gravou 34 álbuns em sua carreira e, atualmente, está entre os maiores nomes da música brasileira.

Lô Borges, por sua vez, ficou muito famoso por sua participação no álbum Clube da Esquina. Principalmente pelas músicas “Paisagem da Janela”, “Clube da Esquina nº 2” e “O Trem Azul”. O músico, contudo, coleciona outros sucessos em sua carreira como compositor.

Além de Lô Borges, outro irmão Borges ficou bem famoso. Marcio Borges é conhecido pela composição de “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”, ”Tudo o que você queria ser” e muitos outros sucessos, e ainda se destacou como escritor, com o livro “Clube da Esquina – 40 anos” e “Os Sonhos Não Envelhecem”.

Beto Guedes é filho de Godofredo Guedes, compositor e músico, que nos discos solo de Beto é homenageado sempre com a regravação de uma de suas composições, como é o caso da linda “Cantar”. Beto, desde a adolescência tocava em bandas e aos 18 anos participou do V Festival Internacional da Canção, com "Feira Moderna", sua parceria com Lô Borges e Fernando Brant. Tendo a música mineira como uma de suas principais influências (ao lado do rock dos anos 1960 e dos choros que o pai seresteiro compunha), participou ativamente do Clube da Esquina. Entre seus principais sucessos se destacam “Um Girassol da Cor de seu Cabelo”, “Clube da Esquina 1”, “Maria Solidária”, “Amor de Índio”, “Sol de Primavera”, “Paisagem da Janela”, “O Sal da Terra”, “San Vicente” e “Canção do Novo Mundo”.

Um importante parceiro de Milton Nascimento é o compositor carioca Ronaldo Bastos, com quem Milton compôs lindas canções como “Cais” e “Nada será como antes”. Outro nome muito conhecido do Clube da Esquina é o de Fernando Brant, que compôs sucessos como “Maria, Maria”, uma das maiores músicas da carreira de Milton Nascimento, além de “Travessia”, “Canção da América”, “Encontros e Despedidas”, “Canções e Momentos”, “San Vicente”, “Raça”, “Credo”, “Outubro”, “Saudades dos Aviões da Panair” e muitos outros. O músico faleceu em 2015, após complicações de uma cirurgia. Além de Brant, o contrabaixista Paulinho Carvalho e Tavito Carvalho (autor de “Rua Ramalhete” e “Casa no Campo”) também faleceram. Wagner Tiso é outro nome de destaque no Clube da Esquina. Além de ter participado do clube original, ajudou na produção do primeiro álbum e fez parte da banda Som Imaginário. Além disso, é preciso citar Paulinho Braga, considerado, atualmente, um dos maiores bateristas brasileiros. Ele fez diversas parcerias com Milton Nascimento e Wagner Tiso. E para fechar com chave de ouro, Nivaldo Ornelas. O músico fundou o Clube Berimbau, local em que os músicos do Clube da Esquina se reuniam durante os anos 60.

Agora que você já conhece a história do Clube da Esquina e a importância deles para a música brasileira, fica uma dica: vá conhecer o Bar Museu Clube da Esquina, que fica na rua Paraisópolis, no bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte, a poucos metros da famosa esquina, onde você pode assistir a shows de cantores como Rodrigo Borges e Bárbara Barcelos interpretando as canções que imortalizaram o Clube da Esquina.
 

Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email:
candidofernandes@hotmail.com



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Direção e Editoria
Irene Serra