Os 60 anos do Clube da Esquina

Na foto acima, de 1971, o
Presidente Juscelino Kubistchek, em Diamantina, sua terra natal, ao lado de
Milton Nascimento, Fernando Brant, Lô Borges e Márcio Borges.
Cândido Luiz de Lima Fernandes
Muitas pessoas, quando vêm a Belo Horizonte, procuram visitar o
Clube da Esquina como se fosse um clube de verdade, com sede social e tudo mais.
E se decepcionam ao se depararem com apenas uma placa na esquina das ruas
Paraisópolis e Divinópolis, no bairro de Santa Tereza, onde Lô Borges, Beto
Guedes, Milton Nascimento e outros músicos se encontravam.
O Clube da
Esquina surgiu da grande amizade entre Milton Nascimento e os irmãos Borges
(Marilton, Márcio e Lô), no bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte, na década
de 1960. O início dessa amizade se deu exatamente em 1963, depois que Milton
chegou à capital para estudar e trabalhar. Milton acabara de chegar de Três
Pontas, cidade onde morava a família e onde tocava na banda W's Boys com o
pianista Wagner Tiso; com Marilton foi tocar na noite, no grupo Evolusamba.
Compondo e tocando com os amigos, despontava o talento, pondo o pé na estrada e
na fama ao vencer o Festival de Música Popular Brasileira e ao ter uma de suas
composições, "Canção do sal", gravada pela então novata Elis Regina.
Assim, o Clube da Esquina é o nome de um movimento criado por Milton Nascimento,
Toninho Horta, Wagner Tiso, Lô Borges, Beto Guedes e Márcio Borges, na década de
1960. O grupo se conheceu em Minas Gerais, em um momento em que todos se
encontravam na cidade de Belo Horizonte. O início desse movimento começou mais
precisamente em 1963, quando Milton Nascimento, o Bituca, se mudou para o
Edifício Levy, no centro de BH, onde morava a família Borges. Na época, Milton
tinha se mudado para Belo Horizonte para completar seus estudos. Ainda jovem,
ele havia deixado Três Pontas, sua cidade natal, há pouco tempo. Foi em seu
prédio, em busca de novas amizades, que ele se aproximou de Lô Borges e de toda
a família. Segundo Lô, ao conhecer Milton a conexão entre eles ocorreu de forma
instantânea, algo que ele descreve como mágico. Borges narra que o encontro
ocorreu da seguinte maneira: ele desceu para comprar pão, mas não chegou à
padaria. Isso porque ao chegar no quinto andar, o jovem foi atraído por música
e, quando encontrou a origem do som, se deparou com Nascimento. Milton, em
seguida, conheceu os outros irmãos Borges, com quem criou laços em pouco tempo.
Eles conversavam sobre música e compartilhavam suas experiências como letristas
e músicos. É preciso ressaltar que Nascimento já era amigo de Wagner Tiso, com
quem havia tocado em uma banda. Para conversar sobre música e tocar juntos, o
pequeno grupo se reunia na esquina das ruas Divinópolis e Paraisópolis. Por
isso, se auto intitulam de Clube da Esquina. Além de Milton Nascimento, Beto
Guedes, Wagner Tiso e os irmãos Borges, Fernando Brant, Nivaldo Ornelas, Toninho
Horta e Paulo Braga também se reuniam para cantar no mesmo local.
A
sonoridade do Clube da Esquina é intensamente caracterizada como inovadora. Como
característica desta sonoridade inovadora, tem-se, por exemplo, uma espécie de
fundição das inovações trazidas pela Bossa Nova com elementos do jazz, do rock –
principalmente os Beatles –, música folclórica dos negros e mineira, música
erudita e música hispânica. Nos anos 1970, esses artistas tornaram-se referência
de qualidade na MPB pelo alto nível de performance e disseminaram suas inovações
e influência a nível mundial. A inovação musical do Clube da Esquina e sua
sonoridade específica faz com haja a proposta por parte de fãs, da crítica e
também de estudiosos, que o Clube seja considerado mais do que um grupo, um
movimento musical. As influências do Clube da Esquina são vastas. Pelo fato de
ser formado por um grande número de pessoas com diferentes formações artísticas,
a sonoridade do Clube sofreu influências intensas do jazz, do rock, da música
erudita, da bossa nova e da música folclórica. Essas influências permeiam todo o
campo musical do Clube: os aspectos composicionais das músicas, os arranjos, as
letras, os processos de gravação em estúdio e seus shows.
Clube da Esquina
também é o nome de um dos discos lançados por esse grupo, em 1972. Há ainda o
disco Clube da Esquina nº 2 , de 1978. Tanto os discos quanto as músicas foram
lançados pelo Clube. Os primeiros discos de Milton Nascimento, embora não sejam
estritamente discos de bossa nova, apresentavam uma sonoridade muito próxima
desse estilo: o arranjo orquestrado e o formato de canção "voz e violão" são
exemplos dessa influência. Na medida em que Milton foi agregando cada vez mais
pessoas na produção de seus discos, a sonoridade destes vai se diferenciado da
estética original dos primeiros discos de Milton Nascimento. O disco Clube da
Esquina (1972) é tido muitas vezes como o marco inicial do Clube e nele
percebe-se de modo mais claro essa mudança de sonoridade. Os arranjos de Wagner
Tiso, por exemplo, expandem o horizonte das músicas para uma sonoridade próxima
da música erudita e música de concerto, ao passo que músicos como Nivaldo
Ornelas e Toninho Horta reforçam intensas influências jazzísticas como suas
proposições harmônicas e performances de improviso. Já músicos como Beto Guedes
e Lô Borges expressam de modo mais claro uma forte influência pelos Beatles e
pelo rock.
Por mais que Milton Nascimento tenha se aproximado de todos os
membros do Clube da Esquina, principalmente dos irmãos Borges, seu grande
companheiro de música foi Lô Borges. A amizade e parceria musical dos dois foi
se fortalecendo a cada encontro dos músicos, que sempre que podiam tocavam algo
e tentavam compor juntos.
Acontece, no entanto, que por mais que o Clube
da Esquina tenha surgido na década de 60, foi apenas na década de 70 que Milton
e Lô realmente colaboraram juntos. Em recente entrevista, Milton Nascimento
descreve sua primeira parceria com Borges como inusitada, mas assim como Lô, o
cantor afirma que tudo ocorreu de forma mágica. Milton Nascimento disse: “Uma
das lembranças mais fortes que eu tenho desse tempo foi quando eu percebi que o
Lô tinha crescido, a gente chegou num bar lá em BH e em vez de refrigerante ele
pediu uma batida de limão. Saímos dali e fizemos nossa primeira parceria, Clube
da Esquina 1”. Ainda na mesma entrevista, ele afirma que compuseram a música em
pouco tempo, com uma sintonia perfeita. Quando terminaram, se depararam com duas
pessoas paradas na sala, Márcio Borges, um dos irmãos mais velhos de Lô e que,
após ouvir a música que ambos criaram, já escrevia uma letra para ela. E Maria
Borges, mãe dos irmãos Borges, e que naquele momento de debulhava em lágrimas.
Após a primeira canção em parceria com Lô Borges, Milton Nascimento já estava
determinado a gravá-la. Na verdade, os planos do cantor iam muito além, ele
desejava gravar um álbum com as músicas que já tinha feito em parceria com o
Clube da Esquina. E, em 1972, após se tornar um dos maiores nomes da música
brasileira, ele propôs à gravadora EMI-Odeon a produção de um álbum duplo, em
que reuniria os músicos mineiros. Na época, todos os membros do Clube da Esquina
já se destacavam no cenário artístico do País. Milton então convidou Lô Borges e
Beto Guedes para se reunirem no Rio de Janeiro com o intuito de compor as
músicas do álbum. Os três alugaram uma casa em Piratininga, na região de
Niterói, e lá, na praia de mar azul, compuseram os maiores sucessos do Clube da
Esquina. Em seguida, as canções foram para estúdio e o grupo gravou a maioria.
Na época, Borges e Guedes tocavam em uma banda cover dos Beatles e, devido à
influência dos músicos de Liverpool, adicionaram elementos do rock em suas
músicas. Já Milton contribuiu com uma mistura de jazz e bossa nova, algo que já
vinha de suas canções anteriores. As músicas do álbum conquistaram os ouvintes,
além de terem surpreendido músicos da época. Muitos compararam o trabalho do
grupo com Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, músicos muito famosos na
época, mas que não produziam um som nada similar ao de Nascimento, Borges e
Guedes.
A maioria dos membros do Clube da Esquina se tornaram músicos de
destaque no País, sendo o maior nome de todos, o de Milton Nascimento. O cantor
gravou 34 álbuns em sua carreira e, atualmente, está entre os maiores nomes da
música brasileira. Lô Borges, por sua vez, ficou muito famoso por sua
participação no álbum Clube da Esquina. Principalmente pelas músicas “Paisagem
da Janela”, “Clube da Esquina nº 2” e “O Trem Azul”. O músico, contudo,
coleciona outros sucessos em sua carreira como compositor. Além de Lô
Borges, outro irmão Borges ficou bem famoso. Marcio Borges é conhecido pela
composição de “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”, ”Tudo o que você queria ser” e
muitos outros sucessos, e ainda se destacou como escritor, com o livro “Clube da
Esquina – 40 anos” e “Os Sonhos Não Envelhecem”. Beto Guedes é filho de
Godofredo Guedes, compositor e músico, que nos discos solo de Beto é homenageado
sempre com a regravação de uma de suas composições, como é o caso da linda
“Cantar”. Beto, desde a adolescência tocava em bandas e aos 18 anos participou
do V Festival Internacional da Canção, com "Feira Moderna", sua parceria com Lô
Borges e Fernando Brant. Tendo a música mineira como uma de suas principais
influências (ao lado do rock dos anos 1960 e dos choros que o pai seresteiro
compunha), participou ativamente do Clube da Esquina. Entre seus principais
sucessos se destacam “Um Girassol da Cor de seu Cabelo”, “Clube da Esquina 1”,
“Maria Solidária”, “Amor de Índio”, “Sol de Primavera”, “Paisagem da Janela”, “O
Sal da Terra”, “San Vicente” e “Canção do Novo Mundo”. Um importante
parceiro de Milton Nascimento é o compositor carioca Ronaldo Bastos, com quem
Milton compôs lindas canções como “Cais” e “Nada será como antes”. Outro nome
muito conhecido do Clube da Esquina é o de Fernando Brant, que compôs sucessos
como “Maria, Maria”, uma das maiores músicas da carreira de Milton Nascimento,
além de “Travessia”, “Canção da América”, “Encontros e Despedidas”, “Canções e
Momentos”, “San Vicente”, “Raça”, “Credo”, “Outubro”, “Saudades dos Aviões da
Panair” e muitos outros. O músico faleceu em 2015, após complicações de uma
cirurgia. Além de Brant, o contrabaixista Paulinho Carvalho e Tavito Carvalho
(autor de “Rua Ramalhete” e “Casa no Campo”) também faleceram. Wagner Tiso é
outro nome de destaque no Clube da Esquina. Além de ter participado do clube
original, ajudou na produção do primeiro álbum e fez parte da banda Som
Imaginário. Além disso, é preciso citar Paulinho Braga, considerado, atualmente,
um dos maiores bateristas brasileiros. Ele fez diversas parcerias com Milton
Nascimento e Wagner Tiso. E para fechar com chave de ouro, Nivaldo Ornelas. O
músico fundou o Clube Berimbau, local em que os músicos do Clube da Esquina se
reuniam durante os anos 60. Agora que você já conhece a história do Clube da
Esquina e a importância deles para a música brasileira, fica uma dica: vá
conhecer o Bar Museu Clube da Esquina, que fica na rua Paraisópolis, no bairro
de Santa Tereza, em Belo Horizonte, a poucos metros da famosa esquina, onde você
pode assistir a shows de cantores como Rodrigo Borges e Bárbara Barcelos
interpretando as canções que imortalizaram o Clube da Esquina.
Cândido Luiz de Lima Fernandes é economista e professor universitário em
Belo Horizonte; email:
candidofernandes@hotmail.com
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Direção e Editoria
Irene Serra |