Geraldo Vandré, 88
anos de um enigma

Cândido Luiz de Lima Fernandes
Um grande artista brasileiro que muito admiro, Geraldo Vandré, está fazendo
88 anos neste mês de setembro.
Geraldo Vandré, nome artístico de Geraldo
Pedrosa de Araújo Dias (nascido em João Pessoa, na Paraíba no dia 12 de setembro
de 1935), é compositor, advogado e poeta brasileiro. Seu sobrenome artístico é
uma abreviação do sobrenome de seu pai, o médico José Vandregíselo.
Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1951,
tendo ingressado em 1957 na Universidade do Distrito Federal, pela qual se
formou em 1961, quando esta passou a se chamar Universidade do Estado da
Guanabara (hoje Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Tornou-se funcionário
da COFAP (sucedida em 1962 pela SUNAB). Militante estudantil, participou do
Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Iniciou a
carreira musical nos anos 60, tornando-se famoso pelas suas músicas que se
tornaram ícones da oposição ao regime militar de 1964, como Porta Estandarte,
Arueira, Pra não dizer que não falei das flores, entre outras.
Conheceu Carlos
Lyra, que se tornou seu parceiro em canções como Quem Quiser Encontrar Amor e
Aruanda, gravadas por Lyra e por Vandré. Lançou seu primeiro LP, "Geraldo
Vandré", em 1964, com as músicas Fica Mal com Deus e Menino das Laranjas, entre
outras.
Em 1966, chegou à final do Festival de Música Popular Brasileira da
TV Record com o sucesso da música Disparada (parceria com Théo de Barros),
interpretada por Jair Rodrigues. A canção arrebatou o primeiro lugar ao lado de
A Banda, de Chico Buarque. No livro "A era dos Festivais - Uma Parábola", de
2003, Zuza Homem de Mello revela que Chico Buarque, ao saber que sua música
havia ganhado, não concordou com o resultado, pois considerava Disparada melhor
e disse que não aceitaria o prêmio. A situação foi resolvida quando Chico foi
informado que ele e Geraldo Vandré dividiriam o prêmio de primeiro lugar.
Em
1968, participou do III Festival Internacional da Canção da TV Globo com Pra não
Dizer que não Falei das Flores, também conhecida como Caminhando.
Esta canção
se tornou um hino de resistência do movimento estudantil que fazia oposição à
ditadura durante o governo militar, e foi censurada. O refrão "Vem, vamos embora
/ Que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora, / Não espera acontecer" foi
erroneamente interpretado pelos militares como uma chamada à luta armada contra
os ditadores, o que levou a sua perseguição política. No festival, a música
ficou em segundo lugar, perdendo para Sabiá, de Chico Buarque e Tom Jobim. A
música Sabiá foi vaiada pelo público presente no festival, que bradava exigindo
que o prêmio viesse a ser da música de Geraldo Vandré.
Com a canção Pra não
dizer que não falei das flores criou-se uma nova situação envolvendo ele e Chico
Buarque. Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque, foi declarada vencedora, mas o
público se revoltou, pois queriam Pra não dizer que não falei de flores, que
acabou ficando em segundo lugar. Enquanto Cynara e Cybele ao lado de Tom Jobim e
Chico Buarque apresentavam a música campeã, vaias se ouviam durante a
apresentação. Este se tornou o momento mais emblemático da história dos
festivais.
Em 13 de dezembro de 1968, data de promulgação do AI-5 (Ato
Institucional número 5), realizou seu último show em um palco do Brasil, em
Anápolis. Vandré partiu para o exílio, passando por Chile, Uruguai e países da
Europa. Voltou ao Brasil em 1973. Em 12 de setembro de 2010 (dia de seu
aniversário de 75 anos), Vandré concedeu no Clube da Aeronáutica no Rio de
Janeiro uma polêmica entrevista ao jornalista Geneton Moraes Neto, na qual
critica o cenário cultural brasileiro desde os anos 70 e afirma que seu
afastamento da música popular não foi causado por perseguição, mas sim pela
falta de motivação para compor ao público brasileiro, vítima do processo de
massificação cultural e histórica. Negou ter sido torturado e rejeitou os
rótulos de antimilitarista e de autor de música de protesto. Hoje, ausente
da atividade musical comercial e tendo uma vida simples de funcionário público
aposentado, Geraldo Vandré residiu no Rio de Janeiro após sua volta do exílio e
mudou para São Paulo, após o falecimento da esposa em 2021. "Estou fora de
atividade e não tenho o que reportar. Não estou fazendo nada", afirmou para a
Folha de S. Paulo, em 2023. Vandré abandonou a vida pública e se afastou do
mundo artístico, atuando como advogado e servidor público. Depois de 14 anos de
silêncio, em 1982, na cidade de Presidente Stroessner, Paraguai, apresentou-se
em um show. Em março de 1995, apresentou-se no Memorial da América Latina, em
São Paulo, no concerto realizado pelo IV Comando Aéreo Regional (IV COMAR), em
comemoração à Semana da Asa. Na ocasião, um coral de cadetes lançou sua música
Fabiana, uma homenagem à FAB (Força Aérea Brasileira).
Em 1997, o Quinteto
Violado lançou o CD Quinteto Violado canta Vandré, incluindo antigos sucessos e
apenas uma música inédita: República brasileira. No mesmo ano, Elba Ramalho,
Geraldo Azevedo e Zé Ramalho regravaram Disparada e Canção da despedida no CD
Grande encontro 2.
Em 2009, alunos de jornalismo da PUC-SP produziram o
documentário "O que sou nunca escondi" sem fins lucrativos com depoimentos sobre
Vandré.
Em 23 de março de 2014, Geraldo Vandré voltou a subir ao palco depois
de 40 anos, com a cantora norte-americana Joan Baez, que em 1981 foi proibida de
cantar no Brasil pela ditadura militar. Baez insistiu para que Vandré cantasse,
mas este não cedeu: “Eu vou convidar para subir ao palco um mito. Ele não gosta
disso, prefere ser somente um homem. Ele virá aqui, mas não vai cantar, vai
ficar do meu lado”, disse Joan Baez. Em 2015, em homenagem aos 80 anos do
compositor, foram lançadas as biografias "Geraldo Vandré - Uma canção
interrompida" (do jornalista Vitor Nuzzi) e "Vandré: o homem que disse não" (do
jornalista Jorge Fernando dos Santos). No mesmo ano, Vandré foi homenageado no
Festival Aruanda, em João Pessoa, por seu trabalho na trilha sonora do filme A
Hora e a Vez de Augusto Matraga (1965), baseado na obra de Guimarães Rosa. Esta
foi a primeira vez, após 20 anos, que ele retornou à terra natal. Em 22 e 23
de março de 2018, Vandré se apresentou em João Pessoa, depois de 50 anos de
silêncio. Acompanhado da Orquestra Sinfônica da Paraíba (OSPB), cantou Pra não
dizer que não falei de flores e fez homenagens às Forças Armadas. No mês
seguinte, publicou o livro de poemas Poética, produzido durante seu exílio no
Chile, em 1973. A obra, originalmente intitulada Cantos Intermediários de
Benvirá, foi lançada na Academia Paraibana de Letras.
Vandré é autor de
várias músicas belíssimas, como Canção do breve amor (com Alaíde Costa),
Porta
Estandarte (que cantava com Tuca), Fica mal com Deus, Pequeno Concerto que virou
canção e Disparada (em co-autoria com Théo de Barros), embora tenha ficado mais
conhecido com Pra não dizer que não falei das flores (Caminhando), sempre
cantada nos protestos contra a ditadura militar.
É também um dos grandes
enigmas da nossa música e da política. Depois de decretado o AI-5, em dezembro
de 1968, passou a ser caçado pela polícia, como vários artistas. Antes de partir
para o exílio, fez uma outra bela canção em parceria com o pernambucano Geraldo
Azevedo, Canção da despedida, censurada e só gravada alguns anos depois, cujos
versos dizem:
“Já vou embora Mas sei que vou voltar Amor, não chora
Se eu volto é pra ficar.”
Como previa a letra da canção, Vandré voltou
para ficar, mas desde então é um outro Vandré. Recluso, evita entrevistas ou
falar de tempos passados. Parece uma outra pessoa, até no olhar distante.
Vandré retornou ao Brasil em 1973, no auge da repressão política, das prisões,
torturas, dos “desaparecimentos” de opositores, quando o ditador era Emílio
Garrastazu Médici.
Essa volta até hoje é um mistério. Dizem que envolveu
negociações de sua família e dele próprio com a ditadura militar brasileira. O
compositor nunca confirmou isso, nem disse ter sido torturado.
Mas como
alguém poderia mudar assim, definitivamente, mesmo depois do fim da ditadura?
Vandré tornou-se admirador da Aeronáutica a tal ponto que quando vem ao Rio
hospeda-se em um alojamento para militares da Força Aérea, em uma base militar
junto ao Aeroporto Santos Dumont.
É difícil entender tamanha mudança, mas
nunca julguei Geraldo Vandré por isso. Ao contrário, sempre o admirei. Adoro as
canções que ele fez até 1968, canções que fizeram parte da minha adolescência e
juventude, que sinto prazer em ouvir até hoje.
Neste 12 de setembro desejo
paz, saúde, muita felicidade a esse grande artista brasileiro pelos seus 88
anos.
Cândido Luiz de Lima Fernandes é economista e professor universitário em
Belo Horizonte; email:
candidofernandes@hotmail.com
___________________
Direção e Editoria
Irene Serra |