01/07/2023
Ano 25

Semana 1.324







 
ARQUIVO
de
MÚSICA

 

 

 

 




Rita Lee Jones (1947-2023)



Cândido Luiz de Lima Fernandes


Morreu no dia 8 de maio de 2023, aos 75 anos, Rita Lee, uma das artistas mais versáteis do rock brasileiro. Rita foi diagnosticada com câncer no pulmão em 2021 e estava em tratamento desde então. No momento de sua morte estavam ao seu lado seu companheiro de vida e carreira, o músico Roberto de Carvalho, seus filhos Roberto, João e Antônio, que também seguiram a carreira dos pais na música e os netos Izabella, de 16 anos, filha de Beto Lee, e Arthur, 4, herdeiro de Antônio.

A cantora e compositora, nas palavras de Caetano Veloso em “Sampa”, podia ser considerada a mais completa tradução de sua cidade natal. Defensora dos direitos das mulheres, foi uma das primeiras a tocar guitarra em um palco. Dona de cabelos lisos, com franja e pintados de vermelho, a artista participou do grupo Os Mutantes, nos anos 1960 e 1970, tornando-se famosa nacionalmente. Foi, sem dúvida, uma das musicistas mais influentes do Brasil. Autêntica e corajosa, participou de importantes revoluções no mundo da música e da sociedade. Suas canções, em geral regadas com uma ironia ácida ou com uma reivindicação da independência feminina, tornaram-se onipresentes nas paradas de sucesso. A irreverência, sua característica mais marcante, a fez rejeitar o título de Rainha do Rock brasileiro. Em entrevista à revista Rolling Stone Brasil, Rita confessou que considerava o apelido cafona. Disse preferir ser conhecida como Padroeira da Liberdade. Construiu uma carreira que começou com o rock, mas que, ao longo dos anos, flertou com diversos gêneros, como a psicodelia, durante a era do tropicalismo, o pop rock, new wave, o pop, bossa nova e eletrônica, criando um hibridismo pioneiro entre gêneros internacionais e nacionais.

Rita Lee nasceu em São Paulo, em 31 de dezembro de 1947, na Vila Mariana, filha de Charles Jones, um dentista filho de imigrantes estadunidenses e da italiana Romilda Padula, pianista que abdicou de tudo para se dedicar à família. De pai ateu (mas ufologista, atividade herdade por Rita) e mãe “mais católica que o Papa”, Rita sempre foi “problema” na família (seu pai chegou a lhe dizer que ela era a ovelha negra da família). Tocava o terror no Liceu Pasteur, onde chegou a pôr fogo no teatro da escola — décadas depois, tentou visitar o Liceu, mas era persona non grata. Cantava profissionalmente desde os dezesseis anos, quando integrou as Teenage Singers, banda de colegas de escola. Além de Os Mutantes, também integrou a banda Tutti Frutti, no final dos anos 70,

Na sua infância e adolescência, a família da artista era de classe média. Ela morou no bairro paulistano Vila Mariana, onde afirmou já ter vivido grandes momentos. A artista estudou em um dos tradicionais colégios paulistas, o Liceu Pasteur. Quando era criança, Rita Lee teve aulas de piano, mas foi na adolescência que realmente passou a ter interesse na música. Também nessa época começou a compor suas primeiras canções. Assim como vários jovens da década de 1960, Rita Lee gostava de bandas de rock internacionais como The Beatles e Rolling Stones. Também admirava cantores brasileiros como Cauby Peixoto e João Gilberto, um dos criadores do estilo musical bossa nova.

A cantora chegou a ingressar no curso de Comunicação Social, na Universidade de São Paulo (USP), mas abandonou a instituição para se dedicar à música.

O primeiro marido de Rita Lee foi Arnaldo Baptista, seu parceiro musical no grupo Os Mutantes. Eles se casaram em 1971 e se separam alguns anos depois. Em 1976, Rita Lee passou a morar com o guitarrista e futuro parceiro musical Roberto de Carvalho. Eles somente se casaram no civil em 1996 e seguiram juntos até a morte dela, em maio de 2023.
A cantora participou do grupo musical de rock psicodélico Os Mutantes entre os anos de 1966 e 1972. A banda iniciou suas atividades encaixando-se no movimento Tropicália, que tinha como líderes Caetano Veloso e Gilberto Gil.

Os Mutantes sofreram influência de grupos como The Beatles e do cantor e guitarrista Jimi Hendrix. Cantavam músicas em inglês, mas também o grupo gostava de cantar em português e valorizar a cultura brasileira. Por isso, Os Mutantes são considerados uma banda pioneira no hibridismo musical. O grupo participou de vários programas de televisão nos anos 1960. Lançou o primeiro disco homônimo em 1968. Uma das principais músicas da banda chama-se “Panis et Circenses”. Com “Panis et Circenses”, hoje um clássico de Gil, que “descobriu” o grupo, e de Caetano Veloso, a franzina sardenta Rita aparecia ao lado de Arnaldo Baptista e Sérgio Dias como um trio psicodélico na televisão brasileira, aquele incômodo na sala de jantar. A música foi lançada em plena ditadura militar no Brasil, em 1968, em forte crítica à estrutura social da época — e atualíssima.

Em 1970, Os Mutantes lançaram o disco “A divina comédia”, com destaque para a música “Ando meio desligado”, considerado definitivamente um álbum de rock progressivo. O último disco de Rita Lee no grupo foi “Mutantes e Seus Cometas no País dos Baurets”, de 1972. Pesquisas apontam que Rita Lee, na verdade, foi convidada a sair da banda por causa de desentendimentos musicais. Conforme Arnaldo Baptista afirmou: “Mandei Rita embora d’Os Mutantes”.

Depois que saiu d’Os Mutantes, Rita Lee formou, em 1973, outra banda com amigos, chamada Tutti Frutti. Nesse grupo, a artista cantava e tocava violão, piano, gaita e sintetizador. Foi na década de 1970 que Rita lançou diversos dos seus sucessos musicais, consolidando-se como a rainha do rock brasileiro. Entre seus maiores sucessos, vale destacar as músicas "Lança perfume”, “Ovelha negra”, “Banho de espuma”, “Doce vampiro”, “Baila comigo”, “Desculpe o auê”, “Erva venenosa”, “Amor e sexo”, “Agora só falta você”, “Esse tal de roque enrow”, “Jardins da Babilônia”, “Mania de você”, “Saúde” e “Chega mais”.

Rita mudou tudo. Abriu possibilidades, deixou as coisas mais alegres e leves, desacatou, debochou de toda autoridade estabelecida. De fato, incomodou o sistema. Tanto que foi presa não só uma, como duas vezes. Na ironia, no início e no “final” da carreira. Da primeira vez, foi presa pela ditadura militar, mas morreu afirmando que a maconha que disseram ter encontrado com ela teria sido “plantada”, pois estava grávida de Beto Lee, primeiro filho com Roberto de Carvalho. e sem fumar. Sempre narrou com orgulho que quem foi checar como ela estava, e a salvou, foi Elis Regina, um desafeto musical até então. Elis foi visitá-la e tornou o caso público. Depois de cumprir pena em casa e já mãe, começou a receber convites de Elis para se apresentarem juntas, uma forcinha para retomar a carreira. No YouTube é possível acessar a icônica apresentação das duas cantando “Doce de pimenta”. A cantora Maria Rita, filha de Elis Regina, leva o primeiro nome da amiga da mãe. Não é qualquer Rita, é da Lee Jones.

Em 2008 seu disco “Reza” alcançou a marca de 55 milhões de discos vendidos, sendo a quarta artista mais bem-sucedida neste sentido no Brasil. A revista Rolling Stone promoveu a lista dos cem maiores artistas da música brasileira, onde Rita ocupava o décimo quinto lugar de discos vendidos, sendo a quarta artista mais bem-sucedida neste sentido no Brasil.

Se desde os anos 80 ela já se posicionava — e debochava — contra o machismo, é porque havia necessidade de enfrentá-lo. Seu posicionamento em oposição ao patriarcado foi de uma importância enorme para todas as mulheres de antes e de agora. De fato, incomodou o sistema. Tanto que foi presa não só uma, como duas vezes. Na ironia, no início e no “final” da carreira. Da primeira vez foi presa pela ditadura militar, mas morreu afirmando que a maconha que disseram ter encontrado com ela teria sido “plantada”, pois ela estava grávida de Beto Lee, primeiro filho com Roberto de Carvalho e sem fumar. Sempre narrou com orgulho que quem foi checar como ela estava e a salvou foi Elis Regina, um desafeto musical até então. Elis foi visitá-la e tornou o caso público. Depois de cumprir pena em casa e já mãe, começou a receber convites de Elis para se apresentarem juntas, uma forcinha para retomar a carreira. No YouTube é possível acessar a icônica apresentação das duas cantando “Doce de pimenta”. A cantora Maria Rita, filha de Elis Regina, leva o primeiro nome da amiga da mãe. Não é qualquer Rita, é da Lee Jones.

A segunda prisão veio quando Rita já estava meio de saco cheio, um tanto cansada. O ano era 2012 e ela havia lançado seu último trabalho de canções inéditas — gravado em estúdio durante nove anos. O álbum Reza foi tema de novela com a música-título: uma debochada oração que pede "Deus me perdoe por querer/ Que Deus me livre e guarde de você”. Rita já estava cheia. Anunciou que iria parar. Seu último show seria, então, em Sergipe, na cidade de Barra dos Coqueiros, e acabou no melhor estilo Rita Lee: presa por desacatar a autoridade da Polícia Militar local que importunava o público, segundo ela.

“Eu sou do tempo da ditadura, você pensa que eu tenho medo, porra! Venha aqui! Eu sou mulher. Mulher, queridos!”, disse Rita ao ser presa, em 2012. Ela viria a se apresentar mais uma vez, em janeiro de 2013, em São Paulo.

Ela própria se definia como um “desacato à autoridade masculina” e rejeitava, desde criança, que pudessem dizer a ela o que fazer só por ter nascido mulher. Suas memórias estão registradas não só nos vídeos de entrevistas e performances ao longo da carreira, mas sobretudo na autobiografia que escreveu em parceria com o jornalista Guilherme Samora, lançada em 2016 pela Globo Livros. No livro, divaga sobre o avançar da idade: “Quando dizem que a idade está na cabeça, meu fígado e minha coluna dão uma risadinha sarcástica. Mulheres têm a idade que merecem, homens serão sempre crianças”. Em 22 de maio, a editora lançará “Outra autobiografia”. A obra narra os últimos três anos de vida de Rita e alcançou o topo dos mais vendidos da Amazon na pré-venda, em março.

Tanto a obra quanto a vida de Rita Lee formam uma crônica que atravessa seis décadas de história do país. A artista sempre quis ser lembrada — e será — como uma espécie de padroeira da liberdade, um símbolo que entusiasmasse outras mulheres.

Suas últimas aparições sequer foram públicas. A família vinha compartilhando imagens em suas redes sociais desde seu recolhimento em razão do câncer e dos tratamentos invasivos, intercalando com vídeos de acervo de entrevistas e apresentações. De cabelos brancos, óculos coloridos, flores no cabelo, careca, o público fiel da cantora e compositora passou a se acostumar com uma Rita Lee realmente diferente daquela dos palcos. Recolhida em seu sítio ou em seu apartamento, era comum publicarem também momentos íntimos dela assistindo à TV em momentos de homenagens, como a que recebeu do programa “Altas Horas”, da Rede Globo, que emocionou a cantora, e o prêmio que recebeu no Grammy Latino 2022 pelo conjunto da obra e carreira. Rita não foi à premiação, mas disse que estava “feliz pra chuchu” e celebrou.

Em uma de suas músicas, “Saúde”, cujos versos são:
“Me cansei de lero-lero
Dá licença, mas eu vou sair do sério
Quero mais saúde
Me cansei de escutar opiniões
De como ter um mundo melhor
Mas ninguém sai de cima, nesse chove não molha
Eu sei que agora eu vou é cuidar mais de mim
Como vai? Tudo bem
Apesar, contudo, todavia, mas, porém
As águas vão rolar, não vou chorar
Se por acaso morrer do coração
É sinal que amei demais
Mas enquanto estou viva e cheia de graça
Talvez ainda faça um monte de gente feliz”

Rita, pode ter certeza de que você não fez apenas” um monte de gente feliz”. Fez milhões de pessoas felizes e sua obra monumental sempre estará viva em nossos corações.

Descanse em paz, Rita Lee.

Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email:
candidofernandes@hotmail.com  


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Direção e Editoria
Irene Serra