A História das letras de música – “Garota de Ipanema”

Cândido Luiz de Lima Fernandes
“Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça, é ela, menina,
que vem e que passa, num doce balanço a caminho do mar”. Quem já ouviu essa
famosa música sabe que sua inspiração veio da belíssima praia de Ipanema. Na
verdade, parte da inspiração vem da própria Garota de Ipanema, a carioca Helô
Pinheiro, uma moça de dezessete anos que vivia na Rua Montenegro em Ipanema.
Diariamente, ela passava pelo bar-café Veloso a caminho da praia. Às vezes,
entrava no bar para comprar cigarros para a mãe antes de caminhar ao encontro
das águas do mar. De fato, a inspiração foi tanta, que o momento foi eternizado
por Tom Jobim e Vinícius de Moraes no início da década de 60. Tudo começou em
mais um dia em que Tom Jobim e Vinícius de Moraes tomavam um chopp contemplando
a vista da orla carioca no Bar do Veloso (hoje, Bar Garota de Ipanema, situado
na esquina das ruas Prudente de Morais e Vinicius de Moraes - antiga Montenegro
- reduto na praia de Ipanema em que os amigos se reuniam com frequência. Em uma
certa manhã, os olhos de Jobim foram atraídos pela beleza de uma jovem garota,
que caminhava em direção ao mar. O impacto foi tão grande que Tom não conseguiu
tirar a imagem da cabeça e logo elaborou uma melodia e contou com o talento
poético de Vinicius para traduzir suas emoções.
Batizada inicialmente
como “Menina Que Passa”, ela logo trocou de nome e, desde que foi interpretada
pela primeira vez por Astrud Gilberto, se tornou um enorme sucesso. A
popularidade da música foi só aumentando e superou as fronteiras nacionais.
Enquanto isso, todos se perguntavam quem era a beldade capaz de arrancar tantos
suspiros. Por alguns anos, o nome dela foi guardado em segredo, e enquanto isso,
diversas mulheres que frequentavam a praia tentaram assumir esse posto. A
imprensa especulava, mas foi Vinícius de Moraes quem abriu o jogo. Três anos
mais tarde, ele revelou que a inspiração era Heloísa Eneida Menezes Paes Pinto
Pinheiro, ou simplesmente Helô Pinheiro, que era uma adolescente de 17 anos em
1962. A revelação surpreendeu a jovem, que não esperava ser a responsável por um
encantamento tão arrebatador. Daí em diante, a vida dela se transformou
radicalmente.
A beleza daquela coisa mais linda e cheia de graça abriu
portas para Helô, mas ao mesmo tempo cerceou algumas de suas possibilidades. Ela
fez trabalhos como modelo, atriz, apresentadora e virou uma celebridade, no
entanto, qualquer trabalho estava ligado à exposição do seu corpo. Ao mesmo
tempo, ela tinha que lidar com as relações familiares. Os pais tinham receio que
a fama repentina fizesse que a garota se afastasse e fosse morar fora do país.
Sem contar que o namorado ficou totalmente enciumado com os versos elogiosos da
canção. Mesmo assim, ela também seguiu seus desejos e trilhou a própria
carreira, se formando em jornalismo e direito, além de se tornar empresária.
Atualmente com 75 anos, vira e mexe Helô aparece na mídia. Fora sua carreira na
televisão, Helô também atuou como empresária e escritora de sua autobiografia
intitulada “A eterna Garota de Ipanema”. Atualmente mora na cidade de São Paulo.
Na década de 60, a música já era considerada um hino da bossa nova, sendo
que seu auge ainda estava por vir. Em 1964 a canção já tinha sido gravada em
inglês pela cantora baiana Astrud Gilberto, com arranjos de Stan Getz.. A faixa
fez parte do álbum “Getz/Gilberto”, uma colaboração entre João Gilberto e o
saxofonista Stan Getz. Bem recebido pela crítica especializada, o disco
concorreu ao Grammy de 1965 e não somente venceu a categoria principal de álbum
do ano, como “The Girl From Ipanema” também saiu premiada como gravação do ano.
Dali em diante, a música se tornou a cara do Brasil lá fora e foi regravada
por nomes prestigiados.Só para citar alguns exemplos, em 1967 Frank Sinatra e
Tom Jobim gravaram um álbum juntos. É claro que no encontro deles não poderia
faltar o grande sucesso, cantado em português e inglês. Também foi gravada por
Amy Winehouse, a cantora britânica que trouxe novos ares para a “soul music” e
que nos deixou cedo demais, mas não sem fazer sua interpretação para “The Girl
From Ipanema”, que inclusive faz parte da trilha sonora da série “Coisa Mais
Linda”. Também Gilberto Gil fez uma releitura desse clássico, misturando ritmos,
como o reggae e o samba. Com mais de 170 versões, “Garota de Ipanema”, inclusive
chegou a ser gravada pelo Sepultura. É uma das canções mais gravadas no planeta
e seria a segunda mais registrada em disco, perdendo apenas para “Yesterday”,
dos Beatles.

Mesmo sendo cultuada como uma obra-prima da
música brasileira, “Garota de Ipanema” não é um trabalho isento de polêmicas.
Isso porque mesmo com diversas regravações na língua inglesa, a família de Tom
Jobim não detém os direitos de reprodução e vendas da canção. Mesmo movendo
processo contra a gravadora, a resolução segue em aberto e o versista que
adaptou a letra para o inglês, Norman Gimbel, recebe os louros do sucesso
internacional. Já em terras tropicais, a disputa dos herdeiros foi com Helô
Pinheiro. A família alegou que a empresária e musa inspiradora estaria usando a
imagem e o nome da canção para seus próprios negócios. A ação foi movida em 2001
e foi encerrada após um acordo entre as duas partes. Mesmo assim, Helô declarou
que todo esse movimento por parte da família a deixou chateada, pois, ao seu
ver, ela também teria o direito de usufruir do nome da obra.
Polêmicas à
parte, essa música até hoje registra um saudoso período daquela região da Zona
Sul carioca, em que o mundo era mais tranquilo e as pessoas contemplavam as
pequenas belezas da vida.
Um clássico da música nacional, ”Garota de
Ipanema” é a canção brasileira mais conhecida internacionalmente e que de quebra
ajudou a tornar a praia carioca um dos cartões postais mais lembrados do Rio de
Janeiro.
Consagrada com prêmios, a música composta por Tom Jobim, gênio
da bossa nova, em parceria com o poeta Vinícius de Moraes, faz parte do
imaginário nacional há mais de 50 anos, assim como sua musa inspiradora.
Pura poesia em forma de canção, “Garota de Ipanema” nunca perdeu seu charme.
Tanto que, quase 60 anos após a sua primeira apresentação, ela continua viva no
cenário musical, ganhando novas versões por diferentes artistas. .
Cândido Luiz de Lima Fernandes é economista e professor universitário em
Belo Horizonte; email:
candidofernandes@hotmail.com
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Direção e Editoria
Irene Serra |