Nana Caymmi canta
Tom Jobim e Vinicius de Moraes

Cândido de Lima Fernandes
Em artigo publicado em Rio Total há poucos meses, comentamos sobre o
excelente álbum que Nana Caymmi lançou em homenagem a Tito Madi. Recentemente, a
cantora está de volta com um novo álbum Nana, Tom, Vinicius, que presta
homenagem a duas lendas da bossa nova - seu querido amigo e lendário compositor,
Tom Jobim, e o poeta e letrista Vinicius de Moraes. O álbum, sob direção musical
de Dori Caymmi, é composto por 12 faixas. A maioria das canções foram feitas em
parceria pelos dois, mas há duas composições em que Vinicius assinou sozinho
música e letra, Valsa de Eurídice e Serenata do adeus, e uma canção somente de
Jobim, As praias desertas. Já está disponível na plataforma digital Sesc
Digital.
Embora algumas pessoas possam criticar o disco como antigo ou
mesmo previsível, ressalta-se que se trata de um álbum imune aos efeitos do
tempo, pela beleza da voz de Nana, pelas canções consagradas por essa voz e
pelos arranjos impecáveis de Dori Caymmi. De sua casa em Petrópolis, onde Dori
vive desde que deixou Los Angeles, após 27 anos, ele escreveu os arranjos, que
foram gravados pela Orquestra de São Petersburgo na Rússia. O disco possui uma
qualidade excepcional que se conservará eternamente brilhante, acima dos padrões
musicais de todas as épocas. Tudo em Nana, Tom, Vinicius é absolutamente
sublime.
A primeira faixa, Eu sei que vou te amar, foi lançada como
single em junho de 2020, tendo sido gravada em estúdio do Rio de Janeiro em
abril de 2019, mês em que a cantora completou 78 anos de vida. Sua interpretação
é suave, tendo ao fundo a beleza da Orquestra de São Petersburgo e o piano de
Itamar Assiere.
Vem a seguir Sem você, canção pouco conhecida da dupla
Tom e Vinicius, cujos versos “Você é o que resiste/ ao desespero e à solidão/
nada existe/e o mundo é triste/sem você” nos remetem às “canções de fossa” que
Nana gravou no álbum em homenagem a Tito Madi. Também é pouca conhecida a
terceira faixa, Luciana, em que, numa canção de aparente paz, o poeta adverte
que “o amor é embriagador, mas também traz muita dor”.
Algumas das
canções deste disco de Nana fazem parte do clássico álbum da divina Elizeth
Cardoso (1920 – 1990) dedicado ao cancioneiro de Tom e Vinicius, lançado em maio
de 1958, intitulado Canção do Amor Demais, que é celebrado por alguns críticos
como o marco zero da bossa nova, por ter tido o violão de João Gilberto (1931 –
2019) em duas de suas faixas. Nas faixas As praias desertas,
Janelas abertas,
Serenata do Adeus, Modinha, Canção do amor demais, além da citada
Luciana, a
cantora experimenta tons mais suaves na interpretação de canções consagradas na
voz de Elizeth, cujo estilo próprio de cantar reforça o efeito dramático.
O repertório selecionado por Nana tem também algumas interseções com o
cancioneiro gravado pela cantora carioca Lenita Bruno (1926 – 1987) com
composições de Tom e Vinicius, editado em 1959, um ano após o disco de Elizeth.
Este é o caso de Por toda a minha vida, Sem você,
Valsa de Orfeu e Soneto da
Separação.
O álbum fecha com a belíssima composição Se todos fossem
iguais a você (“Existiria a verdade/ verdade que ninguém vê/ se todos fossem no
mundo/ iguais a você”), magistralmente interpretada por Nana. Ao cantar Tom e
Vinicius, Nana Caymmi soa intensa – por vezes até dramática ou lindamente suave
como no canto de Se todos fossem iguais a você – sem jamais pisar no pantanoso
terreno do sentimentalismo piegas.
A excelência dos arranjos reafirma a
maestria e brilhantismo de Dori Caymmi. O uso da orquestra foi feito com doses
precisas. As cordas estão em todo o disco, mas sem ofuscar a delicadeza do toque
do piano de Itamar Assiere ou do sopro das flautas de Daniel Allain e Teco
Cardoso – e cabe ressaltar que as flautas são marcas registradas nos arranjos
criados e regidos por Dori.
Afinada com esse tradicionalista universo
musical, Nana jamais sai do tom. Nana é a cantora que “chora dentro do coração”
em Modinha, que interioriza o desespero de Canção do amor demais e que, com a
devida solenidade, faz o juramento de amor eterno que pauta em Por toda minha
vida e soluça sua dor no Soneto de separação. Como a intérprete explicita no
canto triste do Soneto da separação, “do momento imóvel fez-se o drama” ao longo
de todo o álbum Nana, Tom, Vinicius.
No tempo eterno das canções do
amor demais de Tom e Vinicius, Nana Caymmi se confirma cantora tão imortal como
os compositores que louva neste álbum irretocável.
Cândido Luiz de Lima Fernandes é economista e professor universitário em
Belo Horizonte; email:
candidofernandes@hotmail.com

Direção e Editoria
IRENE SERRA
irene@riototal.com.br
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