Ano 23 - Semana 1.181 

 
ARQUIVO de MÚSICA




16 de julho, 2020

SÉRIE "ENCONTROS HISTÓRICOS NA MPB" (5):

Tom, Vinicius, Toquinho e Miúcha


 Cândido de Lima Fernandes


Como bem escreveu Aloysio de Oliveira na capa do disco, o show de Antonio Carlos Jobim, Vinicius de Moraes, Toquinho e Miúcha, realizado no show do Canecão, em 1977, “foi um dos maiores momentos da nossa música”. Tom, Vinicius, Toquinho e Miúcha lotaram o Canecão durante quase oito meses de apresentações, que alcançaram limites de público e permanência jamais igualados naquela casa de espetáculos do Rio de Janeiro. O espetáculo foi gravado ao vivo e lançado em disco pela Som Livre.

A ideia do show nasceu a partir do LP “Miúcha & Antônio Carlos Jobim”, lançado no começo de 1977. Neste disco, a cantora gravou com Tom doze canções, com destaque para as faixas "Maninha", composta especialmente para ela pelo irmão Chico Buarque, "Pela luz dos olhos teus" (Vinicius de Moraes) e "Vai levando" (Chico Buarque e Caetano Veloso).

Devido ao grande sucesso do disco da dupla, Mário Priolli, dono do Canecão, chamou Tom e Miúcha para fazerem um show naquela casa de espetáculos e convidou o Aloysio de Oliveira para cuidar da produção e da direção. O produtor teve então a ideia de convidar Toquinho e Vinicius e juntar as duas duplas. A preparação do show foi feita em duas semanas. Nos dizeres de Aloysio, “este show já nasceu feito. Estava somente esperando a hora de ser realizado”. Toquinho disse, em entrevista, que “foi uma tarefa penosa condensar apenas vinte e poucas músicas que pudessem representar toda a genialidade naquele palco”. A concepção do roteiro baseou-se na intercalação das duas duplas. Miúcha cantava com Tom, com Vinicius e com o Toquinho. Cada um fazia dupla com o outro, num rodízio, o tempo todo.

O primeiro pot-pourri do show começa com os quatro cantando “Estamos aí” (Tom, Vinicius e Chico Buarque). Em seguida, Vinicius declama um poema de sua autoria, “O Dia da Criação” (“Hoje é sábado, amanhã é domingo; a vida vem em ondas como o mar”). Vinicius e Toquinho cantam juntos “Tarde em Itapoã”, de autoria da dupla e Toquinho sola, ao violão, “Gente Humilde” (Garoto, Vinicius e Chico Buarque, enquanto Vinicius recita alguns versos da letra.

O segundo momento do show tem “Carta ao Tom” (Toquinho e Vinicius), cantada por Toquinho e Vinicius, seguida de uma engraçada paródia feita por Tom em cima da letra original: “Rua Nascimento Silva, 107, eu saio correndo do pivete, tentando alcançar o elevador; minha janela não passa de um quadrado, a gente só vê Sérgio Dourado onde antes se via o Redentor”.

A seguir, Tom canta “Corcovado” e toca maravilhosamente “Wave” ao piano. Chama ao palco Miúcha, que faz dueto com ele em “Pela luz dos olhos teus”, de Vinicius. Miúcha emenda com “Saia do meu caminho” (Custódio Mesquita e Evaldo Ruy), faz uma homenagem ao poeta, com “Samba pra Vinicius” (Toquinho e Chico Buarque) e termina este momento cantando, com os três, “Vai Levando” (Chico Buarque e Caetano Veloso).

O show continua com a apresentação de clássicos da bossa nova, como “Água de Beber” (Tom e Vinicius), “Garota de Ipanema” (Tom e Vinicius) e “Minha namorada“ (Carlos Lyra e Vinicius), esta última cantada por Miúcha e Vinicius.

Depois de “Sei lá (A vida tem sempre razão)”, de Vinicius e Toquinho, chega o momento final do show, com os quatro cantando “Chega de Saudade” (Tom e Vinicius), ”Se todos fossem iguais a você” (Tom e Vinicius) e terminando com a música de abertura, “Estamos aí”.

Na retaguarda do show se destaca uma orquestra de sopros, metais e outros sons, regida pelo maestro Edson Frederico. Também faz back vocal um coro feminino formado pelas outras três irmãs Buarque de Holanda, por Beth (filha de Tom), por Aninha (que depois se casou com Tom), por Olívia Hime e por Georgiana (filha de Vinicius).saio até o último dia”, salienta Toquinho.

Conta-se que, durante a temporada, houve momentos de “canjas” antológicas. Uma noite, sem que ninguém soubesse, Roberto Carlos entrou cantando “Lígia” desde a coxia, e foi cantá-la junto com o Tom, autor da música. Numa outra noite, Oscar Peterson subiu ao palco, improvisou, tocou “Wave” no piano.

Com o fim da temporada de grande sucesso no Canecão, os quatro seguiram em turnê pela América do Sul e Europa. Em fevereiro de 1978, fizeram uma temporada de um mês em Mar del Plata, na Argentina. Depois, uma semana no Anhembi, em São Paulo, e, finalmente, o percurso pela Europa: mais de dez dias no Olympia de Paris, sendo que três dessas apresentações contaram com a participação de Baden Powell; uma noite no Palladium de Londres e o giro pela Itália, além de gravarem na Suíça um especial para a TV, considerado o melhor especial do ano. O espetáculo de despedida deu-se no dia 11 de outubro de 1978, em Firenze.

Por essa época, Vinicius começava a declinar fisicamente. Porém, ninguém poderia imaginar que só lhe restavam 20 meses de vida. O poeta faleceu em 9 de julho de 1980, completando-se agora 40 anos de sua morte. Em 8 de dezembro de 1994 Tom Jobim partiu e, em 27 de dezembro de 2018, foi a vez de Miúcha. Fica a saudade enorme dos três e o consolo de poder escutar suas antológicas gravações e rememorar grandes momentos, como este show inesquecível que assisti no Canecão.


Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email:
candidofernandes@hotmail.com






 

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IRENE SERRA
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