SÉRIE "ENCONTROS HISTÓRICOS NA MPB":
Edu e Bethânia
Cândido de Lima Fernandes
Edu e Bethânia é um álbum de estúdio de MPB
de meados da década de 1960, absolutamente deslumbrante, que une o compositor
carioca Edu Lobo com a jovem Maria Bethânia, que, anos mais tarde, viria a se
destacar como uma das maiores vozes da música popular brasileira, sendo a
primeira cantora do Brasil a vender mais de um milhão de discos.
Este foi
o segundo álbum de estúdio de Bethânia, lançado em 1967, pela gravadora Elenco.
Temos aqui o feliz encontro de Edu Lobo com Maria Bethânia, numa produção de
Aloysio de Oliveira, reunindo os dois jovens talentos. Edu já era um artista
conhecido, consagrado. Maria Bethânia, por outro lado, ainda era uma artista
iniciante, tentando se firmar como cantora, trazendo na bagagem suas primeiras
experiências musicais e o talento demonstrado no show “Opinião”.
Edu Lobo fazia parte do grupo de compositores da chamada segunda geração da
bossa nova. O encontro com o poeta Vinicius de Moraes, em 1961, foi fundamental
para o desenvolvimento de sua carreira profissional. Possibilitou o acesso a
compositores como Tom Jobim (1927-1994), Carlos Lyra (1939) e Baden Powel
(1937-2000), parceiros principais do poeta, além de outros compositores da bossa
nova. Também passou a dialogar com a obra dos compositores Sérgio Ricardo
(1932), João do Vale (1934 - 1996) e do cineasta moçambicano Ruy Guerra (1931) e
a utilizar em suas composições uma temática mais social e motivos da cultura
popular.
Seu nome completo é Eduardo de Góes Lobo, nascido no Rio de
Janeiro, em 1943. Foi criado no Rio de Janeiro e no Recife, onde sempre passava
as férias escolares na casa dos tios. Filho do compositor Fernando Lobo
(1915-1996), é pai do também compositor e cantor Bena Lobo (1972), fruto do seu
casamento com a cantora Wanda Sá. Estudou inicialmente acordeon e depois passou
a se interessar pelo violão.
Apresentamos a seguir alguns aspectos do
início da carreira de Edu Lobo até a gravação do álbum com Bethânia. Edu
conheceu, em 1962, o poeta Vinicius de Moraes (1913-1980) e juntos compuseram o
samba “Só me Fez Bem”, que faz parte deste álbum. Cursou até o 3º ano de direito
na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), quando resolveu
se dedicar exclusivamente à música. Compôs canções de crítica social,
aproximando-se de Sérgio Ricardo, João do Valle, Carlos Lyra e Ruy Guerra. Em
1963, escreveu trilhas musicais para peças de teatro, como “Os Azeredo Mais os
Benevides”, de Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974), proibida pela censura. A
música mais famosa da peça, “Chegança”, foi gravada por Elis Regina (1945-1982).
Outra música de sucesso, “Borandá”, que era apresentada no musical “Opinião”,
era cantada por Nara Leão e foi gravada, neste álbum, por Maria Bethânia. Já a
música “Zambi” (com Vinicius de Moraes) serviu de inspiração para Gianfrancesco
Guarnieri (1934-2006) escrever “Arena Conta Zumbi”, que estreou no Teatro Arena
em 1965, com trilha sonora de matizes bossa-novistas. “Upa Neguinho”, canção que
faz parte da peça, alcançou sucesso nacional na voz de Elis Regina.
Participou de festivais e venceu, em 1965, com letra de Vinicius de Moraes, o 1º
Festival Nacional de Música Popular Brasileira, na TV Excelsior, com “Arrastão”,
interpretada por Elis Regina, que trouxe uma inovação ao se apresentar com
coreografia criada por Lennie Dale (1934-1994). Concorreu em outros festivais e,
em 1967, venceu o 3º Festival da Música Popular Brasileira, na TV Record, com
“Ponteio”, em parceria com José Carlos Capinan (1941). Edu Lobo, a cantora
Marília Medalha (1944) e os grupos vocais Momentoquatro e Quarteto Novo
interpretaram a canção. E também compôs a trilha sonora da peça “Marta Saré”, de
Guarnieri. Em sua brilhante carreira musical, Edu Lobo teve, além dos já citados
compositores, as parcerias de Chico Buarque, Cacaso, Torquato Neto, Paulo César
Pinheiro, Aldir Blanc e Joyce. A parceria com Chico Buarque nos musicais deu
origem a músicas belíssimas, como, por exemplo, “Beatriz” e “Valsa brasileira”.
Chico Buarque e Edu Lobo podem se orgulhar de ter composto aquele que é,
provavelmente, o melhor disco de trilha-sonora concebido para balé no Brasil: “O
grande circo místico”.
Maria Bethânia nasceu no dia 18 de junho de 1946,
em Santo Amaro da Purificação, na Bahia. Seus pais se chamavam Claudionor Vianna
(Dona Canô) e José Telles Velloso (Sr. Zezinho), e o nome da menina havia sido
escolhido pelo irmão, o futuro cantor e compositor Caetano Velloso, então com
quatro anos de idade. Ele pedira isso aos pais, por gostar muito de uma música
de Capiba, gravada por Nelson Gonçalves, intitulada Maria Bethânia. Desde a
escolha de seu nome pelo irmão Caetano, tudo já indicava o caminho artístico que
a menina de Santo Amaro da Purificação seguiria até se tornar uma das principais
intérpretes da Música Popular Brasileira.
Maria Bethânia, diferentemente
do que aconteceu, queria subir aos palcos para atuar, e não para cantar. Mas a
influência musical em sua casa era muito forte: a mãe adorava cantar, o pai era
fascinado pelas músicas de Dorival Caymmi e Noel Rosa que tocavam no rádio e o
irmão mais velho, Caetano, brincava de fazer música desde pequeno. Aos 13 anos,
com a mudança da família para Salvador, a proximidade com os círculos
universitários da capital aumentariam o desejo de Bethânia em se enveredar pelas
artes. Acompanhada de Caetano, frequentava os meios artísticos da cidade até
que, em 1963, foi convidada a participar da peça ''Boca de Ouro'', de Nelson
Rodrigues. Na montagem dirigida por Alvinho Guimarães, estreou cantando um samba
de Ataulfo Alves.
No mesmo ano, com João Gilberto e a bossa nova já
modificando as suas vidas, Maria Bethânia e Caetano conheceram Gilberto Gil, Gal
Costa, Tom Zé, Alcivando Luz, entre outros. Em junho de 1964, o grupo foi
convidado para apresentar um show de música popular, “Nós, Por Exemplo”, em
Salvador, na semana de inauguração do Teatro Vila Velha. Em seguida, vieram mais
três espetáculos: “Nova Bossa Velha, Velha Bossa Nova”, e “Mora na Filosofia”.
Neste último, Maria Bethânia seria estimulada por Nara Leão, então musa da bossa
nova, e nunca mais deixaria de ser aplaudida.
Em 1965 aconteceria a
grande oportunidade de Bethânia. A ainda menina foi convidada para substituir
Nara Leão, a já consagrada cantora da bossa nova que teve um problema nas cordas
vocais, no show ''Opinião'', no Rio de Janeiro. A estréia, em 13 de fevereiro de
1965, seria marcada pela dramática performance de ''Carcará'', música de João do
Vale e José Cândido, lançando Bethânia como cantora de protesto. A boa
repercussão aconteceria, também, na temporada do espetáculo em São Paulo e ela
passaria a ser chamada de ''Abelha Rainha da MPB''. Com o sucesso, a baiana foi
convidada para fazer parte do casting da gravadora RCA onde, no mesmo ano,
gravou seu primeiro single, em que cantava ''Carcará'' e ''É de manhã'', música
de Caetano. Meses mais tarde lançaria seu primeiro LP com sambas de Noel Rosa,
João de Barro e Benedito Lacerda, além de gravar outra composição do irmão,
''Sol negro'', com a participação de Gal Costa. Em setembro, fez parte do
espetáculo ''Arena Canta Bahia'', ao lado de Gil, Caetano, Tom Zé e Gal, no TBC
de São Paulo.
Assim foi o início da trajetória de sucesso de Maria
Bethânia, que logo se tornaria nacionalmente conhecida, com mais de 50 discos
gravados ao longo da carreira, dividindo espetáculos e álbuns com Caetano, Gil,
Gal e Chico Buarque. A carreira de Bethânia se consolidou tanto por sua presença
marcante de palco quanto pela intérprete passional e dramática que sempre foi.
No álbum “Edu e Bethânia” ela cantou em cinco canções, sendo duas solo,
"Borandá" e "Só me fez bem", e três em parceria com Edu, "Cirandeiro", "Sinherê"
e "Pra dizer adeus”. Destas, a canção "Pra dizer adeus" fez grande sucesso na
época e colocou a cantora no rol das grandes intérpretes do Brasil.
Lançado em 1967 pela gravadora Elenco, o álbum conta com 10 canções, sendo duas
de autoria de Edu (“Candeias” e “Borandá”) e as outras oito tendo Edu em
parceria com José Carlos Capinam (“O tempo e o rio” e “Cirandeiro”), Torquato
Neto (“Lua nova”, “Pra dizer adeus” e “Veleiro”), Gianfrancesco Guarnieri (“Upa,
neguinho” e “Sinherê”) e Vinicius de Moraes (“Só me fez bem”) .
Acompanham a dupla neste álbum Dori Caymmi no violão, Dório Ferreira no
contrabaixo e Edson Machado na bateria. Edu também toca violão neste disco. Os
arranjos são do Maestro Gaya e a direção artística de Aloysio de Oliveira.
Edu e Bethânia revezam-se cantando vocais principais e dueto em várias
faixas. Já naquela época, a voz de Bethania estava inteiramente formada, com seu
timbre forte e instantaneamente reconhecível. O trabalho posterior de Edu Lobo
seria mais experimental, mas neste álbum predominam composições de estilo bossa
nova, de uma simplicidade bela e cristalina.
Cândido Luiz de Lima Fernandes é economista e professor universitário em
Belo Horizonte; email:
candidofernandes@hotmail.com

Direção e Editoria
IRENE SERRA
irene@riototal.com.br
|