Nana Caymmi canta Tito Madi

Cândido Luiz de Lima Fernandes
Como o título já indica,
Nana Caymmi
canta Tito Madi é uma homenagem a Chauki Maddi (12 de julho de 1929 – 26 de
setembro de 2018), compositor, cantor e pianista paulista que mergulhou com
sofisticação no universo da chamada “música de fossa”, das dores de amor do
samba-canção. No Brasil, não há melhor porta-voz de paixões saudosas e desejos
impossíveis, temas constantes em clássicos do samba-canção, do que Nana Caymmi.
Quando ainda era adolescente, ela ouviu vários exemplares do gênero na voz de
Tito Madi, à época em que este se apresentava nas boates de Copacabana, no Rio
de Janeiro. Uma das primeiras paixões musicais da cantora, o cancioneiro de Tito
Madi sempre guardou afinidades com o canto de Nana. Tanto que, ao regravar
“Cansei de ilusões” há 32 anos para o álbum Quem é da noite canta (1987), Madi
convidou Nana para um dueto. Neste CD Nana presta a Madi o tributo que a cantora
Claudette Soares lhe fez há 43 anos no álbum Fiz do amor o meu canto (1976) e
que Emilio Santiago (1946 – 2013) não teve tempo de fazer. O projeto começou em
2013, depois que Emílio Santiago falou da ideia do tributo a um dos personagens
mais robustos do samba-canção. Emílio morreu naquele ano e Nana, amiga íntima do
cantor, decidiu levar a ideia adiante. Entretanto, acabou priorizando outros
trabalhos, como o disco em homenagem ao pai, Dorival Caymmi, e o projeto foi
adiado. Tito Madi ficou muito feliz em saber das gravações. O homenageado
escutou o álbum ainda em fase de finalização e o avalizou. Dois dias depois, foi
internado e morreu em 26 de setembro de 2018, aos 89 anos. "Demoramos demais",
diz Nana. "Fiquei muito abatida". Planejado para ser uma homenagem em vida, Nana
Caymmi canta Tito Madi passa a transcender a admiração da cantora por ele.
Simboliza a vontade de que a obra de Tito não seja esquecida e possa ser
redescoberta. Interpretada por uma das maiores cantoras brasileiras, ela alcança
a eternidade.
Como se sabe, Tito Madi foi um farol para aqueles que, com
a bossa nova, mudaram os parâmetros harmônicos e poéticos da canção brasileira.
Todavia, mesmo convidado para as reuniões do movimento no apartamento de Nara
Leão por admiradores como Ronaldo Bôscoli e Roberto Menescal, ele jamais
apareceu. Entretanto, não deixou de dar sua contribuição ao estilo com o
clássico “Balanço Zona Sul”, que fecha o disco da cantora. Nana Caymmi dá voz às
ilusões e paixões de Tito Madi de um modo impecável. Hoje com 77 anos,
encontra-se em plena forma vocal, entendendo mais do que nunca as dores (e
algumas delícias) do amor. Sua voz está brilhante, emocionada, precisa. É como
se Nana esperasse desde a juventude o momento exato para interpretar uma obra de
alta voltagem emocional que lhe serve de referência. Em Nana Caymmi canta Tito
Madi, a cantora interpreta onze canções clássicas de Tito Madi, em uma rigorosa
produção de estúdio, da qual participam José Milton, produtor dos discos da
cantora há 25 anos e os arranjadores Dori Caymmi, irmão que Nana define como uma
pessoa-chave em sua trajetória, e o pianista Cristóvão Bastos, um dos autores do
sucesso “Resposta ao Tempo”, por ela divinamente interpretado.
As duas
primeiras faixas do CD são os standards da obra de Tito Madi, como a valsa
“Chove lá fora” (1957) e o samba-canção “”Cansei de ilusões” (1956) – com a
melancolia acentuada pelo trompete com surdina soprado por Jessé Sadoc. A
seguir, Nana canta lindamente “Carinho e Amor” (1959), emendando com “Não Diga
Não” (1954), com arranjo e violão de Dori e piano de Itamar Assiere. "Não Diga
Não" entrou na trilha sonora da novela "Babilônia" (2014), após Gilberto Braga,
autor da trama, ligar para Nana solicitando uma música para a trilha sonora da
novela. “Não diga não” já havia sido também gravada, com arranjo de voz e piano,
no belo álbum Voz e suor (1983), dividido pela cantora com Cesar Camargo
Mariano. Em seguida, entra o bandolim de Marcílio Lopes em “Quero-te assim”,
valsa originalmente gravada pelo cantor Luiz Cláudio em 1957, sendo
posteriormente registrada pelo próprio Tito Madi e pelo Trio Nagô, entre outros.
Nas faixas “Canção dos olhos tristes” (1961), “Graças a Deus você voltou”
(1961), “E a chuva parou” (de autoria de Ribamar, Victor Freire e Esdras Pereira
da Silva, 1957) – única das onze músicas sem a assinatura de Madi, mas de
presença justificada no CD pelo fato de ter sido lançada pelo cantor em disco de
1957 – e “Sonho e saudade” (1960) o álbum caminha por um registro nostálgico,
noturno, invernal, sem pressa e sem gingas. Nana obedece à dinâmica dos
pianíssimos da primeira gravação, usando um tom mais baixo, mas chegando onde
quer e com a voz sobrando. Sua emoção está lá, intacta e verdadeira. Na
penúltima faixa, “Gauchinha bem querer” (1957), o acordeon tocado pelo pianista
Itamar Assiere chega a soar bissexto e Nana canta com sutil sotaque que
identifica a prosódia do povo do sul do Brasil. A última faixa, “Balanço zona
sul” (1963), espécie de “Garota de Ipanema” do cancioneiro de Madi, Nana
registra a bossa perseguida com improvável leveza, com a adesão vocal de Dori
Caymmi, no arranjo feito por Cristovão Bastos. Em “Balanço zona sul” Nana faz a
primeira parte aliviando a marcação da bateria de Jurim Moreira, reforçando o
piano de Cristóvão Bastos e deixando o esquenta para a entrada da voz de Dori.
Nana Caymmi demorou dez anos para lançar um álbum solo após Sem poupar
coração (2009). Mas está procurando compensar o tempo perdido. Na sequência
quase imediata da edição do disco Nana Caymmi canta Tito Madi, lançado no fim
do mês de março de 2019, a cantora entra em estúdio para gravar um outro
songbook dedicado ao cancioneiro de um compositor. Desta vez, um disco com
músicas do grande compositor Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994). Nana pretende
começar a gravar este outro álbum na segunda quinzena de abril, mês em que
completará 78 anos de vida, na cidade natal do Rio de Janeiro. O álbum será
gravado com orquestra e com arranjos de Dori Caymmi. O repertório incluirá
músicas como “As praias desertas” (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes,
1958).
Procurem nas plataformas digitais ou comprem no site da Biscoito
Fino, mas não deixem de ouvir este belo disco de Nana Caymmi que fez em
homenagem a Tito Madi.
Cândido Luiz de Lima Fernandes é economista e professor universitário em
Belo Horizonte; email:
candidofernandes@hotmail.com

Direção e Editoria
IRENE SERRA
irene@riototal.com.br
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