bibi ferreira
(1922-2019)
Cândido Luiz de Lima Fernandes
Em fevereiro último nos deixou
uma das maiores artistas brasileiras de todos os tempos, a querida e admirável
Bibi Ferreira. Bibi, cujo nome era Abigail Izquierdo Ferreira, nasceu em 1º de
junho de 1922, no Rio de Janeiro. Era filha do ator Procópio Ferreira e da
bailarina espanhola Aída Izquierdo. Além de uma carreira multivariada de
apresentadora, cantora, compositora e diretora, é considerada a primeira-dama do
teatro brasileiro. Tendo estreado nos palcos com apenas 20 dias de idade, é
considerada dentre as atrizes brasileiras aquela com uma das carreiras mais
longevas. Artista multimídia, Bibi ao longo de uma belíssima carreira fez
inúmeras peças, apresentou programas de TV, gravou discos e dirigiu shows. Tudo
sem nunca abandonar o teatro, sua grande paixão.

Foi nos anos 1960 que Bibi estrelou dois dos musicais mais marcantes de sua
carreira. O primeiro foi "Minha querida dama" ("My fair lady"), de Frederich
Loewe e Alan Jay Lerner, adaptação de "Pigmaleão", de George Bernard Shaw. No
espetáculo, atuou ao lado de Paulo Autran (1922-2007) e Jaime Costa (1897-1967).
O outro trabalho marcante foi "Alô, Dolly!" (Hello, Dolly!), versão da obra "The
matcmaker", de Thornton Wilder, com Hilton Prado e Lísia Demoro.
Já na
década de 1970, Bibi foi o principal nome de "O homem de La Mancha", musical de
Dale Wasserman, dirigido por Flávio Rangel e com letras adaptadas para o
português por Chico Buarque. Fez o papel de Dulcinéa, ao lado dos grandes atores
Paulo Autran e Grande Otelo. Esta peça ficou muito tempo em cartaz no extinto
Teatro Adolfo Bloch, na Praia do Flamengo.
A artista deixou ainda seu
nome marcado na casa de shows Canecão, no Rio, ao dirigir o espetáculo
"Brasileiro, profissão esperança", de Paulo Pontes e Oduvaldo Vianna Filho
(1936-1974), produção inspirada na obra dos compositores Dolores Duran e Antonio
Maria. No início, o show foi apresentado no Teatro Casa Grande, no Rio de
Janeiro, com Ítalo Rossi e Maria Bethânia nos papéis centrais. Mas depois o
musical foi reformulado e ampliado. Passou, então, a ser protagonizado por Paulo
Gracindo e Clara Nunes, transformando-se em um dos maiores sucessos da história
do Canecão.
Em 1975, Bibi recebeu o Prêmio Molière pela interpretação da
personagem Joana, de "Gota d’água", de Paulo Pontes e Chico Buarque, montagem
que ambientava a tragédia "Medeia", de Eurípedes, em um morro carioca. Traída
por Jasão, Joana/Medeia vinga-se matando os filhos que tivera com ele. Tive
oportunidade de assistir a este belo espetáculo nos anos 1970. A tragédia de
Eurípedes, ambientada pelos autores à realidade brasileira, ganhou amplitude
insuspeitada. Esta peça tornou-se marcante, inolvidável, sobretudo pela
impressionante interpretação de Bibi, tomada pela personagem trágica, a ponto de
levar a platéia à catarse. Nunca me esqueci de Bibi naquele palco, a gritar seu
ódio de mulher traída e decidir-se pela vingança mais infame.
Em 1983
voltou aos palcos com o espetáculo “Piaf, a Vida de uma Estrela da Canção”, de
grande sucesso de público e crítica. Bibi interpretou a cantora francesa com
maestria e seu trabalho foi considerado tão perfeito que mesmo pessoas que
conheceram Edith Piaf se espantaram com o nível de semelhança entre as duas. Por
sua atuação recebeu os prêmios Mambembe e Molière, em 1984 e, no ano seguinte,
da Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo
(APETESP) e Governo do Estado. Este espetáculo, que fez muitas viagens,
permaneceu seis anos em cartaz e, em quatro anos, atingiu um milhão de
espectadores, incluindo uma temporada em Portugal, com atores portugueses no
elenco. Por ter cantado e contado a vida de Piaf nos palcos, Bibi Ferreira foi
premiada, em 2009, com a Comenda da Ordem e das Letras da República Francesa, o
prêmio máximo da cultura na França.
Nos anos 90, Bibi Ferreira completou
50 anos de trajetória artística com o espetáculo "Bibi in Concert". No início
dos anos 2000, fez mais um trabalho impressionante ao interpretar a fadista
Amália Rodrigues (1920-1999) no espetáculo "Bibi vive Amália". Anos mais tarde,
já no final de sua carreira, interpretou músicas de Frank Sinatra. Foi enredo da
Viradouro no Carnaval do Rio em 2003.
Em 2009, em homenagem ao Ano da
França no Brasil, ela retornou ao Teatro Maison de France para reviver o musical
"Bibi Canta e Conta Piaf". Em 2013, levou o "Bibi in Concert” para Nova York e
se apresentou na Broadway pela primeira vez. Foi comparada com Ella Fitzgerald
pelo jornal "New York Post" e ganhou um dueto com Liza Minelli, filha de Judy
Garland, cantando "New York, New York”.
Recentemente, teve a vida e obra
contadas no espetáculo "Bibi, uma vida em musical", escrito por Artur Xexéo e
Luanna Guimarães, com direção de Tadeu Aguiar. Na montagem, a protagonista foi
interpretada por Amanda Costa. Em março de 2018, já aos 95 anos, Bibi foi
assistir a uma apresentação do musical, então em cartaz em um teatro no Rio de
Janeiro e fez o público se emocionar ao chorar cantando, da plateia e sem
microfone, uma música de Edith Piaf (1915-1963).
Aos 95 anos, fez sua
turnê de despedida com “Bibi - Por Toda Minha Vida”, espetáculo só com músicas
brasileiras. Em setembro de 2018, Bibi anunciou sua aposentadoria dos palcos,
após 77 anos de carreira. Sempre ativa, com espetáculos diferentes em
perspectiva, ela estava na época ensaiando um novo show dedicado ao cancioneiro
de Dorival Caymmi. O repertório estava quase escolhido e a banda começava a
ensaiar quando ela decidiu não mais se apresentar ao vivo. Em uma nota oficial,
Bibi disse que seguiria "uma vida mais reclusa, com a família e seus amigos mais
íntimos”. Morreu aos 96 anos em seu apartamento no bairro do Flamengo, no dia 13
de fevereiro de 2019, vítima de uma parada cardíaca. Grande e inesquecível Bibi.
Descanse em paz.
Cândido Luiz de Lima Fernandes é economista e professor universitário em
Belo Horizonte; email:
candidofernandes@hotmail.com

Direção e Editoria
IRENE SERRA
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