Miúcha
(1937-2018)

Cândido Luiz de Lima Fernandes
O ano de 2018 terminou nos levando, nos seus últimos dias, a cantora Miúcha.
Miúcha era o apelido de Heloisa Maria Buarque de Holanda, nascida no Rio, filha
do historiador e jornalista Sérgio Buarque de Holanda e da pintora e pianista
Maria Amélia Cesário Alvim. Sua família mudou-se para São Paulo quando tinha
oito anos. Começou a cantar ainda criança, vindo a formar um conjunto vocal com
seus irmãos — Chico, inclusive. Também começou cedo a transitar entre nomes
importantes da música popular brasileira. Em reuniões musicais promovidas em
casa, seu pai recebia artistas como Dorival Caymmi e Vinicius de Moraes. Segundo
a cantora, Vinicius foi o responsável por despertar sua paixão pela música: “Ele me deu os
primeiros desenhos de violão”.
Nos anos 60, foi estudar História da Arte
na França, onde começou a fazer apresentações musicais, estendendo-as
posteriormente para outros países da da Europa. Em Roma, no bar La Candelária,
conheceu a cantora chilena Violeta Parra, que a apresentou a João Gilberto, com
quem se casou. Eles foram morar em Nova York, onde tiveram a filha Bebel e
ficaram casados durante oito anos. Ainda criança, Bebel acompanhava a mãe em
apresentações e gravações (como em “O que quer dizer”).
Entretanto,
Miúcha iniciou de fato a carreira artística em 1975, cantando no disco de João
Gilberto e do saxofonista americano Stan Getz, intitulado "The best of two
worlds". Ainda naquele ano, apresentou-se no Newport Jazz Festival, fez shows
com Stan Getz e participou da faixa "Boto", do LP "Urubu", de Tom Jobim. Em 1977
Miúcha fez parceria com o maestro no LP "Miúcha e Antonio Carlos Jobim", que se
destacou pelas faixas "Maninha" (composta especialmente para ela por Chico
Buarque), "Pela luz dos olhos teus" e "Vai levando". Segundo relata uma revista
da época, a parceria com Tom Jobim foi iniciativa da cantora: “Um dia, Miúcha
juntou toda a coragem que tinha e foi à casa de seu maior ídolo: Antonio Carlos
Jobim. Ela queria uma música, um arranjo — uma ajuda, enfim — para um disco que
iria gravar. Entusiasmado Tom resolveu gravar o LP junto com a cantora”, diz o
texto da publicação.
Ainda em 1977 Miúcha participou do musical "Os
Saltimbancos", adaptado para o Brasil por Chico, interpretando a Galinha, com a
filha Bebel no coro infantil. Após este lançamento, fez parte, no mesmo ano, do
famoso espetáculo organizado por Aloysio de Oliveira junto com Vinicius de
Moraes, Tom Jobim e Toquinho. Este espetáculo ficou um ano em cartaz no Canecão,
Rio de Janeiro, seguindo depois para apresentações internacionais na América do
Sul e na Europa e dando origem à gravação do disco Tom/Vinícius/ Toquinho/
Miúcha, gravado ao vivo no Canecão (1977).
Em 1979 a cantora gravou outro
disco com Tom, o LP Miúcha & Tom Jobim, que trouxe as faixas "Triste alegria",
de sua autoria, "Falando de amor" (de Tom) e "Dinheiro em penca", única parceria
de Tom Jobim com o poeta Cacaso. No ano seguinte, lançou o disco Miúcha, com
arranjos de João Donato e com a participações da filha Bebel (cantando na faixa
"Joujoux et Balangandans"), e de João Gilberto (violão em "All of me" e "O que
é, o que é").
Em 1989 a cantora lançou o disco Miúcha, no qual contou
com a participação do cantor e compositor cubano Pablo Milanés e em que gravou o
ainda pouco conhecido compositor Guinga. Seguiram os discos Rosa amarela
(1999), Vivendo Vinicius ao vivo - Baden Powell, Carlos Lyra, Miúcha e Toquinho
(1999), Miúcha, compositores (2002), Miúcha canta Vinicius & Vinicius -
Música e letra (2003), Outros sonhos (2007, dedicado a Tom Jobim, Chico
Buarque e Vinicius de Moraes), Miúcha com Vinícius/Tom/João (2008) e Miúcha
ao vivo no Paço Imperial (2015, com show gravado quinze anos antes).
Algumas das características marcantes da cantora eram seu sorriso permanente,
seu bom humor e sua capacidade de aproximar pessoas e promover parcerias. De
fato, aproximou artistas e fez parcerias com nomes fundamentais da MPB. Basta
citar o primeiro lançamento discográfico de Miúcha, o compacto em vinil com
quatro músicas, sendo duas de João Donato, uma com Caetano Veloso
(“Naturalmente”) e outra com Gilberto Gil (“Lugar Comum”). A cantora declarou em
uma entrevista ao jornal Folha de São Paulo, no ano passado, que “Minha vocação
é ser madrinha. Eu apresentei João Donato a Caetano e Gil. Conheci Donato nos
Estados Unidos. Quando Donato voltou, promovi um encontro lá em casa. Desse
encontro já saíram músicas pro meu disco. Caetano fez ‘Naturalmente’. Donato fez
‘Lugar Comum’, Gil botou a letra. Eu fui pra Bahia, voltei com a letra. Depois,
apresentei Chico a Guinga (compositor e violonista), que foi uma das grandes
surpresas musicais de minha vida”.
Miúcha morreu de parada
respiratória em 27 de dezembro de 2018, no Hospital Samaritano (Rio de Janeiro),
onde tratava de um câncer de pulmão. Embora não tenha alcançado o sucesso de
muitos de seus amigos e contemporâneos, foi figura central e atuante na cena
musical brasileira por décadas. No texto que escreveu no Instagram em sua
homenagem, o compositor Caetano Veloso destacou ocasiões em que Miúcha fez parte
da aproximação dele com figuras importantes da nossa música popular. Na primeira
vez, quando Caetano conheceu João Gilberto, então marido de Miúcha. Depois, “nos
aproximou de João Donato, com quem apareceu muitas vezes em meu apartamento na
avenida Delfim Moreira, no Leblon”. Caetano ainda lembra que “também foi com ela
que Tom Jobim foi umas vezes nos visitar”. O compositor Gilberto Gil também
lembrou da conexão com João Donato em seu Instagram: “Foi na casa dela que
conheci João Donato. Foi para ela que fiz, com Donato, a canção ‘Lugar Comum’.
Saudade danada dela! Miúcha de Bebel, de Chico, de todos os irmãos, da mãe, do
pai, de todo mundo, e também de João Gilberto.”
Miúcha partiu, deixando muitas
saudades.
Cândido Luiz de Lima Fernandes é economista e professor universitário em
Belo Horizonte; email:
candidofernandes@hotmail.com

Direção e Editoria
IRENE SERRA
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