Ano 22 - Semana 1.109

 

 

 
ARQUIVO de MÚSICA




16 de janeiro, 2019


Miúcha

(1937-2018)

 


Cândido Luiz de Lima Fernandes


O ano de 2018 terminou nos levando, nos seus últimos dias, a cantora Miúcha. Miúcha era o apelido de Heloisa Maria Buarque de Holanda, nascida no Rio, filha do historiador e jornalista Sérgio Buarque de Holanda e da pintora e pianista Maria Amélia Cesário Alvim. Sua família mudou-se para São Paulo quando tinha oito anos. Começou a cantar ainda criança, vindo a formar um conjunto vocal com seus irmãos — Chico, inclusive. Também começou cedo a transitar entre nomes importantes da música popular brasileira. Em reuniões musicais promovidas em casa, seu pai recebia artistas como Dorival Caymmi e Vinicius de Moraes. Segundo a cantora, Vinicius foi o responsável por despertar sua paixão pela música: “Ele me deu os primeiros desenhos de violão”.

Nos anos 60, foi estudar História da Arte na França, onde começou a fazer apresentações musicais, estendendo-as posteriormente para outros países da da Europa. Em Roma, no bar La Candelária, conheceu a cantora chilena Violeta Parra, que a apresentou a João Gilberto, com quem se casou. Eles foram morar em Nova York, onde tiveram a filha Bebel e ficaram casados durante oito anos. Ainda criança, Bebel acompanhava a mãe em apresentações e gravações (como em “O que quer dizer”).

Entretanto, Miúcha iniciou de fato a carreira artística em 1975, cantando no disco de João Gilberto e do saxofonista americano Stan Getz, intitulado "The best of two worlds". Ainda naquele ano, apresentou-se no Newport Jazz Festival, fez shows com Stan Getz e participou da faixa "Boto", do LP "Urubu", de Tom Jobim. Em 1977 Miúcha fez parceria com o maestro no LP "Miúcha e Antonio Carlos Jobim", que se destacou pelas faixas "Maninha" (composta especialmente para ela por Chico Buarque), "Pela luz dos olhos teus" e "Vai levando". Segundo relata uma revista da época, a parceria com Tom Jobim foi iniciativa da cantora: “Um dia, Miúcha juntou toda a coragem que tinha e foi à casa de seu maior ídolo: Antonio Carlos Jobim. Ela queria uma música, um arranjo — uma ajuda, enfim — para um disco que iria gravar. Entusiasmado Tom resolveu gravar o LP junto com a cantora”, diz o texto da publicação.

Ainda em 1977 Miúcha participou do musical "Os Saltimbancos", adaptado para o Brasil por Chico, interpretando a Galinha, com a filha Bebel no coro infantil. Após este lançamento, fez parte, no mesmo ano, do famoso espetáculo organizado por Aloysio de Oliveira junto com Vinicius de Moraes, Tom Jobim e Toquinho. Este espetáculo ficou um ano em cartaz no Canecão, Rio de Janeiro, seguindo depois para apresentações internacionais na América do Sul e na Europa e dando origem à gravação do disco Tom/Vinícius/ Toquinho/ Miúcha, gravado ao vivo no Canecão (1977).

Em 1979 a cantora gravou outro disco com Tom, o LP Miúcha & Tom Jobim, que trouxe as faixas "Triste alegria", de sua autoria, "Falando de amor" (de Tom) e "Dinheiro em penca", única parceria de Tom Jobim com o poeta Cacaso. No ano seguinte, lançou o disco Miúcha, com arranjos de João Donato e com a participações da filha Bebel (cantando na faixa "Joujoux et Balangandans"), e de João Gilberto (violão em "All of me" e "O que é, o que é").

Em 1989 a cantora lançou o disco Miúcha, no qual contou com a participação do cantor e compositor cubano Pablo Milanés e em que gravou o ainda pouco conhecido compositor Guinga. Seguiram os discos Rosa amarela (1999), Vivendo Vinicius ao vivo - Baden Powell, Carlos Lyra, Miúcha e Toquinho (1999), Miúcha, compositores (2002), Miúcha canta Vinicius & Vinicius - Música e letra (2003), Outros sonhos (2007, dedicado a Tom Jobim, Chico Buarque e Vinicius de Moraes), Miúcha com Vinícius/Tom/João (2008) e Miúcha ao vivo no Paço Imperial (2015, com show gravado quinze anos antes).

Algumas das características marcantes da cantora eram seu sorriso permanente, seu bom humor e sua capacidade de aproximar pessoas e promover parcerias. De fato, aproximou artistas e fez parcerias com nomes fundamentais da MPB. Basta citar o primeiro lançamento discográfico de Miúcha, o compacto em vinil com quatro músicas, sendo duas de João Donato, uma com Caetano Veloso (“Naturalmente”) e outra com Gilberto Gil (“Lugar Comum”). A cantora declarou em uma entrevista ao jornal Folha de São Paulo, no ano passado, que “Minha vocação é ser madrinha. Eu apresentei João Donato a Caetano e Gil. Conheci Donato nos Estados Unidos. Quando Donato voltou, promovi um encontro lá em casa. Desse encontro já saíram músicas pro meu disco. Caetano fez ‘Naturalmente’. Donato fez ‘Lugar Comum’, Gil botou a letra. Eu fui pra Bahia, voltei com a letra. Depois, apresentei Chico a Guinga (compositor e violonista), que foi uma das grandes surpresas musicais de minha vida”.

Miúcha morreu de parada respiratória em 27 de dezembro de 2018, no Hospital Samaritano (Rio de Janeiro), onde tratava de um câncer de pulmão. Embora não tenha alcançado o sucesso de muitos de seus amigos e contemporâneos, foi figura central e atuante na cena musical brasileira por décadas. No texto que escreveu no Instagram em sua homenagem, o compositor Caetano Veloso destacou ocasiões em que Miúcha fez parte da aproximação dele com figuras importantes da nossa música popular. Na primeira vez, quando Caetano conheceu João Gilberto, então marido de Miúcha. Depois, “nos aproximou de João Donato, com quem apareceu muitas vezes em meu apartamento na avenida Delfim Moreira, no Leblon”. Caetano ainda lembra que “também foi com ela que Tom Jobim foi umas vezes nos visitar”. O compositor Gilberto Gil também lembrou da conexão com João Donato em seu Instagram: “Foi na casa dela que conheci João Donato. Foi para ela que fiz, com Donato, a canção ‘Lugar Comum’. Saudade danada dela! Miúcha de Bebel, de Chico, de todos os irmãos, da mãe, do pai, de todo mundo, e também de João Gilberto.”

Miúcha partiu, deixando muitas saudades.

 

Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email: candidofernandes@hotmail.com






 

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