GRANDES CANTORAS DA MPB (3):
NARA LEÃO
Cândido Luiz de Lima Fernandes
Nara Lofego Leão
(1942-1989) foi uma das mais virtuosas cantoras do Brasil, tendo sido
fundamental a sua contribuição para o lançamento de novos estilos e novos
compositores na história da música popular brasileira.
No início da
década de 60, Nara e seus amigos começaram a se reunir em seu apartamento da
Avenida Atlântica, em Copacabana, para buscar novos ritmos e fazer uma música
diferente. Sua casa tornou-se o ponto de encontro de artistas como Roberto
Menescal, Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli e João Gilberto, que, juntamente com
outros grandes nomes da música brasileira, criaram a Bossa Nova. Ela própria já
tinha se tornado uma das principais cantoras no estilo.
Sua imagem
delicada ganhou novos e surpreendentes contornos. Em 1964 Nara Leão se afasta da
Bossa Nova, surpreendendo ao interpretar sambistas do morro, como Zé Kéti,
Cartola e Nélson Cavaquinho, no seu disco de estréia, “Nara”. Neste ano lança
também “Opinião de Nara” e, em 1965, “Manhã de liberdade”. A partir daí,
popularizou-se como a mulher corajosa, ícone da juventude brasileira engajada
contra a ditadura nos anos 60. Foi a estrela do show “Opinião”, ao lado de João
do Vale e Zé Kéti, um dos mais aclamados da MPB. Só teve que sair por problemas
de saúde, escolhendo para substituí-la a então desconhecida cantora baiana Maria
Bethânia, que, logo após, estourou nas paradas de sucesso com a música
“Carcará”, marco inicial de sua brilhante carreira. Depois de “Opinião”, Nara
estreou o espetáculo “Liberdade, Liberdade”, que foi censurado após pouco tempo
em cartaz.
Ao interpretar “A Banda”, de Chico Buarque, Nara ganhou o 2°
Festival de Música Popular Brasileira, em 1966, tornando-se bastante conhecida
em todo o território nacional e dando um impulso fundamental à carreira do
principiante compositor, do qual se tornou uma mais consagradas intérpretes.
Em 1967 surpreendeu novamente ao integrar o movimento tropicalista de
Caetano Veloso e Gilberto Gil, participando do disco-manifesto do movimento,
“Tropicália ou Panis et Circensis”, como intérprete de “Lindonéia”, de autoria
de Caetano.
Entre 1967 e 1969 lançou os discos “Vento de maio (1967),
“Nara” (1967), “Nara” (1968) e “Coisas do mundo” (1969).
Cantora de
profundo bom-gosto e à frente de seu tempo, Nara lançou vários compositores e
inúmeras músicas ganharam fama em sua voz, como "Pedro pedreiro", "Olê, olá",
“Quem te viu e quem te vê” e “Com açúcar e com afeto (de Chico Buarque); "Maria
Moita" e “Marcha da quarta-feira de Cinzas” (de Carlos Lyra / Vinicius de
Morais); "Corisco" (de Sérgio Ricardo/ Gláuber Rocha); "Esse mundo é meu" (de
Sérgio Ricardo; "Maria Joana", "Pede passagem", “A estrada e o violeiro” e “O
circo” (de Sidney Miller); "Recado" (de Casquinha/ Paulinho da Viola), "Coisas
do Mundo, minha nega" (de Paulinho da Viola), "João e Maria" (de Sivuca / Chico
Buarque), "Apanhei-te, cavaquinho" (de Ernesto Nazareth), além de praticamente
todos os clássicos da Bossa Nova. Sua visão definitiva da Bossa Nova está
registrada no antológico disco “Dez anos depois”, gravado em Paris, quando ali
residiu, então casada com o cineasta Cacá Diegues, o qual foi lançado no Brasil
em 1971. Após passar três anos em Paris, onde nasceu sua primeira filha,
Isabel, Nara retornou ao Brasil e teve o seu segundo filho, Francisco,
refugiando-se dos holofotes. Durante um tempo, cuidou de sua vida particular, da
criação dos filhos e foi estudar Psicologia na PUC-RJ. Neste período lançou, em
1975, um disco lindo, “Meu primeiro amor”, produzido por seu amigo de juventude
Roberto Menescal, em que gravou as canções que tocava ao violão para seus filhos
pequenos.
Em 1977, após o período dedicado aos seus estudos de psicologia
e aos filhos, Nara retorna ao universo da música popular, gravando o disco “Meus
amigos são um barato”, interpretando canções de alguns de seus amigos da Bossa
Nova, como Tom Jobim, João Donato, Menescal e Bôscoli, amigos compositores, como
Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano Veloso e Edu Lobo e novos amigos, como
Dominguinhos e Sivuca.
Em 1978 surpreende mais uma vez, ao fazer as
pazes com a Jovem Guarda. Lança o disco “E que tudo mais vá para o inferno”,
dedicado inteiramente à obra de Roberto e Erasmo Carlos, em que, em vez de
guitarras elétricas, se faz acompanhar por violões e cavaquinhos de um grupo de
choro do Rio de Janeiro, que trazia entre seus componentes os muito jovens
violonistas Raphael Rabelo e Maurício Carrilho e a cavaquinista Luciana Rabelo.
Foi no ano de 1979 que Nara descobre os problemas de saúde que irão se
agravar nos dez anos seguintes, fazendo-a partir tão precocemente. Lutando
contra o câncer, Nara deu prosseguimento à carreira, fazendo shows, turnês e
gravando vários discos.
Em 1980 lança o disco “Com açúcar e com afeto”,
que, assim como o disco anterior, era todo dedicado ao repertório de um
compositor, desta vez seu grande amigo Chico Buarque.
Em 1981 grava
“Romance Popular”, feito em parceria com Fagner e Fausto Nilo. Além desses
compositores, o LP conta com participações de músicos como Robertinho do Recife
e Geraldo Azevedo e arranjos de músicos como seu amigo Menescal, Oberdan,
Lincoln Olivetti e Eduardo Souto Neto.
Em 1982 lança “Nasci para bailar”,
com as excelentes interpretações de “Luz do sol” (Caetano Veloso), “Supõe” e
“Imagina só” (do cubano Sílvio Rodriguez, com versão de Chico Buarque) e
“Maravilha curativa” (Miltinho e Kleiton Ramil).
Em 1983 é a vez de ”Meu
samba encabulado”, gravado em parceria com a Camerata Carioca, Paulo Moura e os
ritmistas Bira, Ubirani e Joviano, do Cacique de Ramos. O disco tem o repertório
todo dedicado ao samba, com novos e antigos compositores do gênero.
Em
1984 lança o disco “Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim”, produzido por
Roberto Menescal, com arranjos e participação do pianista César Camargo Mariano.
Este disco marca o novo retorno de Nara ao repertório da Bossa Nova.
Em
1985 Nara faz uma bem sucedida mini-temporada de voz e violão na boate People,
no Rio de Janeiro. Grava, novamente com Roberto Menescal, dessa vez tocando
violão, mais um disco com o repertório relacionado à Bossa Nova e outros
estilos: “Um cantinho e um violão”, que foi bem recebido pela crítica e pelo
público. Ainda neste ano, recebe convites para apresentações no exterior, em
Paris e em várias cidades de Portugal e do Japão. As apresentações em cidades
japonesas foram acompanhadas por Roberto Menescal e a Camerata Carioca. A viagem
ao Japão ainda rende a produção do primeiro Compact Disc (CD) de um artista
brasileiro. Gravado durante o mês de junho na Polygram do Japão e com o
repertório todo dedicado à Bossa Nova, o título escolhido foi “Garota de
Ipanema”. O CD foi lançado no Brasil em 1986.
Em 1987 lança “Meus sonhos
dourados”, com versões de clássicos norte-americanos (algumas feitas por ela),
como “Moonlight serenade”, “Tea for two”, “Misty”, “As time goes by” e “What’s
new”. No ano seguinte, elabora e divide com Nelson Motta uma nova série de
versões de músicas norte-americanas (“My funny Valentine”, “But not for me”,
“Smoke gets in your eyes”, “Summertime”, “Night and day”, “Someone to watch over
me”, dentre outras) em seu último disco de carreira, encomendado pela Polygram
do Japão e intitulado “My foolish heart”. A versão de “My foolish heart”,
batizada de “Descansa, coração”, soa como um canto de despedida: “Descansa,
coração, e bate em paz”. Seu último show ocorreu em março de 1989, no Iate Clube
de Belém do Pará. Aos 47 anos, na manhã de 7 de junho de 1989, Nara veio a
falecer na Casa de Saúde São José, no Rio de Janeiro, devido a um tumor
inoperável no cérebro.
Sou fã incondicional de Nara Leão. Tenho todos os
LPs, compactos simples e duplos e CDs que ela gravou e não me canso de
escutá-los. Admirava sua simplicidade e sua simpatia. Tive oportunidade de
assistir a muitas de suas apresentações em teatro e de conversar com ela e
guardo até hoje os autógrafos que me concedeu em discos e programas de shows.
Com sua voz aguda e frágil, sua coragem e independência, seu bom gosto na
escolha do repertório e sua importância na descoberta de novos compositores,
Nara ocupa um lugar de destaque na história da música popular brasileira.
Cândido Luiz de Lima Fernandes é economista e professor universitário em
Belo Horizonte; email:
candidofernandes@hotmail.com

Direção e Editoria
IRENE SERRA
irene@riototal.com.br
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