Canto Guerreiro -
Levantados do Chão:
o maravilhoso CD de Renato Braz

Cândido Luiz de Lima Fernandes
Como já havia comentado em crônica anterior, o cantor paulista Renato Braz é
dono de uma das vozes mais bonitas do Brasil. Comemorando os seus 50 anos,
lançou recentemente, no Auditório do Ibirapuera, em São Paulo, o belíssimo e
comovente CD “Canto Guerreiro – Levantados do Chão”, produção independente com
um repertório poético e apurado de 17 lindas canções. Neste CD, Renato conta com
a participação de Chico Buarque, Milton Nascimento, Gilberto Gil e Miúcha, além
de grandes instrumentistas, como Dori Caymmi, Cristóvão Bastos, Jurim Moreira,
Jamil Joanes, Alceu Reis, Eduardo Gudin, Guinga, Nelson Ayres, Alice Passos,
Mario Gil, o saxofonista norte-americano Paul Winter, Sergio Valdeos e outros.
A primeira música, “Levantados do Chão”, composta por Milton Nascimento e
Chico Buarque por ocasião do lançamento do livro Terra, de
Sebastião Salgado, é
interpretada de forma surpreendente pelo cantor. Renato canta dobrando a própria
voz, acompanhado pelo piano de Cristóvão Bastos, pela bateria de Jurim Moreira,
pelo contrabaixo de Jamil Joanes e pelo violoncelo de Alceu Reis.
A
segunda música, “Canto Guerreiro”, de Luciana Rabello e Paulo César Pinheiro, é
um hino à vida, com Renato cantando: ”Vai, toda dor vai desaparecer/ E aí
ninguém mais vai chorar”. Acompanham-lhe Eduardo Gudin ao violão, Paulino Dias
nos atabaques, Paulo Graissmann nos tamborins e Bré na percussão.
A
terceira música é de arrepiar: a versão de “Sonho Impossível”, de Chico Buarque
e Ruy Guerra, feita em 1972. A canção original, “The Impossible Dream”, de Joe
Darion e Mitch Leigh, foi composta para o musical “O Homem de La Mancha”, que
recebeu a versão francesa “La Quête”, de Jacques Brel, em 1968. Chico Buarque
interpreta esta bela canção num francês impecável e, em seguida entram Renato,
Chico e Milton Nascimento cantando juntos a versão brasileira, acompanhados pelo
violão de Dori Caymmi e pelos violoncelos de Vana Bock, Mariana Amaral, Bob
Suetholz e Julio Ortiz. Impossível não se emocionar com os versos finais: ”E
assim, seja lá como for/Vai ter fim a infinita aflição/E o mundo vai ver uma
flor/Brotar do impossível chão”.
A quarta
música é “Pajé”, de Mário Gil e Paulo César Pinheiro, em que Renato Braz toca
moringa e canta acompanhado por Mário Gil ao violão, Rodrigo Ursala na flauta,
Zé Alexandre Carvalho no contrabaixo e Guello na percussão.
A quinta
música, “Longe de Casa Eu Choro” é um belíssimo samba, pouco conhecido, de
Eduardo Gudin e Paulo Vanzolini, em que Renato se faz acompanhar de Eduardo
Gudin ao violão, Cezinha Oliveira no contrabaixo, Bré na percussão, Nailor
Proveta no clarinete, Alice Passos na flauta e Vânia Bock e Julio Ortiz no
violoncelo.
A sexta música é arrebatadora: o clássico “Ne me quitte
pas”, do belga Jacques Brel , que, além do autor, foi gravada por grandes
intérpretes como Nina Simone e a nossa saudosa Maysa. Renato canta
maravilhosamente, ao lado de Miúcha, sendo acompanhados por Cristóvão Bastos ao
piano, Jurim Moreira na bateria, Jamil Joanes no contrabaixo e Alceu Reis no
violoncelo. Para mim, esta é uma das mais belas canções de amor de todos os
tempos.
Introduzindo a oitava música, Paul Winter apresenta a sétima
faixa tocando saxofone em “Sun Singer”, de sua autoria. Na faixa seguinte,
Renato arrasa cantando “Cálice, de Gilberto Gil e Chico Buarque, ao lado do
próprio Chico, de Milton Nascimento, Mário Gil, Roberto Leão e Breno Ruiz, com
Paul Winter no saxofone, Breno Ruiz no piano e Mário Gil ao violão. Nas
apresentações que fez no Auditório do Ibirapuera, nos dias 19 e 20 de outubro,
Renato pediu que apagassem as luzes e cantou “Cálice” no escuro: ”Pai, afasta de
mim este cálice de vinho tinto de sangue”. Na gravação original de Chico e
Milton ouve-se o MPB-4, com seu coro uníssono entrecortando com “Cale-se!”.
Nesta também se ouve o “Cale-se” nas vozes dos cinco cantores.
Na nona
música, a deliciosa “Xote”, de Rodolfo Stroeter e Gilberto Gil, Renato canta e
toca triângulo, acompanhado da zabumba de Zezinho Pitoco, do piano elétrico de
Nelson Ayres e do contrabaixo do co-autor, Rodolfo Stroeter.
Nas faixas
10 e 11 Renato canta duas músicas que são parcerias do grande letrista Paulo
César Pinheiro, “Cordão”, com Breno Ruiz e “Pesadelo”, com Maurício Tapajós. Em
“Condão”, Renato canta acompanhado de três lindas vozes femininas: Alessandra
Vilhena, Alice Passos e Karine Telles e dos violões de Sergio Valdeos, Carlos
Chaves, Marcos Alves e Paulo Aragão. “Pesadelo” já era conhecida pela
impressionante interpretação do MPB-4 e renasce na voz de Renato, tocando violão
e fazendo percussão, ao lado de Eduardo Gudin ao violão e Mário Gil no “drum
samples”. Só para lembrar alguns de seus versos contundentes: “Quando um muro
separa uma ponte une/Se a vingança encara, o remorso pune/Você vem, me agarra,
alguém vem me solta/Você vai na marra, ela um dia volta”. Ou “Você corta um
verso, eu escrevo outro/ Você me prende vivo, eu escapo morto/de repente, olha
eu novo/Perturbando a paz, exigindo troco.” Ao final, Safa Jubran declama em
árabe o poema “Nós vos pedimos com insistência”, de Bertold Brecht: ”Nós vos
pedimos com insistência/Não digam nunca:/Isto é natural!/Diante dos
acontecimentos de cada dia/Numa época em que reina a confusão/Em que corre o
sangue/Em que o arbitrário tem força de lei/Em que a humanidade se
desumaniza/Não digam nunca:/Isto é natural! Para que nada/Possa ser imutável”.
Uma reflexão para o mundo atual e o Brasil de hoje...
A décima segunda
faixa é muito emocionante. Trata-se de “Un vestido y un amor”, de autoria de
Fito Paez, expoente da música e da cultura argentina e latino-americana. Esta
música foi gravada pelo autor em 1992, por Caetano Veloso em 1994, no álbum
“Fina Estampa”, e por Mercedes Sosa em 1995. Acompanhado apenas de Sergio
Valdeos ao violão, Renato canta tão lindamente este canção de amor, que as
lágrimas vêm aos olhos.
A décima terceira música é de autoria de Gilberto
Gil, “O Fim da História”, cujos versos dizem: “É como se o livro dos tempos
pude/Ser lido trás pra frente, frente pra trás/Vem a História, escreve um
capítulo/Cujo título pode ser ”Nunca mais”/Vem o tempo e elege outra história,
que escreve/ Outra parte, que se chama Nunca é demais/ (...) Quantos muros
ergam/Como o de Berlim/Por mais que perdurem/Sempre terão fim” . Não é preciso
dizer mais nada. Renato canta com Gilberto Gil, ao som dos violões de ambos.
A seguir vem “Meu pai” de Guinga, em que o autor acompanha ao violão o canto
de Renato, juntamente com Nailor Proveta no clarinete.Logo depois “Desafio”,
outra parceria de Paulo César Pinheiro, agora com o grande Dori Caymmi. Renato
canta e toca agogô, acompanhado pela voz e violões de Dori, pela viola de Ivan
Vilela, pelo acordeon de Toninho Ferragutti, pelo ganzá de Bré e pelos
violoncelos de Vana Bock e Julio Ortiz.
A décima sexta música é “Depressa
a vida passa”, de Fred Martins e Marcelo Diniz, sobre o ritmo e a brevidade da
vida: “Depressa a vida passa, mal se sente/E tudo já parece diferente/O que doeu
um dia hoje dormente/O amanhã não se lembra do presente”. Renata canta
acompanhado por Itamar Assiere no piano, Edson Alves no contrabaixo e Vana Bock
e Julio Ortiz nos violoncelos.
Para fechar o repertório, “Blackbird” de
Lennon e McCartney, é interpretada por Antonio Garfunkel Braz, filho de Renato,
com piano de Itamar Assiere e o violão requinto de Renato Braz. Seus versos
ecoam: “Blackbird fly/Blackbird fly/Into the light of the dark black night”.
Terminam com: “You were only waiting for this moment to be free”.
Com
simplicidade majestosa, o CD dirigido por Mario Gil e Braz tem um repertório no
qual se mesclam os sonhos impossíveis, a utopia, o amor, a esperança de um mundo
melhor e a luta pela liberdade de expressão. Ou simplesmente de ser.
Recomendo aos leitores adquirirem-no com urgência. É imperdível. Como escreveu em
sua coluna Aquiles Reis, vocalista do MPB-4, Renato é dessas vozes que “derrubam
muros e constroem elos”. Como trata-se de produção independente, talvez seja
difícil encontrar o CD nas lojas. Fica uma dica: comprei o meu pela internet em
www.popsdiscos.com.br . Veio pelo correio e chegou rapidinho.
Cândido Luiz de Lima Fernandes é economista e professor universitário em
Belo Horizonte; email:
candidofernandes@hotmail.com

Direção e Editoria
IRENE SERRA
irene@riototal.com.br
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