SÉRIE GRANDES CANTORAS DA
MPB (1):
ELIS REGINA

Cândido Luiz de Lima Fernandes
O dia 19 de janeiro de
1982 foi um dos mais tristes da minha vida. Liguei a TV por volta do meio-dia e
me deparei com a notícia da morte, aos 36 anos, daquela que, por sua competência
vocal, musicalidade, sensibilidade e presença de palco, é considerada a maior
cantora brasileira de todos os tempos, comparada a Ella Fitzgerald, Sarah
Vaughan e Billie Holiday: Elis Regina de Carvalho Costa, ou simplesmente Elis. O
impacto de sua morte prematura, no auge de uma carreira gloriosa, foi tão grande
que passei anos sem conseguir escutar seus discos. Só voltei a fazê-lo muito
tempo depois e ainda hoje me emociono com a beleza e a força de sua
interpretação.
Como seu ardoso fã, tenho tudo que Elis gravou e
tive oportunidade de assistir a todos os seus shows. A primeira vez que a vi na
TV tinha apenas 14 anos e me emocionei com a sua interpretação arrebatadora de
“Arrastão”, de Vinicius de Moraes e Edu Lobo, no festival de MPB da TV
Excelsior, em 1965. O título de melhor intérprete do festival lhe garantiria o
convite para atuar na televisão, conquistando, pouco tempo depois, o status de
primeira estrela da canção popular brasileira, quando passou a comandar, ao lado
de Jair Rodrigues, o mais importante programa de música popular brasileira: “O
Fino da Bossa”. Em Belo Horizonte este programa era transmitido às sextas à
noite e eu passava a semana inteira aguardando-o. Não perdi nenhum e ficava
extasiado ao vê-la cantar e apresentar grandes nomes de nossa música popular.
O primeiro disco de Elis que adquiri foi “Samba - eu canto assim” , de 1965
e me arrepiava ouvindo-a interpretar “Por um amor maior”, de Francis Hime e Ruy
Guerra. Depois vieram os três álbuns “Dois na bossa “, com Jair Rodrigues e seus
famosos pot-pourris. Um dos grandes sucessos dessa época e ao longo de toda a
carreira de Elis Regina foi a canção “Upa neguinho”, de Edu Lobo e Gianfrancesco
Guarnieri, que fez parte do musical “ Arena conta Zumbi”, dirigido por Augusto
Boal, em 1965. Na década de 60 teve destaque o lançamento dos discos “ O Fino do
Fino” (1965); “Elis” (1966), onde se pode ouvir a linda interpretação de
“Carinhoso”, de Pixinguinha; “Elis como e porque” (1969), em que canta de modo
bastante original “Aquarela do Brasil” (de Ary Barroso)/Nega do Cabelo
Duro”(David Nasser e Rubens Soares); “Elis in London” (1969) e “Elis em Pleno
Verão “ (1970), com a pungente interpretação de “As curvas da estrada de
Santos”, de Roberto e Erasmo Carlos . Em 1967 obteve mais uma vitoriosa
participação no III Festival de Música Popular Brasileira (TV Record), com “O
cantador” (de Dori Caymmi e Nelson Motta), classificando-se para a finalíssima e
reconhecida com o prêmio de Melhor Intérprete.
Em 1968, uma viagem à
Europa lança a cantora no eixo musical internacional, tendo conquistado grande
sucesso, principalmente no Olympia de Paris, onde se tornou a primeira artista a
se apresentar duas vezes num mesmo ano, naquela que é a mais antiga sala de
espetáculos musicais de Paris. Em 1969, gravou “Aquarela do Brasil” em
Estocolmo, com o gaitista belga Toots Thielemans.
Na década de 70 Elis
lançou 10 LPs, dentre os quais destaco “Elis” (1972), com a emocionante
interpretação de “Atrás da porta”, de Francis Hime e Chico Buarque; “Elis e Tom”
(1974), em que registrou as mais belas músicas daquele que é considerado o maior
compositor brasileiro, Tom Jobim (este disco é considerado um dos melhores da
história da música popular brasileira); “Falso Brilhante” (1976), em que revelou
Belchior em “Como nossos pais” e “Velha roupa colorida” e canta sublimemente
“Gracias a la vida” (de Violeta Parra), “Fascinação” (versão da música de
Féraudy e Marchetti) e “Tatuagem” (de Chico Buarque); “Elis” (1977), com as
belíssimas ”Morro Velho” (de Milton Nascimento), “Romaria” e “Sentimental eu
fico”, ambas de Renato Teixeira; “Transversal do tempo” (1978), em que
interpreta “Saudosa maloca”, de Adoniran Barbosa, “Construção”e “Deus lhe pague”
(de Chico Buarque), “Sinal Fechado” (de Paulinho da Viola) e “Querelas do
Brasil” (de Maurício Tapajós e Aldir Blanc). Na década de 70, destacaram-se seus
grandiosos shows, como o espetáculo “Falso Brilhante”, de 1975 , que mais tarde
originou um disco homônimo e atingiu enorme sucesso, ficando mais de um ano em
cartaz, com quase 300 apresentações. Lendário, tornou-se um dos mais bem
sucedidos espetáculos da história da música brasileira e um marco definitivo da
carreira. Ainda teve grande êxito com o espetáculo “Transversal do Tempo”, em
1978, de um clima extremamente político e tenso; o “Essa Mulher” em 1979,
direção de Oswaldo Mendes, que estreou no Anhembi em São Paulo e excursionou
pelo Brasil no lançamento do disco homônimo; o “Saudades do Brasil”,
apresentado no Canecão, no Rio de Janeiro em 1980, sucesso de crítica e público
pela originalidade, tanto nas canções como “Canção da América” (de Milton
Nascimento e Fernando Brant e “As Aparências Enganam” (de Tunai e Sérgio
Natureza) quanto nos números com dançarinos amadores, direção de Ademar Guerra e
coreografia de Márika Gidali (Ballet Stagium). Seu último show foi “Trem Azul”,
de 1981, ao qual tive o privilégio de assistir no Palácio das Artes, em Belo
Horizonte.
Elis era engajada politicamente, tendo participado de uma
série de movimentos de renovação política e cultural brasileira, com voz ativa
da campanha pela volta de exilados brasileiros. O despertar de uma postura
artística engajada e com excelente repercussão acompanharia a sua carreira, com
interpretações consagradas, como a de “O bêbado e a equilibrista” (João Bosco e
Aldir Blanc), que acabou se tornando o hino da Anistia.
Em 1980, gravou
o disco “Elis”, onde se destaca a impressionante interpretação de “Se eu quiser
falar com Deus”, de Gilberto Gil . Posteriormente à sua morte, foram lançados os
discos “ Trem Azul”, em 1982; ”Luz das Estrelas (1984), “Elis ao Vivo” (1995) e
“Elis Vive” (1998).
Elis teve um papel importantíssimo na divulgação da
música popular brasileira e foi responsável pelo lançamento de grandes
compositores até então desconhecidos, como Milton Nascimento, Renato Teixeira,
Tim Maia, Gilberto Gil, João Bosco e Aldir Blanc e Sueli Costa.
A técnica
e o domínio vocal aliados a uma enorme sensiblidade tornam insuperáveis as
interpretações de Elis. Se vocês não têm seus discos e cds, ouçam-nas nas
plataformas digitais. É algo indescritível. Fico triste ao constatar como
atualmente as rádios brasileiras tocam muito pouco suas belíssimas gravações.
Para quem quiser saber mais sobre sua vida e obra, indico os livros “Furacão
Elis”, de Regina Echeverria, “Elis”, de Arthur de Faria e “Elis Regina – Nada
será como antes “, de Júlio Maria.
Elis é hoje uma estrela de primeira
grandeza a brilhar no céu e vive em nossos corações.
Cândido Luiz de Lima Fernandes é economista e professor universitário em
Belo Horizonte; email:
candidofernandes@hotmail.com

Direção e Editoria
IRENE SERRA
irene@riototal.com.br
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