Pitis históricos de alguns artistas famosos da MPB
Cândido Luiz de Lima Fernandes
Maria Bethânia
Um dos pitis mais impressionantes da
história da MPB se deu em 15 de março de 2025. A bronca de Maria Bethânia no
palco da Farmasi Arena – por conta de problemas de som durante a música “As
Canções que que Você Fez Pra Mim, de Roberto Carlos, na noite de sábado, 15 de
março, em seu show com Caetano Veloso, no Rio, embora a cantora talvez nem
soubesse, estava prestes a viralizar por meio de vídeos feitos aos montes, em
celulares de uma multidão que aguardava há meses por aquela apresentação.
Ela se irritou com o som. “Tudo errado aqui no som… Não dá para cantar com
esse som, não... Me respeitem! Não vou cantar com esse som…”. Depois disse, no
mesmo tom de revolta, que foi informada pelo maestro da troca indevida de seu
microfone. “O maestro está dizendo que trocaram meu microfone, para mim está um
horror. Não é absolutamente o som que eu estava cantando. Não é. Querem me
desafiar”. E se retirou do palco.
O piti em cena acabou tendo mais
repercussão do que a grande novidade da apresentação, “Uma baiana”, música
inédita de Caetano Veloso. A cantora tinha toda razão de reclamar de uma falha
técnica no som do espetáculo. Mas perdeu essa razão pela forma indelicada com
que se dirigiu aos músicos da banda (em especial a Lucas Nunes, diretor musical
do show) e à equipe técnica.
A questão é o tom autoritário e deselegante
com que a intérprete fez essa reclamação, diante do público, expondo todo mundo
a um constrangimento desnecessário. Esse comportamento contradisse a aura
majestosa que envolve a artista no imaginário nacional.
O tom imperativo
de Maria Bethânia é bem conhecido entre todos os que trabalham com a artista nos
palcos e nos estúdios de gravação. Nos bastidores, atribui-se esse temperamento
por vezes indócil a uma suposta falta de musicalidade da cantora. A despeito de
devorar o palco sempre que entra em cena, dona do dom de ser uma das maiores
intérpretes do mundo, Bethânia é tida no meio como uma cantora sem habilidade
para lidar com imprevistos. Qualquer falha em cena a deixaria extremamente
insegura, tensionando a relação com os músicos.
Teorias à parte, o
séquito da artista sabe que a irritação do show de sábado é recorrente na
trajetória de Bethânia nos palcos. Ex-maestro de Bethânia, Jaime Alem já lidou
muito com insatisfações da intérprete no palco. Só que, na apresentação do dia
15 de março, a cantora estava sob mais holofotes do que de costume. Era um
megashow feito em arena para um público que extrapolava o séquito da artista. O
descontentamento foi amplificado e, por mais que os seguidores da artista tendam
a relevar tais indelicadezas, alguma coisa soou muito fora da ordem no show de
sábado. E não foi a questão do som.
A nobreza de Maria Bethânia em cena
se opõe à indelicadeza evidenciada na bronca que roçou a arrogância no palco da
Farmasi Arena. A maior parte dos fãs da cantora pode até minimizar e/ou
justificar o piti por amor incondicional à artista, mas, desta vez, Maria
Bethânia não ficou bem na fita e nos vídeos que circulam nas redes sociais.
João Gilberto
João Gilberto ficou conhecido pelos
seus inúmeros pitis. Era extremamente exigente, perfeccionista e reclamão. Certa
vez, no programa “Noites de Gala”, João entrou em cena, esperou até ouvir o
zumbido de uma mosca e começou a cantar “O pato vinha cantando alegremente”
quando a plateia completou em uníssono: “quém, quém”!!! João se calou. Dardejou
um olhar sofrido e triste para a plateia por intermináveis segundos e foi
embora. Em outra ocasião, escalado para um show no Canecão, no Rio de Janeiro,
João passou a tarde e a noite no Canecão testando o som. A cervejaria tinha
péssima acústica e um sistema de som precário, que reberverava por toda a casa.
De madrugada, João desistiu. Cancelou o show e voltou para Nova York.
Muitos pitis ocorreram ao longo de sua carreira. Qualquer barulho na plateia,
qualquer defeito no ar condicionado o levavam a se retirar do palco e cancelar o
show. No final de sua vida, João Gilberto ficou extremamente debilitado e
cancelou vários shows por causa do seu estado de saúde. Geriatra e amigo de João
Gilberto, o médico Jorge Jamili afirma que o quadro de saúde do cantor piorou
com a proximidade das datas da turnê que iria fazer. Segundo o médico, “Há um
mecanismo psicossomático dessa pressão que faz com que ele fique debilitado,
debilitado mesmo, mais magro. Em todo idoso, as vias aéreas superiores e as
articulações são o que sentem primeiro. A coluna reclama. Não era um piti, era
real. Ele não era um excêntrico, um louco. Tinha problemas físicos, sentia muita
dor”. Afirma ainda que João Gilberto tinham duas hérnias na coluna, e ambas
doíam muito quando ele fazia shows, por causa da posição do violão e do
estresse.
Sérgio Ricardo
Sérgio Ricardo foi um cantor,
compositor e multiartista brasileiro que morreu em 2020. Ele ficou conhecido por
quebrar o violão durante uma apresentação no Festival da Record em 1967. Sua
música,” Beto Bom de Bola” levou uma vaia estrondosa enquanto se apresentava no
festival. Sérgio Ricardo interrompeu a apresentação, quebrou o violão e o
arremessou contra a plateia, motivado pelo som das vaias que o impediam de
executar a canção no palco, sendo eliminado da final após o incidente. O fato é
que a bela melodia tinha uma assimilação difícil e fez com que o público
preferisse canções mais fáceis como "Maria, Carnaval e Cinzas", de Roberto
Carlos. Seu grito desesperado, "Vocês não estão entendendo nada”, dá a entender
que ele estava tentando apontar para a importância das letras, nas quais se
expressava uma sutil e consciente mensagem: Beto Bom de Bola era um jogador de
futebol fictício que alcançou a glória vencendo a Copa pelo Brasil em um jogo
difícil, mas logo se tornou esquecido, solitário e quebrado. A segunda parte da
canção, em que se fala da nostalgia do jogador através de versos terminados em
-ura, rimando e chegando ao final da letra, em que se diz que "O mal também tem
cura", remetem a uma posição crítica contra a ditadura. Segundo Sérgio, as vaias
dadas a ele enquanto interpretava Beto Bom de Bola foram fruto de uma revolta
reprimida do povo em função da situação política da época. Sua atitude de
quebrar o violão teria sido, por outro lado, uma decisão de não bancar o
fantoche no meio daquela encenação.
Tim Maia
Tim Maia
tornou-se notável por não aparecer ou atrasar o início dos shows e,
frequentemente, reclamar da qualidade do áudio. Isso ocorria devido ao intenso
consumo de uísque, cocaína e maconha antes dos shows, que ele chamava de
"triátlon". Um caso muito engraçado foi quando ele ia fazer um show no Morro da
Urca no Rio de Janeiro. Quando soube que teria de ir de bondinho recusou-se a
subir e quis cancelar o show. Acabou subindo deitado no chão do bondinho, com as
mãos atadas.
Tim frequentemente faltava nos shows ou chegava atrasado,
algo que ocorreu até em sua última apresentação em vida, no Teatro Niterói. Em
uma apresentação em São Paulo, Tim Maia cantou bêbado e sem voz, além de chamar
Otávio Mesquita de Amaury Jr. O cantor era frequentemente chamado de "Síndico" —
apelido dado inicialmente por Jorge Ben Jor em "W/Brasil" — por ter virado
síndico do prédio em que morava. Durante as entrevistas, Maia fazia diversas
piadas com seus problemas de saúde, como quando ele comentou sobre sua
obesidade: “Fiz uma dieta rigorosa, cortei álcool, gorduras e açúcar. Em duas
semanas, perdi 14 dias”.
Em 1996, teve uma gangrena de Fournier, que foi
retirada por uma operação de emergência na Clínica São Vicente, no bairro da
Gávea. Em seus últimos anos de vida, Tim Maia lutava contra a obesidade e tinha
hipertensão, que o levou a uma crise em seu último show em Niterói. Após esta
apresentação, os médicos constataram que ele tinha problemas pulmonares,
metabólicos e de pressão. Também nessa época, foi descoberto que Tim Maia tinha
diabetes. Tim teve uma crise de hipertensão, foi levado para o Hospital
Universitário Antônio Pedro logo em seguida. Após uma semana internado, Tim Maia
morreu em 15 de março de 1998 em Niterói, aos 55 anos e com 140 quilos, devido a
uma infecção generalizada.
Ed Motta
Ed Motta é um músico que
toca MPB, rock, soul, funk e jazz. A Rolling Stone Brasil reconheceu a sua voz
como a 39ª Maior Voz da Música Brasileira.
Ed Motta se envolveu em
polêmicas, como quando xingou e demitiu um funcionário no festival Rock The
Mountain, em Itaipava, na Região Serrana do Rio de Janeiro. “Você está fora,
cara. Eu tinha falado que você ia ficar, mas este é o último show que você faz”,
disse o sobrinho de Tim Maia. O funcionário até tentou se aproximar do cantor,
mas foi repreendido por Ed Motta, que interrompeu a própria performance para
dizer: “Sai de perto de mim, sai de perto”. No momento das ofensas, o público
presente no show se manifestou e vaiou o cantor. A cena viralizou nas redes
sociais e irritou os internautas.
Em um longo vídeo postado nas redes
sociais, Motta explicou as razões por que acha que as pessoas o perseguem
enquanto batem palma para o comportamento de Bethânia no palco.
“Presenciei
uma famosa cantora da música brasileira com um problema no palco que é
recorrente na carreira dela e é sabido a forma como ela trata os músicos e os
colaboradores”, disse Motta. “Eu tive um problema infeliz com uma pessoa que não
era meu funcionário e estava em teste e cometeu um erro crasso durante o meu
concerto. O fato de eu reclamar me faz pagar um preço na minha vida que não
para. As pessoas me perseguem”, continuou. “É absolutamente nojento e covarde o
tratamento que me é dirigido”, afirmou. “A plateia aplaude: ‘maravilhosa,
necessária!’ Uma pessoa que não sabe tocar em piano, não sabe harmonia, não
estudou música, nada…”.
Caetano Velloso
O ano de 1968 foi
bastante movimentado para Caetano Veloso. Naquele ano, o músico lançou seu
primeiro LP individual, intitulado "Caetano Veloso", além do LP coletivo
"Tropicália". Um dos fatos mais marcantes de sua carreira também aconteceu neste
período: vestido com roupas "peculiares", ele apresentou "É proibido proibir" no
Tuca (Teatro da PUC-SP) e discursou sobre o conservadorismo do público, que o
vaiava.
A música 'É Proibido Proibir', composta e interpretada por
Caetano Veloso, é um marco do movimento tropicalista e um hino de contestação à
repressão vivida durante a ditadura militar no Brasil. A letra é um manifesto
contra a censura e a limitação da liberdade de expressão, elementos fortemente
presentes no contexto político da época em que foi lançada, no final dos anos
60.
A expressão que dá título à canção, 'É proibido proibir', é uma clara
referência ao espírito de contracultura e liberdade que permeava os movimentos
jovens daquele período, inspirada também pelos protestos de maio de 1968 na
França. Caetano utiliza imagens como “a mãe da virgem diz que não” e “o anúncio
da televisão” para criticar a moral conservadora e a manipulação midiática. A
repetição enfática do “não ao não” e do “é proibido proibir” serve como um grito
de resistência e um chamado à quebra de paradigmas.
A canção também traz
uma dimensão poética e existencial, onde Caetano reflete sobre a vida, a morte e
a eternidade, elementos que transcendem a política e tocam no espiritual e no
filosófico. A música se tornou um convite à reflexão sobre a existência e a
liberdade individual, indo além do contexto histórico e alcançando uma
universalidade em seu apelo à liberdade e à expressão autêntica do ser.
A
apresentação de “É proibido proibir” acabou se transformando num happening
acaloradíssimo naquela noite de domingo, 15 de setembro de 1968. Na final
paulista do FIC, realizada no Teatro da Universidade Católica de São Paulo, a
música de Caetano foi recebida com furiosa vaia pelo público que lotava o
auditório. Os Mutantes mal começaram a tocar a introdução da música e a plateia
já atirava ovos, tomates e pedaços de madeira contra o palco. O provocativo
Caetano apareceu vestido com roupas de plástico brilhante e colares exóticos.
Entrou em cena rebolando, fazendo uma dança erótica que simulava os movimentos
de uma relação sexual. Escandalizada, a plateia deu as costas para o palco. A
resposta dos Mutantes foi imediata: sem parar de tocar, viraram as costas para o
público. Gil foi atingido na perna por um pedaço de madeira, mas não se rendeu.
Em tom de deboche, mordeu um dos tomates jogados ao chão e devolveu o resto à
irada plateia.
Caetano fez um longo e inflamado discurso que quase não se
podia ouvir, tamanho era o barulho dentro do teatro: “Mas é isso que é a
juventude que diz que quer tomar o poder? Vocês têm coragem de aplaudir, este
ano, uma música, um tipo de música que vocês não teriam coragem de aplaudir no
ano passado! São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o
velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada,
absolutamente nada (...). Vocês estão por fora! Vocês não dão pra entender. Mas
que juventude é essa? Que juventude é essa? Vocês jamais conterão ninguém. Vocês
são iguais sabem a quem? Tem no microfone? Àqueles que foram na “Roda Viva” e
espancaram os atores! Vocês não diferem em nada deles, vocês não diferem em
nada. E por falar nisso, viva Cacilda Becker! Eu quero dizer ao júri: me
desclassifique. Eu não tenho nada a ver com isso. Nada a ver com isso. Gilberto
Gil. Gilberto Gil está comigo, para nós acabarmos com o festival e com toda a
imbecilidade que reina no Brasil. Acabar com tudo isso de uma vez. Nós só
entramos no festival pra isso. Não é Gil? Não fingimos. Não fingimos aqui que
desconhecemos o que seja festival, não. Ninguém nunca me ouviu falar assim.
Entendeu? Eu só queria dizer isso, baby. Sabe como é? Nós, eu e ele, tivemos
coragem de entrar em todas as estruturas e sair de todas. E vocês? Se vocês
forem... se vocês, em política, forem como são em estética, estamos feitos! Me
desclassifiquem junto com o Gil! junto com ele, tá entendendo? E quanto a
vocês... O júri é muito simpático, mas é incompetente.” Não é preciso dizer
que a música foi desclassificada no Festival da Record de 1968.
Cândido Luiz de Lima Fernandes é economista e professor universitário em
Belo Horizonte; email:
candidofernandes@hotmail.com
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Direção e Editoria
Irene Serra
Revista Rio Total

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