O disco comemorativo dos 60 anos do MPB4
Cândido Luiz de Lima Fernandes
O MPB4 é um grupo vocal e instrumental brasileiro formado em Niterói, Rio de
Janeiro, em 1964. A primeira formação contou com Miltinho, Magro, Aquiles e Ruy
Faria. Em 2004, Ruy Faria saiu do quarteto (saída esta por conta de divergências
comerciais com um dos integrantes, Miltinho), sendo assim substituído por Dalmo
Medeiros, ex-integrante do grupo Céu da Boca, convidado para ficar em seu lugar.
Em 2012, o grupo perde Magro Waghabi, vítima de um câncer, aos 68 anos. O
cantor, compositor e arranjador, Paulo Malaguti Pauleira, ex-integrante do Céu
da Boca e integrante do Arranco de Varsóvia, foi convidado para substituir
Magro. Após alguns shows por São Paulo, Fortaleza e Minas, sendo anunciando
ainda como participação especial, nos dias 25 e 26 de janeiro de 2013, Paulo
Malaguti Pauleira foi apresentado oficialmente como novo integrante do MPB4, em
dois emocionantes shows no Rival Petrobras. Em 11 de janeiro de 2018, morre aos
80 anos Ruy Faria, que ficara até 2004.
Seus principais gêneros musicais
são o samba e a MPB. Com um repertório marcado por composições de personalidades
da música popular brasileira, como por exemplo, Noel Rosa, Milton Nascimento,
Chico Buarque, João Bosco, Paulo César Pinheiro, Aldir Blanc, Vinicius de Moraes
e Tom Jobim, o grupo apresenta-se em todo o Brasil, com sucesso de público e de
crítica.
O MPB4 sintetiza no álbum ‘60 anos de MPB’ os belos caminhos
cruzados com a música brasileira a partir de 1964. O disco conta com a
participação especial de Alceu Valença, Chico Buarque, Edu Lobo, Francis Hime,
Guinga, Ivan Lins, João Bosco, Milton Nascimento e Paulinho da Viola.
Este é o melhor disco que o MPB4 pôde fazer diante das ausências irremediáveis
de Antônio José Waghabi Filho (14 de novembro de 1943 – 8 de agosto de 2012) – o
Magro, responsável pela identidade vocal desse grupo fluminense
profissionalizado em 1964 a partir de trio surgido em 1962 no meio estudantil de
Niterói (RJ) – e de Ruy Faria (31 de julho de 1937 – 11 de janeiro de 2018).
Substitutos de Magro e Ruy, respectivamente, Dalmo Medeiros e Paulo Malaguti
Pauleira se juntaram aos remanescentes Aquiles Reis e Milton Lima dos Santos
Filho, o Miltinho, para manter o MPB4 em cena.
Com arranjos de Dori
Caymmi, o álbum “60 anos de MPB” tenta resumir em 12 faixas a trajetória de um
grupo que durante 20 anos, de 1964 a 1984, foi uma das mais completas traduções
da MPB em discografia que se tornou revisionista a partir da segunda metade da
década de 1980 por imposições mercadológicas. Como o título já sinaliza, “60
anos de MPB” é um álbum justificadamente revisionista pelo propósito de festejar
os 60 anos de vida do quarteto. Ainda assim, entre as 12 regravações, há várias
músicas até então nunca gravadas pelo MPB4.
É o caso da composição que
abre o disco, “Notícias do Brasil (Os pássaros trazem”), de autoria de Milton
Nascimento e Fernando Brant (1981). O grupo apresenta “Notícias do Brasil” em
fluente gravação feita com Milton Nascimento, um dos muitos ícones da MPB
convidados a se juntar ao grupo no disco.
Na sequência, o registro de “O
cantador”, de autoria de Dori Caymmi e Nelson Motta (1967) sobressai como
momento em que o arranjo vocal da faixa mais evoca os áureos tempos do MPB4.
Esta canção rendeu a Elis Regina o título de melhor intérprete no Festival de
Música Popular Brasileira da TV Record em 1967.
Após cair no suingue de
dois sambas, “Prêt-a-porter de tafetá”, de autoria de (João Bosco e Aldir Blanc
(1984) e “Caso encerrado”, de autoria de Toquinho e Paulinho da Viola (1999) com
os respectivos autores João Bosco – craque nas quebradas – e Toquinho, o MPB4
entra no mar da parceria de Ivan Lins e Vitor Martins para mergulhar com cordas
na calmaria da paixão poetizada em “Velas içadas” (1979).
Regravada pelo
quarteto com Ivan, a canção ganhou registro fonográfico do MPB4 em 1998 em
disco, "Somos todos iguais", dividido pelo grupo com o Quarteto em Cy. As velas
são içadas com o requinte harmônico da obra de Ivan Lins em outra faixa
sobressalente.
Na pisada do baião, o MPB4 faz “Dança do corrupião”, de
autoria de Edu Lobo e Paulo César Pinheiro (2010) com a interpretação de Edu
Lobo com certa vivacidade que se contrapõe ao lamento político de “Angélica”
(1977), parceria de Miltinho com Chico Buarque, que foi convidado para
participar da gravação adornada com sofisticado arranjo vocal.
A
lembrança de “Catavento e girassol”, de autoria de Guinga e Aldir Blanc (1993) é
relevante por marcar o reencontro do MPB4 com Guinga, compositor lançado pelo
grupo há 50 anos no álbum “Palhaços & Reis” (1974). Guinga canta na gravação.
Já o samba “Coisas do mundo, minha nega” (1968) – gravado pelo grupo com
Paulinho da Viola, compositor do samba até então inédito com o MPB4 – se
ressente da falta da interiorização elegante dos registros do autor enquanto a
gravação de “Na primeira manhã”, de autoria de Alceu Valença (1980) é valorizada
por arranjo vocal meio dissonante, em sintonia com os versos angustiados de
Alceu, convidado da faixa.
Após rebobinar a recente e forte canção “Paz e
amor” (2020), gravada pelo MPB4 com os autores Kleiton & Kledir e lançada há
quatro anos em single que reuniu o grupo e a dupla, o quarteto arremata o álbum
“60 anos de MPB” com” Parceiros” (1984) em gravação com Francis Hime, parceiro
de Chico Buarque e Milton Nascimento neste samba-canção que funciona como um
resumo da caminhada já sexagenária do MPB4.
De fato, Aquiles, Miltinho,
Magro / Dalmo Medeiros e Ruy Faria / Paulo Malaguti Pauleira cruzaram caminhos e
falaram de amor, entre outras rimas, com os corpos possuídos pelo som e pelo
canto que partiu em viagens até onde o quarteto nem podia pensar.
Embora
cometa o grave deslize de ignorar a contribuição feminina à MPB nessas seis
décadas (não há uma mulher sequer entre os compositores das 12 músicas e entre
os intérpretes convidados para cantar no disco), o álbum “60 anos de MPB” é uma
bonita síntese desse tempo e desses caminhos em que o grupo se cruzou com a
música brasileira.
Como fã ardoroso do quarteto, desde que ele se lançou,
assisti em 13 de dezembro no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, ao show de
lançamento do CD comemorativo dos 60 anos do conjunto. Neste show o MPB4 cantou
seus grandes sucessos como “A Lua”, “Amigo é pra essas coisas”, “O Pato”, “Roda
Viva”, mas não pude deixar de me emocionar com a linda interpretação de “Pois é
pra que”, de autoria de Sidnei Miller, com a participação de João Faria, que
toca na banda do grupo e é filho de Ruy Faria e de Cinara (do Quarteto em Cy),
cujo timbre vocal se parece muito com o do pai, que cantava sozinho esta bela
música nos shows.
Se o show “MPB4 - 60 Anos de MPB” for apresentado em
sua cidade, não perca a oportunidade de assistir a um belo espetáculo.
Cândido Luiz de Lima Fernandes é economista e professor universitário em
Belo Horizonte; email:
candidofernandes@hotmail.com
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Direção e Editoria
Irene Serra
Revista Rio Total
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