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Afinal, quem é você?

Danuza Leão
O que é que você acha de você mesma? Se é feia
ou bonita, magra ou gorda, já sabe - ou pelo menos tem uma vaga idéia. Mas por
dentro, você se considera como? Uma pessoa legal ou mais ou menos? O que será
que falam de você na sua ausência? Bem, mal, muito bem ou muito mal? Isso aliás
pouco importa; o que interessa mesmo é saber de sua própria opinião sobre você
mesma.
Geralmente as pessoas se consideram piores do que são. Se alguém
faz um elogio, qual a sua reação? Apenas agradece, como seria o normal, ou
começa logo a dizer coisas do tipo "ah, é bondade sua, ah, são seus olhos, ah,
você é muito gentil", o que pode ser traduzido por "não sou nada disso, você
está querendo me agradar, não mereço ser elogiada". Mas será que não mesmo?
Perfeito ninguém é, mas ser um total monstro também é meio raro. Faça um bom
exame de consciência e responda: tem feito muitas maldades ultimamente? De que
tipo? Tem roubado merenda das crianças na porta das escolas e empurrado
velhinhas para debaixo dos ônibus de propósito?
Tem sido uma boa e leal
amiga, ou mais ou menos? Por mais ou menos entenda-se falar sutilmente mal
daquela que sempre segurou suas pontas quando você mais precisou etc etc.
Mas se tem passado rasteiras para conseguir o que quer, acha que o fim
sempre justifica os meios, que a vida é um vale-tudo em que vale tudo mesmo,
quando se quer alcançar um objetivo, a coisa anda mal. Se este não é seu caso,
vamos então tentar outro caminho.
Suas qualidades - afinal, você deve ter
alguma; quais são elas? Nem vamos falar de nobrezas de almas e que tais, mas de
coisas mais simples. Tem se empenhado em fazer um bom trabalho para merecer o
salário que ganha, mesmo que ele seja pequeno? Se respondeu sim, já é um ponto -
o primeiro - a seu favor.
Pense, reflita e descubra se fez alguma coisa
boa - uma, pelo menos - nas últimas 24 horas. Nada de sensacional, apenas
banalidades tipo ter sorrido para alguém a troco de nada, ter olhado para o
porteiro na hora de dizer boa-noite, ter sentido o coração apertado ao ver gente
dormindo nas calçadas.
Se leu os jornais e teve um pensamento de
misericórdia em relação a qualquer ser humano que está sofrendo do outro lado do
planeta ou pensou com carinho e ternura em algum velho amigo que não vê há
tempos, isso já pode ser um indício de que não é um monstro - não um monstro
total, pelo menos. Mas nessas coisas é claro que não se pensa, só nas outras, as
bem ruins.
Se algum amigo tem a gentileza de contar que andaram dizendo
que você é egoísta e só pensa em seus próprios interesses, esse comentário vai
cair na sua alma como uma luva. Afinal, tirando alguns santos - dizem -, quem
não pensa frequentemente em seus interesses, o que, aliás, não é crime nenhum?
Mas o problema não é bem esse: é que a cada vez que dizem coisas ruins sobre
nós, acreditamos, damos toda razão e começamos imediatamente a sofrer, já que
somos tão horríveis.
É fácil atingir as pessoas com palavras, muito mais
do que com um tiro - e sem ao menos se arriscar a ir para a cadeia. Se você
acusa alguém de ser capaz de todas as maldades desse mundo, esse alguém vai
imediatamente achar que no fundo é uma acusação justa. Quantas vezes ela não
teve vontade de esganar alguém, vontade de que a pessoa que a incomoda suma,
desapareça, que seja muito feliz, mas bem longe, do outro lado do mundo? Para
quem tem uma certa tendência ao martírio - e quem não tem? - é um prato cheio.
Afinal, querer que alguém desapareça faz de qualquer pessoa um assassino em
potencial. E quem consegue ser feliz se sentindo capaz de tantas baixezas?
Ah, porque é tão mais fácil acreditar no pior, arranjar boas razões para
sofrer, se achar a última de todas as criaturas do que pensar que é apenas uma
pessoa normal, com erros e acertos, como todo mundo. Trocando em miúdos,
qualquer pretexto é bom para que o mundo seja mesmo um vale de lágrimas - pelos
sofrimentos que já passou, pelos problemas atuais ou pelos riscos que a vida
apresenta. Afinal, ninguém está livre de uma doença, de perder tudo que tem etc
etc. Quem nunca ouviu essa ladainha?
Pode até ser, mas se for para pensar
assim é melhor tirar o lenço do bolso e começar a chorar - aliás, o que faz
muita gente a vida toda. E fazendo isso, vai acabar sozinha - aliás, mais uma
bela razão para chorar ainda mais.
Fonte: O Dia
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Direção e Editoria
Irene Serra
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