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A terceira idade da Academia
Josué Montello
Em 1954, quando fui eleito para a Academia
Brasileira de Letras, um repórter do GLOBO quis saber qual seria o meu programa
como benjamim da Casa de Machado de Assis. - Ser um dia o mais velho -
respondi. Por esse tempo, andava eu pelos 36 anos.
A academia, como
sabem os que lhe conhecem a crônica, tende a ser, em síntese, uma antologia de
anciãos. E daí minha cautela, com o ar juvenil que ainda possuía, em não exibir
demais o meu saldo de juventude, nas visitas a que era obrigado, a cada
acadêmico, na minha condição de candidato. E o primeiro a quem visitei foi o
ministro Ataulfo de Paiva, já então nonagenário. Daí a pergunta que me fez,
assim que lhe apertei a mão: - Posso saber a idade do amigo?
Mais por
gentileza do que por astúcia, aumentei uma década: - Quarenta e seis,
ministro.
E logo reconheci, pelo ar de espanto de Ataulfo, que eu deveria ter
aumentado, não dez, mas vinte anos, já que sua Excelência prontamente acudiu com
a sua reprimenda: - O meu bom amigo é ainda muito jovem. Deve esperar mais um
pouco. E lucrará com isto, já que dispõe dos méritos necessários para chegar até
lá, com seus livros.
Quando a Academia foi constituída, há cem anos, a
diferença etária, no quadro dos seus 40 fundadores, era bem acentuada: o mais
moço, Magalhães Azeredo, tinha 25 anos, enquanto o mais velho, o historiador
Pereira da Silva, já havia passado dos 80.
Hoje, graças aos modernos
recursos da medicina, um dos nossos confrades, Barbosa Lima Sobrinho, é mais
velho que a própria Academia, já que antes dela, chegou aos cem anos, sempre
fiel a si mesmo na lucidez e no rigor da vida pública, como escritor, como
político, como acadêmico.
Já é tempo de reconhecer, com tantos exemplos
ilustres na memória, que a velhice, hoje, só existe realmente para aqueles que,
ainda cedo, fizeram um pacto com a ociosidade - quando a vida reclama de cada um
de nós, para prolongá-la e fruí-la, a ocupação e o movimento. Assis
Chauteaubriand dizia que só se preocupa quem não se ocupa.
Maurice
Goudeket, último marido da grande Colette, bom médico, bom escritor, legou-nos
dois livros excelente: um, sobre a companheira dos últimos 30 anos, "Près de
Colette; outro, sobre a delícia de envelhecer, "La douceur de vieillir", em que
exagera um pouco, convidando-nos a ser velhos, neste tom: "Jovens, que vos
apavorais com a perspectiva de envelhecer, ficai sabendo que nada é tão bom
quanto envelhecer." E em tom baixo como se falasse ao pé do ouvido do leitor:
"Não é verdade que se envelheça."
Sim. Desde que dê sentido à vida,
captando a própria vida, como fez Colette, com o gosto e o cuidado da obra de
arte.
Fonte: O Globo
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Direção e Editoria
Irene Serra
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