16/03/2025
Ano 28
Semana 1.407



ARQUIVO GERAL





  14 de março/Dia Nacional da Poesia

21 de março/Dia Mundial da Poesia

Sonia Alcalde

Festejando a Poesia


Diante da escultura de Florbela Espanca (1894 - 1930), em  Évora, uma prece à alma sofrida que encurtou sua vida e a reverencia: Quem me dera encontrar o verso puro,/ O verso altivo e forte, estranho e duro,/ Que dissesse, a chorar, isto que sinto! (in Tortura).

Na capital portuguesa, Fernando Pessoa (1888-1935) em pedra. A “Autopsicografia” senta ao meu lado:
O poeta é um fingidor./ Finge tão completamente/ Que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente.

 Nas falésias ventosas do Cabo São Vicente, a lembrança dos “Lusíadas”, de Camões (1524-1580), que me acompanham desde a adolescência: Cantando espalharei por toda parte,/ Se a tanto me ajudar o engenho e a arte...

Volto-me para Coimbra, onde estudou o revolucionário Guerra Junqueiro (1850-1923), do “Finis Patriae” e do “Os Simples”.  

Pousando no Brasil, letras de Tom Jobim (1927-1996) encantam o aeroporto que leva seu nome:
Minha alma canta/ vejo o Rio de Janeiro/ estou morrendo de saudade/ Rio, seu mar, praias sem fim/ Rio, você que foi feito pra mim...

Aquela que me conduziu à magia da poesia aparece destemida fazendo coro com Jobim no além. Eu canto porque o instante existe/ e a minha vida está completa./ Não sou alegre nem triste:/ sou poeta. (in Motivo, Cecília Meirelles, 1901-1964).

Cora Coralina (1889 – 1985), doce, mexe o café comigo:
Não sei... Se a vida é curta/ Ou longa demais pra nós,/ Mas sei que nada do que vivemos/ Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.  (Saber Viver, fragmento)

Ah, os primeiros versos recitados... Bilac (1865-1918) em minha boca tem sabor de saudade da Profa. Virgínia Bittencourt, na Escola Argentina, em Vila Isabel: “Ora (direis) ouvir estrelas! Certo/ Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,/ Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto/ E abro as janelas, pálido de espanto... (in Ouvir estrelas)

Voo doméstico me leva ao cordel do nordeste onde contam e desenham suas vidas em volantes. Estão na minha mesinha de cabeceira e, em quadros, espalhados pela casa. Surge Ariano Suassuna... Da altura de sua sensibilidade derrama o “Auto da Compadecida” impregnado de cultura popular.

Vou à Academia Paraibana de Letras. Imagens de poetas e a janela aberta me convidam a reflexões.

Faço link com Mário Quintana (1906-1994), o gaúcho do Alegrete radicado em Porto Alegre:
Todos esses que aí estão/ Atravancando meu caminho,/ Eles passarão.../ Eu passarinho! (Poeminha do Contra).

O pampa me puxa. Saltam versos das páginas de “Lunarejo”, de Luiz Coronel: Atirei as boleadeiras/ contra a noite que surgia./ Noite a dentro entre as estrelas/ se tornaram três-marias. (in Pilchas, fragmento).

Dos vizinhos castelhanos, Martin Fierro orgulha a terra de seu autor, o poeta argentino General San Martin, nascido José Hernandez (1834-1886): Los hermanos sean unidos/ esa es la ley primera;/ tengan union verdadera,/ em cualquier tiempo que sea,/ porque si entre ellos pelean,/ los devoran los de ajuera.

Em Borges e Neruda, bebo saudade...

Na cidade onde me aconchego, profusão de poetas do lado de cá e de lá. Separo alguns com pena de não poder mostrar todas as riquezas: No parreiral ouço um ai/ uma uva na chuva/ pensando ser gota, cai (Haicai de Ernesto Wayne, 1929-1997, in Caixa de Poemas, homenagem em 1998).
Na memória, fragmento de “Bagé em Versos”, de Rafaela Gonçalves Ribas:
Pousei a sombra dos meus/ versos no vértice do cálice/ deste chão./ Quebrei a asa dos meus versos/ e nela enxerguei a aldeia/ em seu começo. Seu universo... (in Manifesto Poético, nº 40/ Cultura Sul, 2009).
Na Antologia “1000 versos do sul e algumas letras perdidas”, do Cultura Sul, encontro o alerta de Elvira Nascimento:
...mais que nunca é preciso/ que se torne calorosa a alma/ tragando/ gole a gole/ o próprio corpo. (Paz de Espírito, fragmento).

Acesso vários sites literários, milhares de poesias, não dá pra ler numa vida. Até os livros não consigo, mas continuo exercitando. E-books surgindo a granel, ainda não sei manusear. Preciso de mais tempo para me adaptar. Passo em “blocosonline”. Poesia premiada brilha no monitor: ...Muito depois do crepúsculo,/ ao embalo da madrugada sem sonhos,/ na janela do quarto imenso e sem alma/ da hospedaria,/ tento reconhecer e recolher/ as estrelas da minha infância... (Milton Ximenes Lima, Minha Aldeia Perdida, fragmento).

No site Rio Total, pinço alguns poemas para estar nesse jornal: Gosto de me iludir/ pensando/ que hoje amo/ melhor que ontem amei/ Assim desculpo o jovem afoito/ que, em mim, me antecedeu/ e, generoso/ encho de esperanças/ o velho sábio/ que amará melhor que eu (de Affonso Romano de Sant,Anna, Gaia Ciência);
...em nenhum poema fui derradeira/ as minhas letras me são peneira/ por onde vaza minha vida inteira... (de Rosy Feros, Inteira, fragmento);
Escrevo/ No vão intento/ De me conhecer./ Nessa procura/ Escavo tanto/
que me desventro./ — Fico nua de mim —/ Nesse desfenestrar/ Sou pássaro/
voando para dentro/ Sou árvore/ com raízes ao vento.
(de Sarita Barros, Nudez).

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Acordo. Já é outro dia. Ao lado, José Emílio, o amor, o poeta: A preguiça é/ ah, como estou cansado.../ amanhã continuo.



PS: foto por Sonia Alcalde,
ref. espaço da Academia Paraibana de Letras, em João Pessoa 
 


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Direção e Editoria
Irene Serra