|
Alberto Cohen
poemas
Obrigado!
Na luz que vem de Ti todos os dias, na
prece que recebes ternamente com divinais perdões e alforrias, nesta bela
manhã estás presente.
Nas esperanças que me deixas ter, nos meus
achados do que foi perdido, tantos caminhos que vou percorrer, por Ti sou
vencedor e não vencido.
Pela poesia com que abençoaste passos errantes
em que me encontraste, pela paz que consigo do Teu lado,
Sou filho
redivivo, pequenino, a proclamar que és dono do destino. Obrigado, Senhor,
muito obrigado!

Clepsidra
Uma hora estou só, descalço e tonto,
apenas um bebê que não está pronto e nasceu.
Outra mais, vou cerzindo,
ponto-a-ponto, a mortalha comprada, sem desconto, de um judeu.
Pelas horas de fuga e de confronto, se estou só e se ainda não estou pronto,
quem sou eu?

Imprescindível dor
A dor tão grande que me rói o peito qual
se no mundo fosse a maior dor, não me provoca raiva ou dissabor, pelo
contrário, faz-me satisfeito.
É dor querida, vem de tua lembrança,
antiga e forte, não se parte ao meio, é dor de quase perceber teu seio em
minhas mãos, deixado como herança.
E se me dói mais fundo, mais te quero,
e é tanto amor que nunca desespero, tenho tua dor, parceira e companhia.
Que doa tanto que me faça vivo, eternamente dor de ser cativo do mais
louco se dar que tive um dia.

Janela
Pássaro desajeitado perdido num corredor, pernas
tortas e enrugadas, assustado e com calor. Ave trôpega e sem jeito
sentiu explodir o peito ao chegar numa janela, pois mergulhando por ela
deixou de ser esquisita e tornou-se tão bonita e voou para as estrelas.

Sutis como passarinhos

Vê que a
vida é carcereira, mas os versos são ariscos. Esperam um descuido, uma
janela aberta, uma porta encostada, recolhem o não dito, o quase
esquecido, e vão à rua visitar conventos, beber em tabernas, derramar-se
em tinta numa toalha de mesa, num lenço de papel, em paredes e muros,
no coração da mulher mais amada. Vê que os dias são rotina, mas os versos
são mutantes. Disfarçam-se de flores, asas de borboletas, promessas de
amantes, as mais absurdas promessas de amantes, e aguardam a chegada do
assobio, do sorriso enorme, da estrela cadente, do pressentimento,
que saibam decifrá-los e encantar-se com eles.
Vê que os anos são
da terra, mas os versos são dos tempos e voam como pássaros selvagens
que fazem seus ninhos, com futuro e passado, nas mais altas montanhas do
momento de agora. Mesmo sendo livres, eles têm que pousar, um dia numa
fonte, um dia numa crença, um dia num pecado, um dia nas mãos
solitárias de um poeta.

Rua dos passos inúteis
Por essa rua que se faz de minha,
tímidos passos de perdido andante sonham chegar bem perto do adiante, mas
a alma retorna mais sozinha.
E na esperança de um feliz instante
deixado por alguém na ruazinha, cabeça baixa, de novo caminha, lentamente,
o invisível mendicante.
Uma luz escurece em cada esquina, mesmo assim
a procura não termina pelo sofisma de uma vida inteira.
Cada pedra
encontrada é preciosa, pode mudar-se numa bela rosa ou definhar num monte
de poeira.

Só
Era um só. Não mais um daquele sós que perambulam entre a
multidão. Era um só sem multidão, sem jornais velhos, marquises, sem
saber, sequer, nomes de ruas. Era tão só que amava a solidão que não lhe
pedia nada, mas se entregava toda na imagem refletida em vidraças de
vitrines. Só, enfim, como um náufrago sem ilha, e como Deus deve ser só no
meio das estrelas. Era o só dos sós, inteiro, indivisível, sem paradigmas:
o cavaleiro andante da individualidade. Aí viu a sombra... E chorou por
repartir a solidão com ela.

Tarde de chuva
Quando a chuva se for e nas calçadas só restar
a umidade dos sapatos, estarei lá com minha roupa enxuta e o perfume que
me deste de presente. Lá estarei, ainda que não estejas, tentando ser o
mesmo, na certeza que chegarás vinda de antigamente, passos pequenos e tua
saia justa. Quando a chuva se for e nas esquinas só restar a pressa das
pessoas, estarei lá com enorme paciência e os cabelos arrumados do teu
jeito. Lá estarei, não importa que nem saibas, esperando e fazendo de
conta que chegarás vinda do desencontro, de uma outra chuva e um outro
tempo.

Uma vez apenas
A vida estende a mão e não percebes
que ela te levará pelos caminhos em que os sonhos se vestem de verdades,
embora inalcançáveis muitas vezes. Deixa o medo que te faz companhia
encolhido no canto mais escuro e parte na aventura de viver os pedaços de
mundo destinados a serem teus, a serem teus castelos. A vida estende a mão
e não percebes a grandeza tão fácil da oferenda de te tornares livre como
ela.
Leia,
aqui, sua
biografia.
____________
Direção e Editoria
Irene Serra
|