16/09/2024
Ano 27
Semana 1.383



 


 

Tchello d'Barros - Entrevista à jornalista Márcia Schweizer


Tchello d’Barros (em viagem por Santa Catarina) entrevistado via e-mail pela jornalista Márcia Schweizer (Rio de Janeiro, RJ) para a Revista Rio Total (RJ).
A carioca Márcia Schweizer é jornalista, escritora, bacharel em Direito e pós-graduada em Teoria da Literatura.



Início da carreira na década de 1990, em Santa Catarina, ensinando desenho e organizando exposições de artes visuais


Márcia Schweizer / Jornalista: Conte um pouco de sua origem, quando e onde você nasceu?
Tchello d’Barros: Na antiga Roma Imperial era valorizada a procedência do indivíduo: o que a pessoa era, tinha ou dizia era relativizado em função de onde vinha, pois ser romano ou ateniense era um fator de status. Balzac terá tratado desse tema com maestria em suas obras, já que viveu na pele os contrastes entre sua origem campestre e sua vida literária numa Paris elitista e aristocrática que teve que se dobrar à sua genialidade. O assunto ocupou também páginas e mais páginas do ensaísta Pierre Bordieu, figura hoje central no pensamento contemporâneo ocidental. Mas, e eu com isso? Creio que pouco irá importar às pessoas que tem contato com minhas obras o fato deste vate provinciano ter vindo ao mundo numa primavera de MCMLXVII EC, na região mais alta – e no ponto mais frio - do Sul do Brasil, uma colônia de imigrantes alemães, então chamada de Palmares, hoje o charmoso e idílico município de Brunópolis, na nevada serra catarinense. Gosto de pensar naquele axioma popular que pontua: o importante não é onde chegamos, mas em que direção seguiremos caminhando...



Fim do Camiño Inca: peregrinação de 4 dias pelos Andes com chegada ao
santuário sagrado de Machu Picchu


M. S.: Você acaba de completar 30 anos de atividades artísticas, como se sente?
T. d’B.: Sinto-me alumbrado, apoplético e siderado. São sensações paradoxais, já que por um lado há que se comemorar uma caminhada ininterrupta na trilha das artes, num país de certa forma hostil a quem opta pela vida artística, às lides culturais. São três decênios espalhando obras vida adentro e mundo afora, nas linguagens de Literatura, Teatro, Artes Visuais e Audiovisual. Por outro lado, há o momento presente, esse contínuo devir pautado pela participação em numerosos projetos – cerca de 70 por ano. Minhas criações nunca foram tão demandadas em exposições e publicações como na atualidade. Apenas como exemplo: recentemente tive obras em 7 exposições concomitantes. Ou como naquele período em que minha exposição itinerante de Poesia Visual, intitulada de “Convergências”, esteve exposta simultaneamente em Campos (RJ), Valença (RJ) e Mérida (México). E, respondo essas linhas num 2024 em que estão para nascer três novos livros, um de poemas, outro de crônicas e um de contos. Mas, se a pergunta é sobre sentir, sinto que o melhor ainda está por vir...


A mostra individual de Poesia Visual “Convergências”, itinerando pela Europa: aqui em exposição no
Studio d’Arte Il Graffiacielo, em Arezzo, Itália.


M. S.: Qual é a tarefa ou projeto que você considera sua conquista mais significativa na carreira, até agora?
T. d’B.: Honestamente, nunca paro para pensar nesses termos, ainda mais nesta fase em que tenho recebido homenagens pelo conjunto da obra. Na Literatura, talvez caiba mencionar que depois de tanto tempo publicando poemas, surge, agora, uma lavra no gênero da Prosa, com meu livro “Cerúleo Escarlate”, coletânea de contos escrita com muito sangue, suor e lágrimas. Já nas Artes Visuais, por mais que eu tenha sido lá por 1994 no Sul um precursor de arte digital, com uma exposição produzida em computação gráfica, poderá ser digno de nota a itinerância dessa arte híbrida que é a minha série de poesia visual, a já citada “Convergências”, menos pelo fato de ter sido exibida em mais de 20 instituições que por já ter sido apresentada em 7 países. Já no Audiovisual, embora quem me acompanhe mais de perto talvez julgue significativo ter vencido alguns festivais com curtas e documentários, o fato é que tem sido desafiador e aprazível um projeto iniciado na pandemia: a realização de um videoarte por ano, assinando roteiro e direção, junto a uma média de 30 artistas latino-americanos. “Usted No Está Aquí”, “Meridianos” e “Fronteras Abiertas” são algumas dessas obras que fiz via Fluxo Filmes, com o latino-americano Colectivo de Escritura Migrante, em parceria do instituto Imersão Latina. Por outra lado, a tarefa mais significativa, vem sendo o desafio e a responsabilidade de autografar livros nas principais bienais de nosso país, de realizar curadorias fora do Brasil e ainda em vida ter meus trabalhos sendo pesquisados em diversas universidades.


No espetáculo teatral “Memórias de Fogo”, no qual os poemas visuais são projetados em mapping nos corpos dos atores e num cenário de 30 m²


M. S.: Um sonho que você ainda quer realizar?
T. d’B.: Aquele bardo inglês, autor do icônico Hamlet, já nos avisava que “Somos feitos da mesma matéria que os sonhos”, dialogando de alguma forma com nosso aedo da última flor do Lácio, um atávico Fernando Pessoa que, para além de seus heterônimos, nos lembra que “O homem é do tamanho do seu sonho”. Lembro que na juventude, após um salto de paraquedas, elaborei uma lista de coisas que queria fazer em vida: ali constavam itens como viajar pelo mundo, publicar livros, amar e ser amado por alguma linda mulher, e coisas do tipo. A vida me deu muito mais do que havia sonhado. Mas cá entre nós, há um item ainda não realizado: mergulho subaquático, mas deste ano não passa! Mas, sonho mesmo, no sentido amplo da palavra, é também um lugar para utopias, como ver que em meu país nenhuma criança possa passar fome, por exemplo. Por fim, o que ainda quero realizar é esse festival de metas, objetivos e projetos artísticos que povoam minhas planilhas do Excel. Enquanto isso, vou continuar expondo minhas obras, publicando meus livros, exibindo meus filmes, declamando poemas, soltando a verve, soltando o verbo...


Travessia de balão pela selva amazônica desde os geoglifos acreanos
até a fronteira da Bolívia


M. S.: Como um artista como você aproveita seu tempo livre?
T. d’B.: Tempo livre é um artigo de luxo para uma vivência comprometida com as labutas da arte, como no meu caso. Difícil traçar uma linha divisória entre arte e vida, entre prática artística, estudos acadêmicos e vida social: tudo se interpenetra num entrelaçamento contínuo. Quando vou ao cinema, em geral escolho filmes de arte. Quando viajo, vou a grandes museus e galerias. Meus encontros sociais meio que se limitam a vernissages, sessões de autógrafos e avant-premières, que é onde encontro amigos, colegas e ativadores da roda cultural. Então, esse estar no mundo numa perspectiva criativa é de certa forma o tempo inteiro um tempo livre, mas em paralelo, todo o tempo é compromissado nesse propósito de vida.

M. S.: Com uma trajetória como a sua, onde você se vê daqui a 10 anos?
T. d’B.: Apenas fazendo o de sempre, pois não creio que gostaria de estar numa situação muito diferente da vida de artista que hoje vivo. Mas talvez, apenas para ativarmos uma imagem: quem sabe degustando um aromático café arábica, naquela cafeteria da Torre Eiffel, ou bebericando um vinho nacional em algum bistrô da Champs-Elysées, talvez brindando com um champagne numa exposição na Ille de la Cité, coisas simples assim, que já fiz em outras visitas à capital francesa. A verdadeira joie de vivre, não precisa custar caro. A questão aqui nem seria o onde ou o quê, mas o contexto, pois com o ritmo de trabalho atual, até lá creio que estarei mais perto de ter cumprido minha missão como artista, nessa breve e crepitante passagem por este nosso lindo planetinha azul.


Roteirista e diretor na Fluxo Filmes realizando os videoartes do latino-americano Colectivo de Escritura Migrante.


M. S.: Qual a sua definição de felicidade?
T. d’B.: A felicidade é um tipo de tema universal, que ao longo da História muda de feição, afeição ou mesmo função, dependendo dos valores de cada povo ou da visão de mundo predominante em cada cultura. Na dita pós-modernidade em que vivemos, o zeitgeist hodierno é tão fragmentado que muda radicalmente a cada geração. O conceito de felicidade pode ser diferente para quem viveu as utopias dos anos de chumbo em comparação à um millennial hiper conectado que visa lacrar no Tik Tok. O que percebo nesse pós-futuro no qual estamos imersos é uma tendência para os prazeres hedonistas em uma sociedade cada vez mais egoica e individualista. Em meu caso, que não deve servir de parâmetro para ninguém, uma suposta realização pessoal teria mais a ver com o percurso vivido, ou com a trajetória artística percorrida. Para mim, uma talvez modesta mas possível satisfação, seria a percepção de que tudo que fiz na arte tenha em algum momento somado positivamente na vida de alguma pessoa.

Capa do documentário “Tchello Plural” (Cinsete Produtora) e cartaz da mostra retrospectiva (FURB)
de 30 anos de vida artística


M. S.: Quais são algumas das suas filosofias de vida ou pontos de vista que você compartilharia?
T. d’B.: Nem consigo imaginar que quem quer que nos leia possa se interessar por eventuais convicções idiossincráticas desse sujeito errante que ora vos tecla. Se a partir do tema das filosofias de vida, possamos entrar no terreno amplo da Filosofia, então não custa nada declarar que o Estoicismo é minha base, espartano e minimalista que sou. Só sobrevivi e cheguei até aqui pela cotidiana resiliência obtida com a atitude estoica, que me protege, move e motiva. Porém, se nas entrelinhas da pergunta estiver o vocábulo espiritualidade, li os grandes livros do Ocidente e do Oriente, conheci as grandes doutrinas e até vivi alguns credos, de modo que minhas peregrinações direcionaram minha fé simplesmente em trilhar a senda da ética por caminhos iluminados pelos archotes da ciência.


Em 2024: Tchello d’Barros declamando seus poemas é figurinha fácil nos diversos saraus do Rio e região


Nota biográfica
Tchello d'Barros dedica-se desde 1993 às linguagens de Literatura, Artes Visuais e Audiovisual. Catarinense radicado no Rio de Janeiro, atua como curador, roteirista e produtor cultural. Graduado em Comunicação Social, cursa mestrado na UFRJ. Com 10 livros publicados e textos em uma centena de antologias e didáticos, suas obras visuais já integraram mais de 200 exposições nos 20 países que percorreu em constantes atividades artísticas. Eventualmente ministra oficinas, palestras e diversas atividades culturais no Brasil e exterior.

Tchello d’Barros
(21) 98354-1978
@tchellodbarros
www.facebook.com/tchellodbarros
www.amazon.com/tchellodbarros
http://www.youtube.com/@Tchellodbarros
Rio de Janeiro - RJ

 __________________________

Direção e Editoria
Irene Serra