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Tchello d'Barros - Entrevista à jornalista Márcia Schweizer
Tchello d’Barros (em viagem por Santa Catarina) entrevistado via
e-mail pela jornalista Márcia Schweizer (Rio de Janeiro, RJ) para a Revista Rio
Total (RJ). A carioca Márcia Schweizer é jornalista, escritora,
bacharel em Direito e pós-graduada em Teoria da Literatura.

Início da carreira na década de 1990, em Santa Catarina, ensinando desenho e
organizando exposições de artes visuais
Márcia Schweizer / Jornalista: Conte um pouco de sua origem, quando e
onde você nasceu? Tchello d’Barros: Na antiga Roma Imperial era
valorizada a procedência do indivíduo: o que a pessoa era, tinha ou dizia era
relativizado em função de onde vinha, pois ser romano ou ateniense era um fator
de status. Balzac terá tratado desse tema com maestria em suas obras, já que
viveu na pele os contrastes entre sua origem campestre e sua vida literária numa
Paris elitista e aristocrática que teve que se dobrar à sua genialidade. O
assunto ocupou também páginas e mais páginas do ensaísta Pierre Bordieu, figura
hoje central no pensamento contemporâneo ocidental. Mas, e eu com isso? Creio
que pouco irá importar às pessoas que tem contato com minhas obras o fato deste
vate provinciano ter vindo ao mundo numa primavera de MCMLXVII EC, na região
mais alta – e no ponto mais frio - do Sul do Brasil, uma colônia de imigrantes
alemães, então chamada de Palmares, hoje o charmoso e idílico município de
Brunópolis, na nevada serra catarinense. Gosto de pensar naquele axioma popular
que pontua: o importante não é onde chegamos, mas em que direção seguiremos
caminhando...

Fim do Camiño Inca: peregrinação de 4 dias pelos Andes com chegada ao
santuário sagrado de Machu Picchu
M. S.: Você acaba de completar 30 anos de atividades artísticas, como
se sente? T. d’B.: Sinto-me alumbrado, apoplético e siderado. São
sensações paradoxais, já que por um lado há que se comemorar uma caminhada
ininterrupta na trilha das artes, num país de certa forma hostil a quem opta
pela vida artística, às lides culturais. São três decênios espalhando obras vida
adentro e mundo afora, nas linguagens de Literatura, Teatro, Artes Visuais e
Audiovisual. Por outro lado, há o momento presente, esse contínuo devir pautado
pela participação em numerosos projetos – cerca de 70 por ano. Minhas criações
nunca foram tão demandadas em exposições e publicações como na atualidade.
Apenas como exemplo: recentemente tive obras em 7 exposições concomitantes. Ou
como naquele período em que minha exposição itinerante de Poesia Visual,
intitulada de “Convergências”, esteve exposta simultaneamente em Campos (RJ),
Valença (RJ) e Mérida (México). E, respondo essas linhas num 2024 em que estão
para nascer três novos livros, um de poemas, outro de crônicas e um de contos.
Mas, se a pergunta é sobre sentir, sinto que o melhor ainda está por vir...

A mostra individual de Poesia Visual “Convergências”, itinerando
pela Europa: aqui em exposição no Studio d’Arte Il Graffiacielo, em Arezzo,
Itália.
M. S.:
Qual é a tarefa ou projeto que você considera sua conquista mais significativa
na carreira, até agora? T. d’B.: Honestamente, nunca paro para pensar
nesses termos, ainda mais nesta fase em que tenho recebido homenagens pelo
conjunto da obra. Na Literatura, talvez caiba mencionar que depois de tanto
tempo publicando poemas, surge, agora, uma lavra no gênero da Prosa, com meu
livro “Cerúleo Escarlate”, coletânea de contos escrita com muito sangue, suor e
lágrimas. Já nas Artes Visuais, por mais que eu tenha sido lá por 1994 no Sul um
precursor de arte digital, com uma exposição produzida em computação gráfica,
poderá ser digno de nota a itinerância dessa arte híbrida que é a minha série de
poesia visual, a já citada “Convergências”, menos pelo fato de ter sido exibida
em mais de 20 instituições que por já ter sido apresentada em 7 países. Já no
Audiovisual, embora quem me acompanhe mais de perto talvez julgue significativo
ter vencido alguns festivais com curtas e documentários, o fato é que tem sido
desafiador e aprazível um projeto iniciado na pandemia: a realização de um
videoarte por ano, assinando roteiro e direção, junto a uma média de 30 artistas
latino-americanos. “Usted No Está Aquí”, “Meridianos” e “Fronteras Abiertas” são
algumas dessas obras que fiz via Fluxo Filmes, com o latino-americano Colectivo
de Escritura Migrante, em parceria do instituto Imersão Latina. Por outra lado,
a tarefa mais significativa, vem sendo o desafio e a responsabilidade de
autografar livros nas principais bienais de nosso país, de realizar curadorias
fora do Brasil e ainda em vida ter meus trabalhos sendo pesquisados em diversas
universidades.

No espetáculo teatral “Memórias de Fogo”, no qual os
poemas visuais são projetados em mapping nos corpos dos atores e num cenário de
30 m²
M. S.: Um sonho que você ainda quer realizar? T. d’B.: Aquele
bardo inglês, autor do icônico Hamlet, já nos avisava que “Somos feitos da mesma
matéria que os sonhos”, dialogando de alguma forma com nosso aedo da última flor
do Lácio, um atávico Fernando Pessoa que, para além de seus heterônimos, nos
lembra que “O homem é do tamanho do seu sonho”. Lembro que na juventude, após um
salto de paraquedas, elaborei uma lista de coisas que queria fazer em vida: ali
constavam itens como viajar pelo mundo, publicar livros, amar e ser amado por
alguma linda mulher, e coisas do tipo. A vida me deu muito mais do que havia
sonhado. Mas cá entre nós, há um item ainda não realizado: mergulho subaquático,
mas deste ano não passa! Mas, sonho mesmo, no sentido amplo da palavra, é também
um lugar para utopias, como ver que em meu país nenhuma criança possa passar
fome, por exemplo. Por fim, o que ainda quero realizar é esse festival de metas,
objetivos e projetos artísticos que povoam minhas planilhas do Excel. Enquanto
isso, vou continuar expondo minhas obras, publicando meus livros, exibindo meus
filmes, declamando poemas, soltando a verve, soltando o verbo...

Travessia de balão pela selva amazônica desde os geoglifos acreanos até a
fronteira da Bolívia
M. S.: Como um artista como você aproveita seu tempo
livre? T. d’B.: Tempo livre é um artigo de luxo para uma vivência
comprometida com as labutas da arte, como no meu caso. Difícil traçar uma linha
divisória entre arte e vida, entre prática artística, estudos acadêmicos e vida
social: tudo se interpenetra num entrelaçamento contínuo. Quando vou ao cinema,
em geral escolho filmes de arte. Quando viajo, vou a grandes museus e galerias.
Meus encontros sociais meio que se limitam a vernissages, sessões de autógrafos
e avant-premières, que é onde encontro amigos, colegas e ativadores da roda
cultural. Então, esse estar no mundo numa perspectiva criativa é de certa forma
o tempo inteiro um tempo livre, mas em paralelo, todo o tempo é compromissado
nesse propósito de vida.
M. S.: Com uma trajetória como a sua, onde você
se vê daqui a 10 anos? T. d’B.: Apenas fazendo o de sempre, pois não creio
que gostaria de estar numa situação muito diferente da vida de artista que hoje
vivo. Mas talvez, apenas para ativarmos uma imagem: quem sabe degustando um
aromático café arábica, naquela cafeteria da Torre Eiffel, ou bebericando um
vinho nacional em algum bistrô da Champs-Elysées, talvez brindando com um
champagne numa exposição na Ille de la Cité, coisas simples assim, que já fiz em
outras visitas à capital francesa. A verdadeira joie de vivre, não precisa
custar caro. A questão aqui nem seria o onde ou o quê, mas o contexto, pois com
o ritmo de trabalho atual, até lá creio que estarei mais perto de ter cumprido
minha missão como artista, nessa breve e crepitante passagem por este nosso
lindo planetinha azul.

Roteirista e diretor na Fluxo Filmes
realizando os videoartes do latino-americano Colectivo de Escritura Migrante.
M. S.: Qual a sua definição de felicidade? T. d’B.: A felicidade é um
tipo de tema universal, que ao longo da História muda de feição, afeição ou
mesmo função, dependendo dos valores de cada povo ou da visão de mundo
predominante em cada cultura. Na dita pós-modernidade em que vivemos, o
zeitgeist hodierno é tão fragmentado que muda radicalmente a cada geração. O
conceito de felicidade pode ser diferente para quem viveu as utopias dos anos de
chumbo em comparação à um millennial hiper conectado que visa lacrar no Tik Tok.
O que percebo nesse pós-futuro no qual estamos imersos é uma tendência para os
prazeres hedonistas em uma sociedade cada vez mais egoica e individualista. Em
meu caso, que não deve servir de parâmetro para ninguém, uma suposta realização
pessoal teria mais a ver com o percurso vivido, ou com a trajetória artística
percorrida. Para mim, uma talvez modesta mas possível satisfação, seria a
percepção de que tudo que fiz na arte tenha em algum momento somado
positivamente na vida de alguma pessoa.


Capa do documentário
“Tchello Plural” (Cinsete Produtora) e cartaz da mostra retrospectiva (FURB) de
30 anos de vida artística
M. S.: Quais são algumas das suas
filosofias de vida ou pontos de vista que você compartilharia? T. d’B.:
Nem consigo imaginar que quem quer que nos leia possa se interessar por
eventuais convicções idiossincráticas desse sujeito errante que ora vos tecla.
Se a partir do tema das filosofias de vida, possamos entrar no terreno amplo da
Filosofia, então não custa nada declarar que o Estoicismo é minha base,
espartano e minimalista que sou. Só sobrevivi e cheguei até aqui pela cotidiana
resiliência obtida com a atitude estoica, que me protege, move e motiva. Porém,
se nas entrelinhas da pergunta estiver o vocábulo espiritualidade, li os grandes
livros do Ocidente e do Oriente, conheci as grandes doutrinas e até vivi alguns credos,
de modo que minhas peregrinações direcionaram minha fé simplesmente em trilhar a
senda da ética por caminhos iluminados pelos archotes da ciência.

Em
2024: Tchello d’Barros declamando seus poemas é figurinha fácil nos diversos
saraus do Rio e região
Nota biográfica Tchello d'Barros dedica-se
desde 1993 às linguagens de Literatura, Artes Visuais e Audiovisual. Catarinense
radicado no Rio de Janeiro, atua como curador, roteirista e produtor cultural.
Graduado em Comunicação Social, cursa mestrado na UFRJ. Com 10 livros publicados
e textos em uma centena de antologias e didáticos, suas obras visuais já
integraram mais de 200 exposições nos 20 países que percorreu em constantes
atividades artísticas. Eventualmente ministra oficinas, palestras e diversas
atividades culturais no Brasil e exterior.
Tchello d’Barros (21) 98354-1978 @tchellodbarros www.facebook.com/tchellodbarros
www.amazon.com/tchellodbarros http://www.youtube.com/@Tchellodbarros Rio
de Janeiro - RJ
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Direção e Editoria
Irene Serra
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