01/02/2025
Ano 27
Semana 1.403


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Travessia, uma viagem poética



Milton Ximenes Lima entrevistado por Irene Serra


Tive a honra de ser convidada por Milton Ximenes Lima para editorar seu livro Travessia. E, mais ainda, escrever o prefácio. Tentar captar a emoção de um poeta enquanto constrói sua obra, permear por entrelinhas, sentir o jogo das palavras, são momentos mais do que gratificantes.

Como não procurar saber, então, um pouco mais do autor?

Irene Serra: Você se aposentou da Caixa Econômica Federal após uma longa carreira como advogado e consultor jurídico. Quais foram os principais desafios que enfrentou durante sua trajetória profissional?

Milton Ximenes Lima: Concursado, iniciei minha carreira na Caixa Econômica em 1959 como escriturário-mecanógrafo nível 10-B e a encerrei em 1990, no cargo de advogado. Desafio primeiro: conhecer e me adaptar às atribuições administrativas pertinentes. Orientações de chefias e colegas me impulsionaram às várias opções de procedimentos específicos da área. Apreendi-as, em todas suas minúcias, a ponto de ser indicado, depois, para substituição de colegas com tarefas técnicas específicas. Segundo desafio: ao ser nomeado, posteriormente, como Auxiliar de Gabinete da “carteira” de Consignações, posição maior na hierarquia da minha área de trabalho, estranhei a fria recepção que me deram alguns colegas ali então destacados. Pouquíssimas tarefas me foram atribuídas. O tempo passando, eu solitariamente postado à minha “inútil” mesa de trabalho, somente preenchendo o horário até minha saída do expediente, às 17 horas. Resultado: no grupinho de amigos noturnos cultivados na rua Jorge Rudge em Vila Isabel, próximo ao conjunto do IAPI, se agigantou a presença do ex-seminarista Enoch Barbosa, que lecionava “Português” no curso ginasial noturno do Colégio Maria José Imperial, na praia de Botafogo: cedeu-me três volumosas gramáticas da Língua Portuguesa, para efeito de atualizações (deficiência de que eu me queixara, numa negativa primeira) e me convidou para assumir uma turma noturna do curso de admissão. Já tendo me livrado do curso noturno de Direito na Faculdade Nacional, não vi obstáculo de horários para aceitar a proposta. Por três anos colaborei, mas a fiscalização governamental, que exigia a apresentação do registro profissional de todos os educadores, me fez afastar dessa missão que, confesso, me agradou. Satisfeito com a experiência, ingressei, e fui diplomado pela Escola Técnica de Comércio da Universidade Cândido Mendes na cadeira de Direito Usual e Legislação Aplicada. Daí, lecionei no Colégio Comercial Santa Rosa (Largo de S. Francisco) e na própria Escola Técnica de Comércio da Universidade Cândido Mendes (Praça Quinze). Suspendi tudo isto para dar sequencia às atividades na Caixa Econômica/RJ, agora em novo Gabinete, que me impulsionaram a melhores etapas da minha trajetória funcional. Aqui aproveito, agora, para elucidar a razão da “frieza” com que fui recepcionado pelos colegas no Gabinete: eles estavam “guardando” a função de Auxiliar de Gabinete, que eu viera “inesperadamente” a ocupar, para um colega-amigo que se achava “lotado” numa das “cansativas” agência da CEF.

IS: Sua experiência no campo jurídico influenciou sua visão de mundo e, possivelmente, sua produção literária?

MXL: Claro que sim, principalmente me forçando a mais assimilar responsáveis pensamentos e gestos cautelosos, não só na vida particular como na profissional. Em resumo: aquilatar sempre o valor de uma sua assinatura em qualquer documento apresentado.

IS: Poderia compartilhar alguma experiência marcante que tenha impactado sua vida pessoal ou profissional?

MXL: A experiência que absorvi nos relacionamentos com o trabalho foi a seguinte: trabalho me confiado, executá-lo da melhor forma que aprouver, às vezes consultando escolhidos colegas, mais experientes. Afastá-lo das insinuações e sugestões de “possíveis” interessados no seu lugar. Não se aproximar de grupos com “cheiro” político! Muitas vezes estarão previamente maquinando uma desleal abertura para suas ambições de maior poder dentro das hierarquias administrativas.

IS: Seu livro Cantos dos Meus Silêncios foi publicado em 2000. Quais foram suas principais inspirações para compor os poemas presentes nessa obra?

MXL: Sempre dava prioridade aos gêneros de escrita, crônicas e contos principalmente. O desafio das folhas em branco é um enigmático e constante desafio para os que escrevem. Vivências minhas e de pessoas próximas fortaleceram minhas temáticas. Também imaginados enredos me alçaram a ideias novas. Então, as minhas solidões existenciais, a do universo, das crenças religiosas, e outras mais, foram chegando, me envolvendo. Assim, meus silêncios começaram a borbulhar, meus dedos a digitar sobre espaços oferecidos no papel, a princípio desorganizados. Eu tinha medo de me decepcionar depois de conhecer e admirar tantas maravilhas poéticas que se debruçavam sob meu olhar. E, além disto, eu rejeitava métricas e muitas e obrigatórias rimas que aprisionavam muitos autores. Então, livre destes paradigmas, comecei a poetar só para mim mesmo. Certo dia, algumas pessoas as leram e me insinuaram que deveria publicá-las. No ano 2000, uma equipe de intelectuais se agrupou, me incentivou, e lhes fiquei eternamente grato: Manoel Moreno, Semeador de Cultura (livros), compositor e cantor, contista; Tatiana Moreno, sua filha, revisora; Noemi Ribeiro, artista plástica e diagramadora; Ifis Ribeiro de Andrade (in memoriam), artista plástica e harpista, Nei Lopes, o prefaciador, escritor, compositor e cantor.

IS: Há alguma correlação entre os poemas de Cantos dos Meus Silêncios e Travessia?

MXL: A cabeça é a mesma, apenas as novas experiências de vida se agregaram em torno de uma cabeça mais esbranquiçada. Não há correlação. Há diferenças: das 24 poesias do Cantos dos Meus Silêncios, 18, a maioria, foram editadas numa só página. As outras, mais longas, poderiam, pelo tamanho, pretender anunciar a futura forma de apresentação de Travessia, com 20 poesias, a maioria se espraiando por duas páginas. Quanto às temáticas, a maior parte gravita em torno da imagem de um coração ensimesmado e invadido por novas formas de viver.

IS: Certamente você sabe do impacto que seus poemas - alguns mais do que outros - causam no leitor. Qual a sua sensação diante dessa interatividade?

MXL: Realmente é ótima a sensação que nos envolve, mas que, em sua maioria, não são, depois, testemunhadas pelo Autor porque, como há muito venho dizendo, “quase ninguém, então, escreve ao Autor (de livros). Mãos apertadas, abraços afetuosos vários, gerados na hora do lançamento do livro, e... depois, e depois?... Cadê o leitor e sua opinião? Cresce aí um vazio na alma, nenhuma palavra se anuncia para mimar essa nossa esperança!

IS: Quais poetas ou escritores influenciaram sua escrita e de que maneira eles contribuíram em seu estilo literário?

MXL: Normalmente, no sistema de ensino pátrio, (pelo menos no meu tempo), éramos obrigados a conhecê-los “didaticamente”. Mesmo assim, algumas notáveis poesias invadiram, depois, nosso olhar e nos interiorizaram belas emoções, que ficaram arquivadas no nosso universo interior, para posteriormente acariciá-las em momentos mais receptivos. Quem não se emociona com algumas belas e eternas poesias concebidas pelos cérebros notáveis de um Gonçalves Dias, de um Álvaro de Azevedo, de um Casemiro de Abreu, do Gonçalves de Magalhães, do José de Alencar, de um Joaquim Manoel de Macedo, do Fagundes Varela e de um Castro Alves? Foram eles que me plantaram sementes do “romantismo” de então, e nos tornaram seus admiradores. E, sinceramente, depois deles, não poderemos, honestamente, falar de influências diretas das muitíssimas lições poéticas dos que se lhes seguiram, já abeberados na corrente do chamado modernismo. Conclusivamente: todos nos cederam, a seu modo, matérias e técnicas que tentamos arduamente imitar. Quanto à área da literatura em geral, Graciliano Ramos, Jorge Amado e Érico Veríssimo formaram meu triunvirato de preferências. O que não me impediu, até por questão de justiça, de ter simpatia por muitos outros autores, que me aqueceram a curiosidade literária.

IS: Poderia comentar sobre sua participação em publicações como o CooJornal e a importância dessas plataformas para a divulgação da literatura?

MXL: Importantíssima é a participação dessas plataformas na nossa vida literária, principalmente nos nossos primeiros passos. Sempre me lembro das receptividades das escritoras Leila Miccolis (Blocos on line) - Rio/SP, Ivone Vebber (Entrelivros - RGS), e, finalmente, a partir de abril/2010), Irene Serra (CooJornal Rio/BH - MG). Esta, também Editora da Revista RIO TOTAL, publicou muitíssimos artigos meus (a contar o nº de artigos), o que muito me alegrou. Foi muito importante este último encontro, porque além de me beneficiar com excelentes amizades pessoal e literária, responsabilizou-se pela diagramação e publicação do livro de poesias Travessia, que será lançado neste ano de 2025. No “Site-Revista”, seção CooJornal, ela abriga colaborações de muitos escritores brasileiros, entre eles: Carlos Trigueiro, Chico Lopes, Enéas Athanázio, Pedro Franco, Ronaldo Werneck e eu. A Revista RIO TOTAL, quinzenalmente editada, é exemplo importante de incentivo e acolhida aos escritores necessitados em bem divulgar suas respectivas criações. Deveria, por isso, ser premiada por alguma instituição cultural, privada ou governamental!

IS: Nota-se que você tem uma forte ligação com Cachoeiro de Itapemirim, sua cidade natal. Como essa conexão influenciou sua vida e obra?

MXL:
A cidade de Cachoeiro de Itapemirim, ES, onde nasci, marcou muito minha infância, que, aliás, em vários aspectos, está retratada no livro Aléns e Aquéns do Meu Coração. Neste período, minha personalidade foi sendo paulatinamente moldada com o conhecimento e interpretação das superações adultas a várias dificuldades familiares. Homenageei-a com a poesia “Minha perdida aldeia”, premiada, em 2007, no Concurso de Poesias da Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP), São José dos Campos, SP, como uma das dez melhores concorrentes (critério próprio de seleção). Publicada na Revista da Academia Cachoeirense de Letras nº 21, em 2008. Publicada no Jornal Radar nº 2188, julho de 2009, da cidade de Apucarana, Paraná; formatada em PP pela Professora Terezinha Medeiros, minha prima, residente em Vitória. Link: https://slideplayer.com.br/slide/3670649;  foi lida em Portugal, e recebeu elogios comovidos de muitos conterrâneos, que, inclusive, também, mais a divulgaram. Apesar das dificuldades familiares, minha mãe, Maria Luiza Ximenes Lima, professora primária estadual e, depois, professora de um curso de admissão ao ginásio, por cerca de 10 anos, superou obstáculos do seu viver, mudou-se para o Rio de Janeiro com toda a família. Foi, em 2019, homenageada postumamente pela Prefeitura Municipal da cidade com o diploma de “Cachoeirense in Memoriam”, concedido aos cidadãos que, nascidos em outras cidades, muito contribuíram para o desenvolvimento de Cachoeiro. Portanto, “eu e minhas duas irmãs éramos felizes e não sabíamos, graças ao escudo/manto protetor das orientações e procedimentos familiares.

IS: Como tem sido sua rotina e quais projetos literários ou pessoais você pretende desenvolver após Travessia?

MXL: “Clinicamente” estou bem, embora sob a “ameaça” de remédios que pretendem esticar minha “passagem terrestre”. Ruim, só o cansaço muscular que me invade as pernas nas longas caminhadas. Fisioterapia, assistência psicológica com acuputura. No mais, saio para fazer coisas necessárias a mim e à casa. Também acabei de remeter para uma Editora os originais de “E.T.C. – Em tais circunstâncias”, resumo dos meus contatos com Academias, inclusive a Brasileira de Letras, que frequentei e curti palestras e a amizade de algumas funcionárias. Contatos literários com a Cachoeirense de Letras, aproximando-a, administrativamente, da Brasileira; inserção do discurso do Presidente Solimar Soares, presidente da ACL, nas comemorações do respectivo 60º aniversário. Transcrevo palestra sobre as minhas atuações literária e fotográfica. E, enfim, numa segunda parte, aditei contos e crônicas de minha autoria. Ainda anexei, ao final, resumo de atividades literárias e respectivas premiações.

IS: Que conselho daria para jovens que estão iniciando suas carreiras e buscam conciliar múltiplas paixões profissionais?

MXL: Determinado o seu ideal, correr sempre atrás da sua consecução! No caso, profissional ou literariamente. Cercar-se, também, de sinceros amigos para orientar-se e conseguir apoios na sua caminhada.


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Revista Rio Total
Direção e Editoria
Irene Serra