Gueto de Praga

Praga, a "jóia de pedra" como definiu Goethe, reviveu.
Quem a
visitou depois da primavera de 68 achou que havia morrido: uma cidade de
ouro sufocada pelo mais rígido sistema comunista, um canto de
civilização europeia sepultado por um regime opressivo. Lamentável, para
uma das cidades mais monumentais, grandiosas e charmosas da Europa
Central; pena para uma capital cultural tradicional amada e ao mesmo
tempo amaldiçoada por escritores como Kafka e Kundera.
O
destino quis que fosse escritor também seu atual presidente, Vaclav
Havel, o herói da "Revolução de Veludo", que desde 1989 deu vida nova à
cidade, hoje literalmente invadida por turistas do mundo inteiro.
Inúmeros turistas visitam a cidade também para admirar os tesouros do
bairro judaico, suas sinagogas e museus e para louvar a memória das
vítimas das perseguições de um passado antigo e recente. A primeira
reação do visitante que procura a Cidade Judaica de Praga e os vestígios
do antigo gueto é de surpresa e perplexidade.
As animadas artérias de
acesso, a elegante Rua Pariska e suas proximidades à Maislova e Siroka,
apresentam magníficas fachadas em estilo neobarroco, neo-renascentista e
art nouveau, que substituem um bairro único que se originou na Idade Média.
As próprias sinagogas, já definidas como "Glórias entre os Templos",
parecem abafadas por essas construções.
Mesmo assim, na Cidade
Judaica de Praga encontra-se um conjunto de monumentos judaicos, únicos
em toda a Europa Central.
Embora o antigo gueto, com seu emaranhado
de ruas, ruazinhas, cortiços e passagens tenha sido cancelado do mapa
histórico da cidade pelo decreto de saneamento de 1893, e substituído
por um moderno bairro residencial, a comunidade judaica, com o apoio dos
intelectuais e artistas da cidade, conseguiu preservar a maioria dos
monumentos mais preciosos, entre eles cinco sinagogas, o edifício da
prefeitura judaica e o antigo cemitério judaico.
O exame desses
tesouros das épocas góticas, renascentista e barroca, assim como da mais
recente, permite-nos acompanhar, em toda sua continuidade, a evolução da
comunidade judaica, como em pouco lugares no mundo, por quase dez
séculos. Relativamente, a vida no gueto não foi perturbada e a
comunidade que lá se instalou desde a alta Idade Média continua até os
nossos tempos.
Na época, havia bons motivos para demolir o gueto
repleto de gente, escuro, sem ar, com o mais elevado índice de
mortalidade da cidade e foco ativo de doenças infecciosas; um bolsão de
miséria em que talvez não houvesse possibilidade de recuperação, tal era
o estado das moradias freqüentemente divididas entre vários habitantes,
cada um ocupando um espaço bem limitado.
Para a imagem de Praga,
que queria competir com as outras capitais do império austro-húngaro, o
bairro judaico nesse estado e em pleno coração da cidade, era uma
tristeza. Para isso, a cidade procedeu a uma destruição radical e
sistemática do bairro, preservando apenas os edifícios de valor
histórico. Essa operação de saneamento envolveu também o bairro
cristão ao redor do gueto, com perda não menos triste: assim, apenas 20
anos, entre 1897 e 1917, surgiu sobre as ruínas do gueto e da parte nova
da Cidade Velha de Praga.
BREVE HISTÓRIA
De acordo com
fontes históricas, havia judeus sediados aos pés do Castelo de Praga, à
margem esquerda do rio Vlatva ou Moldava, no atual bairro Malà Strana,
desde o século X.
Lá no Bairro Pequeno, havia um sinagoga e um
cemitério. A sinagoga foi totalmente destruída pelas chamas em 1142,
quando Praga foi sitiada e ocupada e, a partir dessa data, os judeus
passaram a se estabelecer à margem direita do rio Vlatva, na Cidade
Velha.
Praga, no caminho das rotas do comércio entre o ocidente e o
oriente, atraiu para a Boêmia imigrantes judeus provenientes de duas
regiões distintas: do oriente, de Bisâncio e do ocidente, de além dos
Alpes, especialmente da Baviera.
Os orientais, que se acredita serem
o núcleo mais antigo, concentraram-se na área em volta do antigo Schul
(sinagoga, em iídiche) da Rua Dusni, posteriormente demolido e
substituído, em 1867, pela Sinagoga Espanhola ou Templo. A segunda leva
de imigrantes provenientes do ocidente, ocupava uma área maior nos
arredores da Velha-Nova Sinagoga. Assim, os judeus fundaram sua própria
cidade no território da Cidade Velha de Praga.
A cidade judaica,
depois denominada de gueto, representava desde os séculos XI a XIII um
conjunto compacto de moradias, contando em 1435 com 143 edifícios
significativos, dadas as pequenas dimensões das cidades medievais, com
seu status jurídico e separada da parte cristã da cidade por uma muralha
com seis portas que eram fechadas à noite. A última porta foi eliminada
em 1822, quando o gueto contava com 279 casas, 31 ruas e ruazinhas e 2
praças.
Crescia durante os séculos a fama da comunidade judaica de
Praga: graças à segurança e prosperidade relativas garantidas pela
proteção dos monarcas, a cidade atraía elites intelectuais.
Na
cidade, desde o século XI, funcionava a famosa Academia Judaica,
prestigiosa escola talmúdica; nela, também no início do século XVI,
apareceu a primeira impressora de textos judaicos de além dos Alpes, e
lá também viveram e trabalharam grandes sábios.
As fontes
históricas relatam que em 1703 a população do gueto contava 11.517
habitantes concentrados em apenas algumas quadras de prédios, enquanto
que o resto da Cidade Velha contava com 11.618 pessoas. A cidade judaica
tinha suas próprias leis, suas autoridades e seu presidente.
Fonte: Morashá Enviado por Leon M.Mayer
(RT, 17 de setembro, 2005) |