Rosh Hashana
e Iom Kipur
Jane Bishmacher de Glassman

No 1º dia do mês de Elul, Moisés subiu ao monte Sinai para pedir a
Deus as novas Tábuas da Lei. A partir daí, durante 40 dias, o povo
fez penitência pelo pecado da idolatria, esperando que Moisés
obtivesse o perdão de Deus. Também hoje em dia, recita-se, durante
40 dias, preces especiais para implorar o perdão de Deus. Os dias de
mais estrita penitência são os 10 últimos, do 1º ao 10º dia de
tishrei - asseret iemei teshuvá.
Estes dias, em que
o 1º é Rosh haShaná e o 10º é Iom Kipur, são considerados Iamim
Noraim (“dias temíveis”) porque, ao se concluir o ano é
necessário fazer um balanço sobre o que foi realizado, submeter-se a
um juízo consigo mesmo, e comprometer-se com a teshuvá (retorno,
arrependimento).
Seli’hot (preces penitenciais, literalmente =
desculpas), são recitadas durante toda a semana anterior a Rosh
haShaná.
Teshuvá - frequentemente traduzida como
arrependimento, na realidade significa retorno. O judaísmo enfatiza
que nossa natureza essencial, a centelha divina da alma, é boa. O
verdadeiro arrependimento é atingido não por meio da severa
auto-condenação, mas pela percepção de que o mais profundo desejo é
fazer o bem, retornar ao bem.
ROSH HASHANÁ
Rosh
haShaná significa, literalmente, “cabeça do ano” e se refere à
celebração do Ano Novo Judaico, iniciando as grandes festas. Cabeça
do ano pois o homem também usa a cabeça (cérebro) para organizar sua
vida, suas ações. O ano novo judaico celebra o aniversário da
criação do mundo. É época de reavaliação da qualidade de nosso
relacionamento com Deus. Quando Moisés intercedeu em favor dos
hebreus (por terem cometido idolatria) o povo ouviu ressoar o
shofar, que anunciava a presença de Deus. É um espaço temporal que
serve para refletir e se comprometer com um plano de ação.
Denominações:
- O conceito de Ano Novo como é hoje, aparece
na Mishná: ”O começo do calendário, no dia 1o de Tishrei”;
- Na Bíblia é o 7º mês e é denominado Iom Teruá (dia do
toque do shofar) ou Zicaron Truá (recordação do toque do shofar);
- Na liturgia: Iom Zicaron (dia da recordação) e Iom ha Din
(dia do juízo)
Rosh haShaná coincide com o outono (no
hemisfério norte) - época em que os judeus iniciavam um novo ano
agrícola (bem como os outros povos, no mesmo tempo e espaço).
A essência do ano novo judaico não é uma ocasião para o excesso
e o júbilo incontrolado. Entra-se num período de reflexão, de
auto-exame e também de recordação. O símbolo principal deste evento
é o toque do shofar durante o mussaf. O shofar é como um alarme, que
chama à reflexão o piedoso e, à consciência adormecida, o homem
desinteressado.
Leis e costumes de Rosh haShaná:

1. Formula-se votos de um feliz ano novo aos próximos. Costuma-se
enviar cartões com bênçãos e votos para o ano novo. Exemplos:
Shaná Tová U-metuká (um ano bom e doce), Le-shaná Tová
Tikatev (que seja inscrito para um ano bom).
2. Na
véspera de Rosh haShaná as mulheres acendem velas (como na véspera
de Shabat) e abençoam (acender vela de Iom Tov além da bra’há
Shehe’heianu).
3. Veste-se roupas brancas, representando a
pureza da alma.
4. Come-se comidas que representem o bem, a
plenitude e a feliz renovação do ano. Um costume antigo é mergulhar
um pedaço de halá, sobre o qual se faz a bra’há, não no sal e sim no
mel, simbolizando a doçura do ano que vem. Judeus ashkenazim
costumam assar halot redondas representando o ano redondo (cíclico)
e pleno, e judeus sefaradim costumam encher um cesto com frutas e
escondê-lo, simbolizando que o ano que vem também é “oculto” e não
se sabe o que trará. Há muitos que comem peixes, simbolizando que
“nos multipliquemos e frutifiquemos” como peixes, cenoura, como
símbolo de realização material ou melancia, representando segurança;
uma cabeça de peixe,cordeiro ou cabrito - para que “sejamos cabeça e
não rabo”. Quase todos comem uma maçã no mel (tapua’h bedvash) -
para um ano bom e doce.

5. Intensifica-se a tefilá (reza) e o estudo da Torá.
Também são acrescentados trechos nas rezas, como na Amidá e no
Kadish.
6. Depois do serviço da tarde do 1º dia de Rosh
haShaná, aproxima-se de um rio ou do mar e pronuncia-se: Mi El
Camo’há ? (Quem é Deus como tu?) e se sacodem as roupas, para
simbolizar o desprendimento dos pecados.

7. Se o 1º dia de Rosh haShaná cai num Shabat, cumpre-se esta
cerimônia (tashli’h) no 2º dia. Ela simbolicamente se
refere às palavras do profeta Miquéas, cap.6: “E atirarás para as
profundezas do mar todos os teus pecados...”
É bom que se
tenha peixes na água pois estes nunca fecham os olhos, representando
a vigilância constante de Deus. Um motivo deste costume encontra-se
no Midrash, que conta a lenda de quando o Patriarca Abraão estava
indo sacrificar seu filho Isaac, Satã criou uma poça de água como
obstáculo no seu caminho, mas Abraão continuou em frente até que a
água atingisse seu pescoço. Então Abraão rezou a Deus e a água
desapareceu. Em Rosh haShaná costumamos ir junto à água de um poço,
rio ou mar para despertar a misericórdia divina em lembrança do
sacrifício de Abraão.
8. Toca-se o shofar no 1º e no 2º dias
de Rosh haShaná como mitzvá (ouvir truat shofar). Cada dia
devem soar 100 toques divididos em 3 tipos: tekiá, truá
e shevarim. De acordo com o costume sefaradi, toca-se 101
toques. O shofar também está associado ao sacrifício de Isaac, que
foi salvo por um cordeiro preso em seus chifres, o qual foi
sacrificado em seu lugar.
9. Quando Rosh haShaná cai no
Shabat não se toca o shofar.
O SHOFAR
Primitivo
chifre de carneiro.
É um dos primeiros instrumentos musicais de
sopro da humanidade.
Até hoje se mantém sua forma e uso das notas
tradicionais.
Seu som anuncia o ano novo e convoca ao
arrependimento.
Na antiguidade foi utilizado nos seguintes
acontecimentos:
- Sobre o Sinai, na entrega das Tábuas da Lei;
- As muralhas de Jericó caíram com seu som;
- O dia em que Ehud
matou milhares em Moab.
Em épocas pós-bíblicas o som do
shofar foi escutado:
- Em caso de alarme, incêndio ou inundação;
- Figurou magicamente na cerimônia para a chuva;
- Seu som
convoca à reflexão e à ação de vincular-se como povo, como nação e
como Estado.
(Fontes:
Ex30,1-10;Nm29,17;Lv25:9-16,29:34,23:24;Ez40:7;Jr8:1-11).
Tem sido usado de 3 formas diferentes através da História:
-
Antigo Israel (antes do Rei David): uso cotidiano para congregação
do povo, marcha, convocações santas.
- Período do Templo:
serviços religiosos.
- Tempo moderno: só em Rosh háShaná e Iom
Kipur: chamado moral. Assim, o shofar até hoje anuncia o Ano Novo e
convoca o povo ao arrependimento.
IOM KIPUR
Iom
Kipur, Dia da Expiação ou do Perdão, 10º dia de tishrei, marca a
culminância dos 10 Dias de Penitência e é considerado um dos pontos
máximos do calendário judaico. O jejum e a abstenção de todo prazer
físico são uma expressão extrema da intenção de submeter a natureza
material ao domínio do espírito. Embora sejam dias solenes, não são
tristes, pois em Iom Kipur recebe-se o presente mais sublime de
Deus: Seu perdão. Quando uma pessoa perdoa outra, é por causa de um
profundo senso de amizade e amor, que não leva em conta o efeito de
qualquer coisa errada que tenha sido feita. O perdão de Deus é uma
expressão de seu amor incondicional. Quanto mais plenamente
demonstrarmos nossa união essencial agindo com amor e amizade entre
nós mesmos, mais plenamente o amor de Deus se revelará.
Iom
Kipur enfatiza os seguintes ensinamentos do judaísmo:
1. O
pecado é uma fraqueza do homem e está sempre sob seu domínio, caso o
homem deseje dominá-lo; não é obra de poderes malignos que tramam a
decadência do homem.
2. O homem tem certeza de que seu Pai o
receberá sempre bem e perdoará seus pecados, se ele realmente se
arrepender.
3. Não existe nenhum intermediário entre Deus e o
homem. Para que o homem seja perdoado basta que ele realmente se
arrependa e se proponha a levar uma nova vida.
4. Deve-se pedir
perdão ao próximo antes de pedir a Deus.
TESHUVÁ - TEFILÁ -
TZEDAKÁ
O credo judaico não reconhece o dogma do pecado
original, pois considera o homem bom e puro por natureza e livre:
Deus põe em suas mãos os meios de renovar-se sempre e indica os
caminhos que levam à graça: teshuvá, tefilá e tzedaká.
Teshuvá - implica arrependimento, regresso. Não existe erro ou
pecado que não possa se cancelar através da Teshuvá. Consiste em 3
etapas:1.Hakarat há’het=reconhecimento do erro; 2. Teshuvá =o
arrependimento;3.Azivat há’het = não voltar a cometer o mesmo erro.
Tefilá = reza, oração. Tzedaká = significa, ao mesmo tempo, justiça
e caridade, porque no exercício da caridade realiza-se a justiça.
Leis e costumes de Iom Kipur
1. No dia anterior a Iom
Kipur, pela manhã, faz-se a cerimônia de kaparot, com um galo ou
galinha.
2. Deve-se comer bem na véspera de Iom Kipur, assim
como jejuar no dia seguinte. Ao entardecer, faz-se a última
refeição, que deve ser de fácil digestão como carne de aves, que
deve ser concluída antes do anoitecer.
4. É proibido comer,
beber, lavar-se, barbear-se, calçar sapatos de couro, perfumar-se,
etc.
5. Em Iom Kipur celebram-se serviços em memória dos
mortos (Yzkor). Costuma-se realizar o Yzkor no último dia de cada
Iom Tov (Pessah, Shavuot, Shemini Atseret). Porém em Iom Kipur é
especial. Mesmo os que normalmente não freqüentam a sinagoga fazem
questão de ir. Eles vêm relembrar as almas de seus queridos pais (ou
avós ou outros parentes), que já se encontram no Olam haEmet (Mundo
da Verdade). Geralmente essas orações são feitas mais ou menos no
meio de Iom Kipur.
6. A oração que inicia os serviços de Iom
Kipur é o Kol Nidrei. O fim do jejum e do Iom Kipur é marcado pelo
toque do shofar após a Tefilá Nehilá.
7. Na oração min’há,
além da leitura da Torá, lê-se o livro de Jonas, devido ao relato da
teshuvá do povo em Nínive e para relembrar que os homens podem mudar
seu destino e o Julgamento Divino através de uma Teshuvá sincera.
8. Em Iom Kipur fala-se o Vidui (confissão). Todos recitam
juntos, pois considera-se que todos os judeus formam uma unidade, um
só corpo. Assim, quando uma pessoa comete um pecado, o corpo inteiro
é afetado. Da mesma forma, quando alguém faz uma mitzvá, traz
benefício para o povo como um todo. O vidui é como um reconhecimento
do erro e uma expressão de remorso, como se disséssemos que não
deveríamos ter cometido esta falha.
9. Ao findar Iom Kipur
faz-se com uma refeição familiar festiva.
10. Imediatamente
após o término de Iom Kipur começa-se a construir a Sucá.
SUCOT
A
Festa das Cabanas, em hebraico Sucot, é parte do ciclo de
festividades que começa com Rosh haShaná. Sucot distingue-se por 2
ritos: a sucá, onde se deve, durante a festa, comer todas as
refeições, construída para lembrar as cabanas que os antepassados
dos israelitas construíam no deserto; e o lulav, que é um feixe
formado de 1 palma de tamareira(lulav),3 ramos de mirta (hadás),2 de
salgueiro(aravá) e a cidra(etrog). Durante as orações matutinas
agita-se este feixe,lembrando ser Sucot também a festa da colheita -
Hag Assif.
As 4 espécies de Sucot são semelhantes a 4 tipos
de pessoas:
· Etrog - tem sabor e aroma - simboliza os
conhecedores e praticantes da Torá e das mitzvót, praticantes de
boas ações;
· Lulav - tem sabor mas não tem aroma - simboliza
os conhecedores, mas que não praticam boas ações;
· Hadás -
possui aroma mas não tem sabor - simboliza os que praticam boas
ações mas não conhecem Torá nem mitzvot;
· Aravá - não possui
sabor nem aroma - simboliza os que não conhecem nem praticam boas
ações.
A
razão básica para a sucá é a de reviver o mesmo tipo de vivenda
passageira em que viveram os judeus enquanto vagavam através do
deserto durante 40 anos. Pelo fato de se deixar as casas e ir
habitar durante uma semana na cabana, tem-se a obrigação de se
recordar também a história do povo judeu. A sucá simboliza as
perseguições, as diásporas que foram impostas por outros povos
através da história judaica. Não lhes deram a possibilidade de
habitar em sua casa pequena e acolhedora. Foram coagidos a fugir de
um lugar para outro, de um país para outro, de diáspora a diáspora.
Ao se deixar as casas e transferir-se para a sucá, uma pessoa pode,
através da vivência, vir a entender o que sente um pobre quando vive
em tal situação, exposta aos elementos naturais e pode apreciar
ainda mais as bênçãos de Deus, que nos permitiu ter uma casa segura.
Sucot é um exemplo de como o judaísmo pede mais que pensamentos
e verbalizações - requer ação.
Durante cada um dos dias de
Sucot recitam-se preces especiais para que o novo ano traga
prosperidade para a terra e saúde aos homens. Hoshá-na = salva-nos:
no sétimo dia da festa, Hoshaná Rabá, agitam-se, durante a oração da
manhã, ramos de salgueiros, árvore que cresce à margem dos rios e
que simboliza a água que corre em abundância. São renovados os
pedidos a Deus que lave as faltas, que ajude no ano que começou.
Quando o Templo existia celebrava-se a festa da água (Sim’hat Beit
haShoevá). Hoje, em Israel, efetuam-se em Sucot festas populares e
campestres.
A festa de Sucot dura 7 dias, dos quais os dois
primeiros são festas solenes. O 7º dia de Sucot, Hoshana Rabá,
inclui 7 voltas ao redor da Tevá (altar),como se fazia durante a
época do Templo, rememorando as 7 voltas do povo de Israel em redor
dos muros de Jericó. Este dia é considerado um dos mais sagrados do
ano inteiro; os cabalistas dizem que é o dia no qual o selo final é
colocado no “Livro da Vida”, determinando o destino para o próximo
ano. Muitas comunidades sefaradim fazem um Tikun, ou longa noite de
estudos, em honra a este dia sagrado.
SHEMINI ATZERET
E SIM’HAT TORÁ
Após
haver deixado para trás os dias de penitência do mês de tishrei e o
júbilo da festa de Sucot, despede-se desta temporada festiva com a
celebração de Shemini Atzeret e Sim’hat Torá. Em Israel, estas duas
festas se celebram juntas, em um só dia; na diáspora, em dois. Na
Torá, chama-se de a festa do 8º dia (Nm. 29:35). Ainda que se
festejem juntas, existem diferenças. Em Sucot há muitas mitzvot; a
única mitzvá de Shemini Atzeret é a de regozijar-se – talvez a mais
difícil do judaísmo, porque envolve nossa psiquê. Sucot se celebra
fora de casa, Shemini Atseret é festejada em casa.
Um aspecto
particular de Shemini Atzeret é a oração por chuva, porque nesta
época o mundo é julgado em relação à água. Nas orações se introduz a
frase, que será recitada até Pessah: meshiv ha-rua’h u morid
ha-gueshem (o que faz com que o vento sopre e a chuva caia). Ela dá
expressão à natural ansiedade que se sente em Israel durante a
estação das chuvas, já que a ausência delas significa fome, sede e
enfermidade. Esta oração é deixada para o dia final da festa, para
não invocar a chuva justamente quando se necessita de desfrutar de
um bom tempo para habitar a Sucá.
Sim’hat Torá assinala a
ocasião em que a leitura da Torá é completada e reiniciada. Embora
com este nome não se ache no Talmud, a festa é citada no Zohar
(Pin’has 256b). Como se finaliza a leitura da Torá, é um momento
oportuno para se alegrar em sua homenagem: por isto é chamada
Sim’hat Torá = alegria da Torá. Todos os rolos são retirados do Aron
haKodesh (arca sagrada) e membros da congregação recebem a honra de
levá-los para as Hakafot, as 7 voltas feitas em procissão em redor
do átrio da sinagoga. O caráter festivo de Sim’hat Torá é revestido
de um espírito de regozijo no qual as crianças têm parte especial.
Para destacar a ocasião festiva, elas se juntam às Hakafot munidos
de bandeiras. A pessoa convocada para a conclusão da leitura é o
Hatán Torá e a que é convidada para iniciar é o Hatán Bereshit.
TEXTOS EXTRAÍDOS DE “À LUZ DA MENORÁ: INTRODUÇÃO À
CULTURA JUDAICA”,
DE JANE BICHMACHER DE GLASMAN, ED. DA AUTORA,
GRÁFICA STAMPA, 1999
(direitos autorais protegidos)
Jane Bichmacher de Glasman é Doutora
em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica USP,
Professora
Adjunta, Fundadora e ex-Diretora do Programa de Estudos Judaicos
UERJ e
do Setor de Hebraico UFRJ (aposentada) e UERJ, escritora
Publicado na Revista Rio Total em 9 de setembro, 2009.