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Tu Bishvat

Jane Bichmacher de Glasman B”H
Tempo de celebrar a passagem do tempo É inevitável. É infalível. Como um
relógio programado para dezembro, as pessoas começam a me perguntar: - E aí: o
que você vai fazer no Natal e no Ano Novo?... Ah, “vocês” não comemoram ... não
é mesmo?
O que vou fazer não reflete uma mera curiosidade social. É mais
um preâmbulo retórico para o “vocês” que se segue. Por “vocês” subentenda-se:
judeus. Tenho um repertório considerável de respostas prontas para serem
acionadas, que variam de acordo com o humor e o interlocutor. Vão desde
“comemorar, ora!” a “eu não sou judia, sou levita”, passando por “vocês quem,
cara pálida?”, “aproveito para emendar desde Hanuká”, etc.
Na verdade,
considero o Natal e o Reveillon (sei que vou chocar mas não resisto!) as festas
cristãs mais judaicas (aproveitando sua cara de espanto: da mesma forma que
considero Iom Kipur a mais católica das festas judaicas, por uma série de
influências conjunturais e litúrgicas desenvolvidas desde períodos
inquisitoriais que não comentarei aqui por fugir do tema principal). Afinal,
Natal comemora o nascimento de um menino judeu e Reveillon, o brit-milá
(circuncisão) do mesmo (1). Isto, sem entrar em qualquer consideração teológica,
apenas levando em conta o aspecto Jesus - humano.
Este dado também nos
conduz ao caráter simbólico do calendário civil (ou gregoriano ou cristão): de
entrada, ele já começa com uma semana de atraso! Jesus (Ioshua, Ieshu ou Ieshua,
em hebraico) no oitavo dia de vida, na cerimônia do brit-milá citada, recebeu
seu nome e passou a fazer parte de sua congregação: no dia 1º de Janeiro - como
consta em todos os calendários.
Natal, Hanuká, Reveillon, Rosh
haShaná...
Os judeus não comemoram o Natal nem o Ano Novo como tal,
embora um Kidush e um Shehe’heianu não façam mal a ninguém nem “agridam” nenhum
preceito judaico (ou não? o que você acha?) Rosh haShaná, o Ano Novo judaico se
comemora entre setembro e outubro (é uma data móvel, pois o calendário judaico é
luni-solar). Jesus e os primeiros cristãos também comemoravam a data, apesar de
Rosh haShaná ter adquirido maior significado no período talmúdico, época que
abrange o surgimento do cristianismo (2). Bem posteriormente é que os cristãos
passaram a comemorar o ano novo a partir do nascimento de Jesus e marcá-lo como
início de uma nova era. Os romanos comemoravam em outra data, bem como os
chineses. Os muçulmanos o fazem a partir de Maomé, sendo que seu calendário é só
lunar. A era vulgar (2001 d.C.) prevalece no mundo para efeitos civis.
Afinal, quantas vezes os judeus celebram o Ano Novo?
Na verdade,
segundo o calendário judaico são comemorados... quatro Anos Novos! Em Nissan,
Elul, Tishrei e Shvat...
Nissan é, na Bíblia, o primeiro mês do ano,
pelo qual, por exemplo, eram contados os anos dos reinados (contagem dos anos
dos reis de Israel). Além disso, por ser o mês de Pessah, que marca a
comemoração da passagem para a liberdade, envolve, na minha opinião, o belo
simbolismo de o tempo ter sentido, merecendo ser contado, a partir do momento
que somos livres!...
Elul seria o “Ano Novo do Gado”: no primeiro dia
deste mês, retirava-se o dízimo (um décimo dos animais nascidos nos últimos 12
meses) e doava-se ao Beit HaMikdash (Templo de Jerusalém).
Tishrei,
sétimo mês bíblico ("No sétimo mês, o primeiro dia do mês, será um descanso
solene para vocês, uma comemoração proclamada com o toque do shofar, uma
convocação santa"), veio a ser considerado o começo do ano civil judaico, por
ser o mês da Criação, uma espécie de “Aniversário do Mundo e do Homem”, quando é
feito o julgamento divino dos seres humanos.
Ele também marca o início
da contagem da Shemitá (Ano Sabático); do Iovel (Jubileu, quando eram libertos
os escravos e as propriedades voltavam às mãos dos donos originais); da Orlá (3
anos a partir do plantio de uma árvore frutífera, durante os quais não se pode
comer seus frutos) bem como do ano para cálculo do dízimo da colheita de
vegetais e grãos. (Por curiosidade, você sabia que estamos em ano de Shemitá?)
Na verdade, na antiguidade, Rosh haShaná era época de Ano Novo não só
judaico, mas para todo o hemisfério norte, quando se encerrava o ciclo anual
agrícola, se fazia o balanço do ano, como fazem as empresas hoje, publicando
estes balanços em jornais, etc (explicando, em parte, a simbologia do signo
zodiacal - Balança - associado ao período). A partir do acréscimo de rituais,
preceitos e símbolos judaicos e, principalmente, por terem os judeus continuado
a comemorar a data até hoje, independente de localização espacial, Rosh haShaná
ficou definido para todos como “O” Ano Novo judaico.
Mas meu objetivo é
falar de outro, do quarto: Tu biShvat, o “Ano Novo das Árvores”, este ano (2001)
comemorado no dia 8 de fevereiro. Mas pelo calendário judaico, não apenas o dia
é fixo, como define o nome da festa: as letras hebraicas tet e vav, que formam o
Tu, têm valor numérico 9 e 6; como 9+6= 15, significa que se comemora no 15º dia
do mês hebraico Shvat.
Celebrando: costumes e simbolismos...
politicamente corretos!
Um antigo costume de Tu biShvat era plantar um
cedro para cada varão que nascia e um cipreste para cada menina. Quando cresciam
e se casavam, os ramos destas árvores, plantadas em sua homenagem, eram usados
para a hupá (dossel nupcial). Assim a árvore era associada ao ciclo da vida
judaico (3).
Celebra-se também preparando-se uma mesa com frutos, tipo
um luau kasher, especialmente os sete enunciados na Torá (Dt 8:8) como especiais
de Israel: trigo, cevada, uva, figo, romã, azeitona e tâmara.

Outro
costume é ter 15 frutos diferentes na mesa para simbolizar o 15 de Shvat. Além
deles, procura-se encontrar uma fruta da estação, que ainda não se comeu neste
ano, para recitar a bênção Shehe’heianu.
Podemos também simplesmente
fazer passeios, nos colocando em contato com a natureza – política e
ecologicamente correto, além de saudável!
Hoje em dia, em Israel, é
costume plantar árvores, para aproximar as pessoas da terra e para o
reflorestamento, marcando a data como uma das mais antigas práticas ecológicas.
Este ano, como mencionei, sendo de Shemitá, no qual o plantio de árvores é
proibido, foi criada uma alternativa cibernética pelo Keren Kayemet LeIsrael: um
“site de plantio virtual”... (sério mesmo!
http://www.kkl.org.il/virtual_planting/default.htm )
Ainda atinente ao
binômio Judaísmo & Ecologia, a Torá proíbe cortar ou danificar uma árvore que dá
frutos (Dt 10:19) ou cruzar árvores em crescimento para produzir uma nova classe
de frutos. A Torá compara o ser humano às árvores: “Pois o homem é como uma
árvore do campo” (Dt 20:19). Assim como as pessoas são julgadas em Rosh haShaná,
as árvores são julgadas em Tu biShvat. Nesta data também devemos repensar os
exemplos que as árvores inspiram:
1.Uma árvore se compõe de raízes,
tronco e frutos; o homem também. As raízes, não se vê; estão escondidas sob a
terra, mas é delas que a árvore tira sua força e vitalidade. Quanto mais fortes
forem, mais forte será a árvore. No homem, as raízes são a fé e também por onde
absorve o saber. O tronco, a parte mais evidente da árvore, é por onde também o
homem pode se definir, se mostrar ao mundo. Quanto aos frutos, a plenitude de
uma árvore só é atingida quando começa a dar frutos. Para que serviriam raízes
profundas e um tronco imponente, se nada vivo saísse dos mesmos? No homem, esses
frutos são a capacidade de ajudar e ensinar, tornando-os também árvores sólidas.
2.Das árvores podemos (e devemos) tirar também outro ensinamento: a
humildade. As árvores são diferentes no inverno e no verão (embora aqui em
“Pindorama” seja menos evidente...) No inverno, quando os frutos já foram
colhidos e as folhas caíram, as árvores ficam retas, os galhos apontando para
cima. No verão, carregadas de frutos e folhas, as árvores se inclinam com o seu
peso. O mesmo acontece com os seres humanos. O homem vazio de conhecimento é
arrogante e orgulhoso. O homem sábio se curva, pois quem é realmente grande é
verdadeiramente humilde. Conhecer a palavra humildade todos conhecem, difícil é
aplicá-la na vida prática... Ela é necessária não só no convívio com os outros,
mas no relacionamento com Deus. Só o humilde encontra inspiração na oração. O
sucesso cega as pessoas a ponto de perderem Deus de vista. Na presença da doença
ou da morte, todos são humildes, mas quando a sombra negativa se afasta, o
antigo orgulho volta e Deus sai de cena. Todos nós podemos ter tido esta atitude
alguma vez...
E você ... o que acha?
Notas: (1)
Politicamente incorreto, um pouco de marketing pessoal: leia mais sobre o
assunto em “`A Luz da Menorá - Introdução à Cultura Judaica”, da autora deste
artigo, Capítulo V: O Ciclo Vital Judaico. (2) Ver “Interseções - Relações
do Judaísmo com outras culturas e religiões na Antigüidade”, da autora do
artigo, que trata do assunto. (3) Correndo o risco de dar uma de árvore no
inverno, ver (1), Capítulo IV: Festas e Feriados Judaicos.
Colaboração de Jane Bichmacher de Glasman, janeglasman@terra.com.br
professora da UERJ e do ISTARJ, escritora
(RT, fevereiro, 2001)
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Direção e Editoria
Irene Serra
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