Viegas Fernandes da Costa
Valeu Faccioli!
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Leio na edição de janeiro do Rascunho o ensaio de Luiz Paulo Faccioli,
intitulado "Os belos crimes de Agatha", no qual revela seu respeito e
admiração pela obra de Agatha Christie. Bonito texto sobre uma das autoras
mais lidas e comentadas, e criadora de um universo literário gigantesco. Só de
romances, novelas e contos do gênero policial são quase noventa títulos, além
das peças de teatro, coletâneas de poemas, biografias e romances não
policiais.
O ensaio de Faccioli me transportou para a juventude, em
uma noite de Natal, quando sob o pinheirinho surgiram dois livros de Agatha,
"O caso dos dez negrinhos" para este escriba aqui, e os "Cinco porquinhos"
para o Aldori, meu irmão. Nossos pais tinham escolhido o presente ideal!
Na literatura policial, lembro-me da experiência de ler "O cão dos
Baskerville", de Arthur Conan Doyle, em uma tarde de folga escolar. O mergulho
foi tão intenso, que só descansei quando dei cabo do romance, naquele mesmo
dia. Até então, Sherlock Holmes era uma referência vaga para mim, e Conan
Doyle passou a ser o meu sonho de consumo em histórias policiais. Até aquele
Natal bibliográfico!
Ao ler Agatha Christie, meu irmão e eu
inauguramos uma experiência de cumplicidade literária. Ao final de cada obra,
publicada pela editora Record, em uma coleção popular, constava a relação dos
demais títulos da autora, e eram sempre muitos! Aldori e eu passamos, tal
qual relata Faccioli em sua experiência particular, a anotar os títulos já
lidos. Meu irmão, claro, sempre estava na frente.
Ocorria, muitas
vezes, de lermos o livro que o outro já havia lido, e então rolavam debates a
respeito da trama, e também alguma chantagem do tipo: "cara, se tu me
incomodares, conto quem é o assassino". Tempos divertidos, em que Agatha
Christie conduzia nossos olhos, encontros, papos e divergências. Nossa
preferência por Hercule Poirot era, entretanto, consensual. Miss Marple, com
todo aquele seu tricô, não nos despertava a mesma simpatia. Roger Ackroyd,
Parker Pine e o casal Tommy Tuppence Beresford apareciam pouco, e por isso não
disputavam em condições de igualdade nossa atenção.
Como não
possuíamos dinheiro, garimpávamos os livros na Biblioteca Pública Fritz
Muller, de Blumenau. Um ou outro conseguíamos nos sebos locais, ou emprestados
de amigos. Aldori leu muitos mais do que eu, haja visto seu senso de
disciplina e persistência. Não creio que chegou a ler a coleção inteira, mas
certamente deve ter chegado bastante perto disto. Eu devo ter lido uns trinta
livros, algo assim. Muito aquém da vasta obra que Agatha Christie legou.
Nossas listas de leitura por alguns anos rolaram entre nossos papéis.
Compará-las era divertido. Depois, o fluxo da vida foi tecendo caminhos,
curvas, desvios. Perderam-se as listas, Agatha Christie ficou na memória de
uma época feliz e seguimos nossas histórias. Bom é reencontrar o sabor do
passado e da cumplicidade fraternal em um ensaio de jornal. Valeu Faccioli!
(RT, 01 de fevereiro/2015) CooJornal nº 922
Viegas Fernandes da Costa é historiador e escritor.
Autor dos livros "Sob a
Luz do Farol" (Crônicas, 2005), "De Espantalhos e Pedras Também se Faz um
Poema" (Poemas, 2008) e "Pequeno Álbum" (Contos, 2009).
Atualmente leciona
História no Instituto Federal de Santa Catarina e é cronista do Jornal de
Santa Catarina.
Reside em Blumenau, SC.
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