Sheila Sacks
Relatório sobre as maiores organizações criminosas da América
Latina e Caribe inclui grupos do Brasil
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Elaborado pela
ONG InSight Crime e com o apoio financeiro da União Europeia (UE) foi lançado
em fevereiro a publicação digital El Pacto2.0 que investiga e mapeia as
maiores organizações criminosas da América Latina e Caribe e suas conexões
com o continente europeu.
Segundo a ONG o aumento da produção de cocaína
gerou US$ 25 bilhões extras em lucros para o crime organizado transnacional
em 2024, e apesar de outros ilícitos é a cocaína que sustenta o crime
organizado na América Latina, sendo também o seu maior acelerador. Foram
classificadas e investigadas as 28 redes criminosas mais ativas e relevantes
que representam alto risco para os países da região. No Brasil, três grupos
foram analisados em suas estruturas e atividades.
Apresentado por Jeremy
McDermott e Steven Dudley - fundadores da ONG, o relatório de mais de cem
páginas teve a cooperação da EMPACT (European Multidisciplinary Platform
Against Criminal Threats) e está disponível na Internet para leitura e
conhecimento. Os autores são veteranos pesquisadores sobre organizações
criminosas, autores de vários livros sobre o tema e com dezenas de artigos
publicados na imprensa internacional.
A InSight Crime, criada em 2010, é
uma organização de jornalismo investigativo e pesquisas, com sedes em
Washington e Bogotá. Tem uma equipe de 50 profissionais pós-graduados em
diversas áreas trabalhando nas Américas e Europa no sentido de aprofundar o
debate sobre o crime organizado e a segurança do cidadão.
Ameaça global
Na introdução, o estudo alerta para o crescimento das conexões entre as redes
criminosas latino-americanas e europeias, principalmente as que lidam com o
tráfico de drogas, ouro e de pessoas, e o fortalecimento dessa aliança que se
constitui uma ameaça global em nível de geopolítica. Diferente dos anos 1980,
os grandes cartéis agora operam com subcontratações de grupos para funções ou
fases específicas, ajustando-se e garantindo a não interrupção do fluxo de
ilícitos quando pressionados ou atacados por Forças de Segurança.
É fato
que as organizações criminosas usam estruturas de corporações legais para
ocultar as operações ilícitas e lavagem de valores. De acordo com a Europol,
agência europeia de cooperação policial para combate ao crime e terrorismo,
de 2021 a 2024 subiu de 71% para 86% a percentagem de empresas fantasmas
criadas por esses grupos criminosos que operam na Europa.
Em relação aos
países da América Latina e Caribe, essas redes criminosas representam a maior
ameaça à democracia na região, segundo os autores do relatório. Isso porque
se utilizam da corrupção e do suborno para se introduzirem na estrutura do
Estado e são o principal motor de homicídios e de abusos contra os direitos
humanos. Prejudicam o desenvolvimento e a estabilidade econômica, distorcem
as economias, afastam os investimentos e afetam o financiamento internacional
na região.
Ilícitos no Brasil
No mapa do crime, o Brasil aparece com
três organizações criminosas: Primeiro Comando da Capital (PCC), Comando
Vermelho (CV) e “Tren de Aragua”, originária da Venezuela e presente também
no Paraguai, Bolívia, Chile, Peru e Colômbia. Mas, conforme estudo divulgado
em 2024 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) são 72 facções
criminosas que operam no país, provocando com sua carteira de ilícitos
prejuízos estimados em 453,5 bilhões de reais. O Brasil é o segundo maior
consumidor de cocaína do mundo, vindo depois dos Estados Unidos.
O
relatório faz um histórico sobre cada organização criminosa, detalhando sua
geografia e atividades ilícitas. Sobre o PCC, que ocupa duas páginas, é
informado que a “sede” fica em São Paulo e que surgiu nos anos 1990, através
de detentos em presídios como grupos de autoproteção. O informe, que detalha
as atividades da organização e a atuação-resposta do Estado, destaca que 30
mil homens fazem parte de sua estrutura. Sobre a conexão que mantém com
outras redes internacionais, são apontados o Cartel de Sinaloa, do México
(considerado pelo governo dos Estados Unidos o maior e mais poderoso cartel
de tráfico de drogas do mundo), a Ndrangheta italiana, da Calábria, e a máfia
albanesa que opera na Albânia, no sudeste da Europa.
Sobre o Comando
Vermelho (CV), os autores relatam que o grupo surgiu nos anos de 1970 em um
presídio no Rio de Janeiro, da união de criminosos com militantes da esquerda
presos pela ditadura militar (1964-1985). Revelam que em 2002 o CV chegou a
formar uma aliança com o PCC, mas que essa situação se desfez em 2016.
No
entanto, artigo posterior ao relatório, divulgado pelo mesmo InSight Crime,
em 21/2/2025, revela a recente trégua entre o PCC e o PV, após uma década de
conflitos. O objetivo seria flexibilizar as regras do sistema prisional
brasileiro e atuar em conjunto nas duas principais rotas de tráfico do país:
a rota caipira, que começa na Bolívia e vai até o porto de Santos, e de lá
para Europa e África; e a rota do Solimões, que transporta drogas pela
floresta amazônica, através dos rios Solimões e Amazonas.
Centrado no Rio,
o Comando Vermelho já atua em diversos outros estados com uma série de
atividades. Os pesquisadores chamam a atenção para o fenômeno das milícias
que não recebem igual repressão exercida pela polícia em relação aos
traficantes. O Brasil é uma das principais rotas de trânsito da cocaína em
direção à Europa, e a Colômbia é o maior produtor de cocaína do mundo. Em
2023, a produção naquele país teve um aumento de 53% em relação a 2022,
alcançando 2.664 toneladas, conforme relatório do Escritório das Nações
Unidas sobre Drogas e Crime, Unodc.
O terceiro cartel citado em terras
brasileiras é o Tren de Aragua que nasceu em uma penitenciária da Venezuela.
Com um fluxo migratório que tem chamado a atenção de especialistas, a
organização está presente em vários países da América Latina, inclusive no
Brasil. Possui 4 mil membros. A organização pratica contrabando, tráfico de
drogas, extorsão e sequestro. É responsável principalmente pelo tráfico de
migrantes para a América do Sul. Em 2024, face à crescente preocupação com o
potencial de ameaça do grupo, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos
designou o Tren de Aragua como uma organização criminosa transnacional.
Cartéis na Europa
Em relação à União Europeia, formada por 27 países, a
Europol em seu Informe 2024 (Decoding the EU’s Most Threatening Criminal
Networks) identificou 821 redes criminosas de alto risco que operam no
continente e que dispõem de 25 mil membros. Suas atividades envolvem tráfico
de drogas e armas, fraudes, delitos contra a propriedade, tráfico de
migrantes, falsificações, ciberdeliquência, crimes contra o meio ambiente e
extorsão.
Os países com maior incidência de grupos e ações criminosas
(segundo a Global Initiative Against Transnational Organised Crime - GITOC)
são, pela ordem: Rússia, Ucrânia, Itália, Sérvia, Montenegro, Espanha e
Bielorrúsia. Na América Latina e Caribe, a Colômbia lidera o ranking,
seguida do México, Paraguai, Equador, Honduras, Panamá, Brasil e Venezuela.
De acordo com relatório de 2024 do Unodc, o número de pessoas que usam drogas
aumentou para 292 milhões de usuários.
Em termos de crimes financeiros
globais, o Relatório Nasdaq 2024 (Global Financial Crime Report) estima que
em 2023 mais de três trilhões de dólares em fundos ilícitos fluíram através
do sistema financeiro global servindo para atividades de lavagem de dinheiro
e outros crimes destrutivos, incluindo US$ 782,9 bilhões em atividades de
tráfico de drogas, US$346,7 milhões em tráfico de seres humanos e US$11,5
milhões em financiamento do terrorismo. Além disso, as perdas por golpes
fraudulentos e esquemas de fraude bancária totalizaram US$485,6 milhões
provocando uma série de danos devastadores em todo o mundo.
Diretora
executiva da Europol desde 2018, Catherine De Bolle, natural da Bélgica,
chama a atenção para o novo DNA do crime organizado. “As redes criminosas
evoluíram para empresas criminosas globais, movidas pela tecnologia,
explorando plataformas digitais, fluxos financeiros ilícitos e instabilidade
geopolítica para expandir sua influência. Elas estão mais adaptáveis e mais
perigosas como jamais estiveram.”
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deste artigo em qualquer meio de comunicação sem
autorização da autora.
Sheila Sacks é
jornalista e trabalha em Assessoria de Imprensa na cidade do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, RJ
http://sheilasacks.blogspot.com

Direção
e Editoria
Irene Serra
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