Reportagem da agência britânica
Reuters publicada no mês passado (7/2) alerta para a situação
mundial em relação à Covid-19. Sob o título Afrouxar restrições
em regiões de Covid-Zero pode causar 2 milhões de mortes por ano
(em tradução livre do inglês), o correspondente em Xangai, David
Stanway, revela estudo produzido por cientistas chineses que
aconselham o país a manter as restrições em relação à mobilidade
das pessoas no sentido de conter o número de mortes pelos vírus.
Segundo os pesquisadores, especialistas em saúde pública, é
necessário continuar com controles rígidos nos deslocamentos e
aglomerações para impedir a propagação da variante Ômicron, mais
infecciosa, concomitante ao empenho de desenvolver vacinas
melhores para a prevenção de infecções.
Vacinas mais eficazes
A pesquisa reforça o entendimento de que a abolição de medidas
isolacionistas poderia gerar milhões de mortes. A tese se baseia
em estudos, gráficos e dados colhidos no Chile e na Grã-Bretanha
quanto à eficácia inicial das vacinas usadas nos dois países: a
CoronaVac, no Chile, e a Pfizer e Oxford/AstraZeneca, na
Grã-Bretanha.
No início de fevereiro, em meio a recordes
diários de mais de 30 mil casos diários, o Chile iniciou a
quarta dose da vacina contra a Covid-19 para pessoas com mais de
55 anos. Cerca de 73% da população já está vacinada com as três
doses. Em meados de 2020, o país conviveu por cinco meses com um
plano rígido de isolamento social que fez despencar os casos do
vírus, mas a partir da flexibilização viu o número de casos
explodir.
O estudo dos cientistas chineses foi publicado no
Boletim semanal do Centro de Controle e Prevenção de doenças da
China (CCDC), uma estatal que cuida da gestão da saúde pública
no país. Segundo a conclusão dos pesquisadores, a eficácia
inicial das vacinas contra mortes provocadas pela Covid-19 foi
de 86%; de 68% contra a doença sintomática e de apenas 30% em
relação à infecção.
Assim, ainda que a taxa global de
vacinação possa alcançar 95%, regiões como a China, que seguem o
programa Covid-Zero, teriam mais de 234 milhões de infecções em
um ano, incluindo 64 milhões de casos sintomáticos e 2 milhões
de mortes. Isso se a mobilidade das populações fosse restaurada
a níveis de 2019, antes da pandemia.
O estudo aponta que para
reduzir a incidência da Covid-19 aos níveis de gripe, a eficácia
das vacinas contra a infecção precisa ser aumentada de 30% para
40%. Contra a doença sintomática a percentagem da eficácia
subiria para o patamar de 90%. Os chineses afirmam que a chave
para o controle da Covid-19 está no desenvolvimento de vacinas
mais eficazes na prevenção das infecções.
O
epidemiologista-chefe do CCDC, Wu Zunyou, advoga medidas
abrangentes para controlar o coronavírus. “Antes pensávamos que
a Covid-19 podia ser basicamente contida por meio de vacinas,
mas agora parece que não há um método simples de controle”,
avalia. A China é a única grande economia do planeta que
prossegue na estratégia da Covid-Zero, monitorando com rigor os
casos da doença, isolando cidades e populações. Na Nova
Zelândia, apesar de alguns protestos o governo também segue
impondo medidas restritivas, e a Austrália Ocidental, depois de
dois anos fechada para os não residentes, reabriu as fronteiras
e já apresenta índices mais altos de contaminação.
Tragédia
da Ômicron
Um dia depois da reportagem da Reuters, a
Organização Mundial de Saúde (OMS) lamentou publicamente o meio
milhão de mortes provocada pela variante Ômicron, desde que foi
detectada, no final de novembro de 2021, há quase três meses.
Cento e trinta milhões de pessoas já foram infectadas e segundo
a epidemiologista da OMS, Maria Van Kerkhove, o número pode ser
bem maior. “Ainda estamos no meio dessa pandemia e muitos países
não alcançaram o pico da Ômicron”, disse.
Em sua atualização
semanal, a OMS informou que a Europa deteve 58% dos novos casos
confirmados, na primeira semana de fevereiro, e 35% das mortes
registradas. O continente americano representou 23% dos novos
casos e 44% das mortes.
“Em tempos de uma vacina eficaz, meio
milhão de pessoas morrendo é mais do que trágico”, desabafou
Abdi Mahamud, gerente de incidentes da OMS. “Enquanto todos
diziam que a Ômicron é mais leve, não percebiam que meio milhão
de pessoas morria desde que a variante foi descoberta.”
Novas
variantes
Para piorar a situação, a descoberta da variante
Ômicron em cervos de cauda branca, no condado de Staten Island,
em Nova York, desperta mais uma preocupação nos cientistas. A
hipótese de que os animais (30 milhões nos Estados Unidos)
possam ser hospedeiros dessa cepa de vírus aumenta a
probabilidade de o vírus evoluir para novas variantes.
O
microbiologista veterinário Suresh Kuchipudi, da Universidade
Estadual da Pensilvânia, explica que quando há circulação do
vírus em animais sempre aumenta a possibilidade de o vírus
sofrer uma mutação completa e escapar da atual proteção vacinal.
“Então teríamos de mudar a vacina novamente”, afirma.
Análises de amostras de sangue e nasais em 131 cervos revelaram
que quase 15% tinham anticorpos contra o vírus. A descoberta
sugere que os animais tiveram infecções anteriores por
coronavírus e eram vulneráveis a repetidas reinfecções com novas
variantes.
Convivendo com a pandemia
Em recente entrevista
publicada no site da organização holandesa Cordaid, de ajuda
humanitária global, o vice-presidente da Coalizão para Inovações
e Prevenção de Epidemias (CEPI, na sigla em inglês), Frederik
Kristensen, faz um alerta: “É 100% certo que as pandemias farão
parte do nosso futuro. As incertezas são: quando, com que
frequência e com que gravidade.”
Ele avalia que devido ao
aumento da densidade populacional, às mudanças ambientais e à
nossa crescente capacidade de viajar pelo mundo, as pandemias
voltarão a acontecer, e, portanto, é preciso desenvolver novas
vacinas. A prioridade deve ser desenvolver uma vacina Covid-19 à
prova de variantes e preparar vacinas contra duas dezenas de
doenças com potencial epidêmico.
Apesar de mais de dois anos
de combate à Covid-19, Kristensen é cético em relação ao
enfrentamento contra possíveis novas epidemias: “O mundo está
extremamente despreparado para enfrentar qualquer tipo de doença
com potencial epidêmico”, declara.
Aqui no Brasil, 1.295
mortes em um único dia marcaram tragicamente a data de 9 de
fevereiro de 2022. Foi o maior número de óbitos causado pela
Covid-19, desde 29 de julho do ano passado, quando foram
registradas 1.354 mortes.
Surtos e recuos
No início de
março, a Organização Mundial de Saúde informou que na última
semana de fevereiro foram relatados 10 milhões de novos casos e
mais de 60 mil mortes provocadas pelo coronovírus. Apesar de uma
redução de 8% na média de casos no continente das Américas,
houve um aumento de 22% na região do Pacífico Ocidental
(Austrália, entre outros) e de 4% na região do Mediterrâneo
Oriental que engloba a Grécia e o Egito. Na cidade de Hong Kong,
depois de dois anos de controle rígido da pandemia (somente 12
mil casos registrados), a região vive um surto avassalador de
Covid-19, com 200 mil casos nos últimos dois meses.
Com a
flexibilização das medidas restritivas em vários países,
inclusive no Brasil, o estudo de novas vacinas e medicamentos, e
a suplementação das doses de reforços, é preciso acompanhar o
comportamento viral da variante Ômicron ou das novas variantes
que possam surgir. O virologista Jesse Bloom, especialista em
evolução de vírus do Centro de Pesquisas Fred Hutch, em Seattle
(Washington), falou à revista Nature, há poucos dias, sobre os
dois cenários prováveis no futuro acerca da doença.
No
primeiro, a Ômicron continuaria a evoluir, criando algum tipo de
variante como Ômicron-plus, pior que as sub-linhagens BA.1 (que
responde para a maioria dos casos) e BA.2, dominante em países
como Índia, Filipinas e Dinamarca. A segunda possibilidade seria
o aparecimento de uma nova variante, como aconteceu com a Delta,
Alpha e a Ômicron.
O fato é que a medida que entramos no
terceiro ano da pandemia, oscilando entre surtos e recuos,
muitos especialistas preferem a cautela e uma abordagem menos
incisiva diante do explícito cansaço emocional das sociedades em
relação à doença e a notória aspiração coletiva de um retorno
gradual ao velho normal de antes da hecatombe de 2019.
Em 07.03.2022