16/03/2022
Ano 25
Número 1.264


 

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SHEILA SACKS

Sheila Sacks



Covid-19 projeta um futuro de incertezas



Sheila Sacks, colunista - CooJornal






Reportagem da agência britânica Reuters publicada no mês passado (7/2) alerta para a situação mundial em relação à Covid-19. Sob o título Afrouxar restrições em regiões de Covid-Zero pode causar 2 milhões de mortes por ano (em tradução livre do inglês), o correspondente em Xangai, David Stanway, revela estudo produzido por cientistas chineses que aconselham o país a manter as restrições em relação à mobilidade das pessoas no sentido de conter o número de mortes pelos vírus.

Segundo os pesquisadores, especialistas em saúde pública, é necessário continuar com controles rígidos nos deslocamentos e aglomerações para impedir a propagação da variante Ômicron, mais infecciosa, concomitante ao empenho de desenvolver vacinas melhores para a prevenção de infecções.

Vacinas mais eficazes

A pesquisa reforça o entendimento de que a abolição de medidas isolacionistas poderia gerar milhões de mortes. A tese se baseia em estudos, gráficos e dados colhidos no Chile e na Grã-Bretanha quanto à eficácia inicial das vacinas usadas nos dois países: a CoronaVac, no Chile, e a Pfizer e Oxford/AstraZeneca, na Grã-Bretanha.

No início de fevereiro, em meio a recordes diários de mais de 30 mil casos diários, o Chile iniciou a quarta dose da vacina contra a Covid-19 para pessoas com mais de 55 anos. Cerca de 73% da população já está vacinada com as três doses. Em meados de 2020, o país conviveu por cinco meses com um plano rígido de isolamento social que fez despencar os casos do vírus, mas a partir da flexibilização viu o número de casos explodir.

O estudo dos cientistas chineses foi publicado no Boletim semanal do Centro de Controle e Prevenção de doenças da China (CCDC), uma estatal que cuida da gestão da saúde pública no país. Segundo a conclusão dos pesquisadores, a eficácia inicial das vacinas contra mortes provocadas pela Covid-19 foi de 86%; de 68% contra a doença sintomática e de apenas 30% em relação à infecção.

Assim, ainda que a taxa global de vacinação possa alcançar 95%, regiões como a China, que seguem o programa Covid-Zero, teriam mais de 234 milhões de infecções em um ano, incluindo 64 milhões de casos sintomáticos e 2 milhões de mortes. Isso se a mobilidade das populações fosse restaurada a níveis de 2019, antes da pandemia.

O estudo aponta que para reduzir a incidência da Covid-19 aos níveis de gripe, a eficácia das vacinas contra a infecção precisa ser aumentada de 30% para 40%. Contra a doença sintomática a percentagem da eficácia subiria para o patamar de 90%. Os chineses afirmam que a chave para o controle da Covid-19 está no desenvolvimento de vacinas mais eficazes na prevenção das infecções.

O epidemiologista-chefe do CCDC, Wu Zunyou, advoga medidas abrangentes para controlar o coronavírus. “Antes pensávamos que a Covid-19 podia ser basicamente contida por meio de vacinas, mas agora parece que não há um método simples de controle”, avalia. A China é a única grande economia do planeta que prossegue na estratégia da Covid-Zero, monitorando com rigor os casos da doença, isolando cidades e populações. Na Nova Zelândia, apesar de alguns protestos o governo também segue impondo medidas restritivas, e a Austrália Ocidental, depois de dois anos fechada para os não residentes, reabriu as fronteiras e já apresenta índices mais altos de contaminação.

Tragédia da Ômicron

Um dia depois da reportagem da Reuters, a Organização Mundial de Saúde (OMS) lamentou publicamente o meio milhão de mortes provocada pela variante Ômicron, desde que foi detectada, no final de novembro de 2021, há quase três meses. Cento e trinta milhões de pessoas já foram infectadas e segundo a epidemiologista da OMS, Maria Van Kerkhove, o número pode ser bem maior. “Ainda estamos no meio dessa pandemia e muitos países não alcançaram o pico da Ômicron”, disse.

Em sua atualização semanal, a OMS informou que a Europa deteve 58% dos novos casos confirmados, na primeira semana de fevereiro, e 35% das mortes registradas. O continente americano representou 23% dos novos casos e 44% das mortes.

“Em tempos de uma vacina eficaz, meio milhão de pessoas morrendo é mais do que trágico”, desabafou Abdi Mahamud, gerente de incidentes da OMS. “Enquanto todos diziam que a Ômicron é mais leve, não percebiam que meio milhão de pessoas morria desde que a variante foi descoberta.”

Novas variantes

Para piorar a situação, a descoberta da variante Ômicron em cervos de cauda branca, no condado de Staten Island, em Nova York, desperta mais uma preocupação nos cientistas. A hipótese de que os animais (30 milhões nos Estados Unidos) possam ser hospedeiros dessa cepa de vírus aumenta a probabilidade de o vírus evoluir para novas variantes.

O microbiologista veterinário Suresh Kuchipudi, da Universidade Estadual da Pensilvânia, explica que quando há circulação do vírus em animais sempre aumenta a possibilidade de o vírus sofrer uma mutação completa e escapar da atual proteção vacinal. “Então teríamos de mudar a vacina novamente”, afirma.

Análises de amostras de sangue e nasais em 131 cervos revelaram que quase 15% tinham anticorpos contra o vírus. A descoberta sugere que os animais tiveram infecções anteriores por coronavírus e eram vulneráveis a repetidas reinfecções com novas variantes.

Convivendo com a pandemia

Em recente entrevista publicada no site da organização holandesa Cordaid, de ajuda humanitária global, o vice-presidente da Coalizão para Inovações e Prevenção de Epidemias (CEPI, na sigla em inglês), Frederik Kristensen, faz um alerta: “É 100% certo que as pandemias farão parte do nosso futuro. As incertezas são: quando, com que frequência e com que gravidade.”

Ele avalia que devido ao aumento da densidade populacional, às mudanças ambientais e à nossa crescente capacidade de viajar pelo mundo, as pandemias voltarão a acontecer, e, portanto, é preciso desenvolver novas vacinas. A prioridade deve ser desenvolver uma vacina Covid-19 à prova de variantes e preparar vacinas contra duas dezenas de doenças com potencial epidêmico.

Apesar de mais de dois anos de combate à Covid-19, Kristensen é cético em relação ao enfrentamento contra possíveis novas epidemias: “O mundo está extremamente despreparado para enfrentar qualquer tipo de doença com potencial epidêmico”, declara.
Aqui no Brasil, 1.295 mortes em um único dia marcaram tragicamente a data de 9 de fevereiro de 2022. Foi o maior número de óbitos causado pela Covid-19, desde 29 de julho do ano passado, quando foram registradas 1.354 mortes.

Surtos e recuos

No início de março, a Organização Mundial de Saúde informou que na última semana de fevereiro foram relatados 10 milhões de novos casos e mais de 60 mil mortes provocadas pelo coronovírus. Apesar de uma redução de 8% na média de casos no continente das Américas, houve um aumento de 22% na região do Pacífico Ocidental (Austrália, entre outros) e de 4% na região do Mediterrâneo Oriental que engloba a Grécia e o Egito. Na cidade de Hong Kong, depois de dois anos de controle rígido da pandemia (somente 12 mil casos registrados), a região vive um surto avassalador de Covid-19, com 200 mil casos nos últimos dois meses.

Com a flexibilização das medidas restritivas em vários países, inclusive no Brasil, o estudo de novas vacinas e medicamentos, e a suplementação das doses de reforços, é preciso acompanhar o comportamento viral da variante Ômicron ou das novas variantes que possam surgir. O virologista Jesse Bloom, especialista em evolução de vírus do Centro de Pesquisas Fred Hutch, em Seattle (Washington), falou à revista Nature, há poucos dias, sobre os dois cenários prováveis no futuro acerca da doença.

No primeiro, a Ômicron continuaria a evoluir, criando algum tipo de variante como Ômicron-plus, pior que as sub-linhagens BA.1 (que responde para a maioria dos casos) e BA.2, dominante em países como Índia, Filipinas e Dinamarca. A segunda possibilidade seria o aparecimento de uma nova variante, como aconteceu com a Delta, Alpha e a Ômicron.

O fato é que a medida que entramos no terceiro ano da pandemia, oscilando entre surtos e recuos, muitos especialistas preferem a cautela e uma abordagem menos incisiva diante do explícito cansaço emocional das sociedades em relação à doença e a notória aspiração coletiva de um retorno gradual ao velho normal de antes da hecatombe de 2019.


Em 07.03.2022



Sheila Sacks é jornalista e trabalha em Assessoria de Imprensa na cidade do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, RJ
http://sheilasacks.blogspot.com

 


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