Autor do best-seller “Quando Coisas Ruins
acontecem às pessoas Boas”, lançado em 1981 e com mais de 4
milhões de exemplares vendidos, Harold Kushner, em 2015,
publicou o livro Nine Essential Things I’ve Learned About Life
(Nove Coisas Essenciais que Aprendi sobre a Vida, em tradução
livre do inglês).
Então com 80 anos, o líder espiritual da
pequena comunidade judaica de Natick, em Massachusetts (EUA),
lista “as coisas” que diz ter aprendido ao longo de seus estudos
e experiências pessoais. Dentre elas: “Deus não é um homem que
vive no céu”; “perdoar é um favor que você faz a si mesmo”;
“para se sentir melhor consigo mesmo, encontre alguém para
ajudar “; “Religião é o que você faz, não o que você acredita”.
Sua carta ao mundo - “Querido mundo... escolho amar você” -
incluída ao final das nove coisas que aprendi sobre a vida, foi
republicada pela revista canadense Zommer e nela o rabino
nascido no Brooklyn explica que amar o mundo torna mais fácil
ter esperança no amanhã. Com mais de uma dúzia de livros
publicados, sua obra traz conforto e alento a milhões de
leitores que enfrentam momentos difíceis em suas vidas.
A
carta de Kushner
Querido mundo
Já passamos por muita
coisa juntos nas últimas oito décadas, você e eu - casamentos,
nascimentos, mortes, realizações e decepção, guerra e paz,
tempos bons e tempos difíceis... Houve dias em que você se
tornou maior. Houve dias em que você parecia tão dolorosamente
belo que mal pude acreditar que você era meu, e dias em que você
partiu meu coração e me levou às lágrimas.
Mas com tudo isso,
escolho amar você. Eu te amo, quer você mereça ou não (e como se
mede isso?). Amo você em parte porque você é o único mundo que
tenho. Eu te amo porque gosto de quem sou melhor quando faço.
Mas principalmente, eu te amo porque te amar torna mais fácil
para mim ser grato por hoje e ter esperança no amanhã. O amor
faz isso.
Fielmente seu,
Harold Kushner
Relembrando: Pessoas boas versus coisas ruins
Traumatizado com a morte do filho de 14 anos que sofria de uma
doença genética incurável, Kushner repassou para o papel toda a
sua experiência de dor e sofrimento, e também a sua inabalável
fé no Criador.
Citando a figura bíblica de Jó, homem íntegro
que vê os filhos morrerem, os negócios falirem e a doença atacar
o seu corpo, Kushner dá o seguinte recado: mesmo nas
adversidades, não ceda à tentação de abandonar a fé em Deus.
Entretanto, essa tragédia pessoal faz o rabino repensar tudo o
que ensinava sobre Deus e os caminhos de Deus.
A visão
do tapete
No livro acompanhamos os inúmeros casos
verídicos de adultos bons, decentes e fiéis em suas crenças, e
de crianças alegres e inocentes, os quais, em um momento de suas
vidas, são atingidos por um infortúnio ou mesmo pela tragédia.
Kushner observa que muitas dessas pessoas e as que estão
ao seu redor têm a ideia de que possíveis tropeços e desmandos
possam ser as causas de suas desgraças. Isso é, que Deus dá a
cada um o que cada um merece. Uma culpa que geralmente se
mistura à revolta e a inevitável questão: “Que razões poderia
ter Deus para fazer o que fez, já que não sou pior do que o meu
vizinho?”.
O rabino lembra que no livro “O Oitavo Dia”
(1967), o escritor norte-americano Thornton Wilder (1897-1975)
dá uma visão interessante dos desígnios de Deus. A história
descreve um homem bom cuja vida é arruinada pela má sorte e
hostilidade. Ele e sua família sofrem, embora sejam inocentes. E
não existe final feliz. O que Wilder apresenta, destaca Kushner,
se assemelha à imagem de um lindo tapete. Olhando do lado
direito, é um trabalho de arte, muito bem tecido, reunindo fios
de diferentes tamanhos e cores para formar um desenho inspirado.
Mas, virando o tapete pelo avesso, percebe-se uma confusão de
fios, uns curtos outros compridos, alguns cortados, outros
amarrados.
Logo, seria dessa forma que veríamos o mundo,
do nosso ponto de vista, ou seja, olhando o tapete de baixo,
enxergando o seu avesso. E dessa maneira, os padrões de
recompensa e punição poderiam parecer arbitrários e sem lógica
porque não temos a capacidade de compreensão e o entendimento
divino. Kushner assinala em seu livro que nem sempre há uma
razão para os males que nos afligem: “Será que somos capazes de
aceitar a ideia que há fatos que surgem sem qualquer razão, de
que no universo existem circunstâncias fortuitas?”.
Muita gente não se conforma com o conceito de casualidade e
procura nexo e sentido em tudo que lhes ocorrem. Outras enxergam
a mão de Deus atrás de tudo o que acontece. Mas suponhamos,
escreve o rabino, que Deus não tenha terminado toda a sua obra
no sexto dia, de acordo com a metáfora bíblica da Criação, e o
processo de colocar ordem no caos ainda esteja em andamento.
Pela vida
Sobreviventes do Holocausto também são
bons exemplos quando se aborda os desígnios de Deus. No livro
“Por Aqueles que eu amo”, Martin Gray, que sobreviveu ao Gueto
de Varsóvia e ao Holocausto, conta que depois da guerra se casou
e constituiu uma família feliz. Entretanto, um incêndio em sua
casa no sul da França matou a esposa e seus filhos. Ainda que
arrasado com a tragédia, Gray preferiu não ir atrás de possíveis
culpados e aplicar os seus recursos em um movimento para
proteger as florestas de incêndios. A vida, explicou o
sobrevivente, tem que ser vivida por alguma coisa, não contra
alguma coisa.
Kushner também cita o trecho de um livro
escrito por um sobrevivente de Auschwitz (A Fé e a Dúvida dos
Sobreviventes do Holocausto, de Brenner) sobre a vontade de Deus
e a matança de milhares de inocentes nos campos de concentração
nazista. Afirma o sobrevivente: “Nunca me ocorreu questionar o
que Deus fez ou deixou de fazer, enquanto eu fui um habitante de
Auschwitz... Eu não fiquei menos ou mais religioso com o que os
nazistas nos faziam... Nunca me ocorreu associar a calamidade
que estávamos experimentando a Deus, censurá-Lo, deixar de crer,
porque Ele não vinha em nosso socorro. Devemos a Deus nossas
vidas, pelos poucos ou muitos anos que vivemos, e temos a
obrigação de cultuá-Lo e fazer o que Ele nos ordena. Para isso
estamos na terra – a serviço de Deus, para cumprir a Sua
vontade.”
No mais, o rabino Harold Kushner, nascido em
1935, escreveu vários livros de sucesso (Quando Tudo não é o
Bastante; Quando as Crianças perguntam sobre Deus) e foi
considerado pela organização católica norte-americana “The
Christophers” uma das 50 pessoas que na última metade do século
20 tornaram o mundo melhor.
Atualmente, com 86 anos, ele
diz perceber que as pessoas olham para trás e julgam que
deixaram de fazer muitas coisas. “A diferença entre uma pessoa
que tem uma velhice feliz e uma pessoa que tem uma velhice
infeliz não é o quão bem-sucedidas elas foram, mas o quanto as
coisas em que falharam continuam a perturbá-las.” E dá um
conselho:” Se você não for capaz de silenciar aquela vozinha de
decepção, você nunca será feliz. "
6/9/2021