Em recente artigo na revista The Atlantic Magazine,
Derek Thompson, redator que escreve regulamente sobre economia,
tecnologia e mídia, definiu o ano de 2020 como um ano de crise
na saúde pela Covid-19 e também um ano revolucionário pela
expansão global do teletrabalho.
A regra comum era viver nas
cidades ou regiões próximas ao trabalho e a ligação entre a casa
e o local do trabalho formava uma das bases da economia urbana.
Thompson lembra que até há pouco tempo a internet não era
sinônimo de trabalho remoto, figurando como uma ferramenta
social ou coadjuvante nos escritórios.
No mundo pandêmico, o
teletrabalho mudou de status e já vem alterando a geografia
urbana, esvaziando as regiões centrais das grandes cidades e
produzindo mudanças que se assemelham a uma nova revolução
industrial. Imaginando que apenas 10% dos americanos continuem
exercendo regularmente suas funções através do teletrabalho,
argumenta Thompson, categorias como a dos trabalhadores de
hotéis (e também de bares, restaurantes e negócios de lazer)
serão bastante afetadas. O teletrabalho tem se mostrado um
divisor de águas, afirma, com implicações para o futuro da
economia, o quadro de oportunidades e o destino das inovações.
Serviços urbanos
Para o colunista de arquitetura e design
urbano do jornal The New York Times, Michael Kimmelman, a
maioria das pandemias é antiurbana. Isso porque a densidade é um
dos principais fatores que faz uma cidade funcionar, favorecendo
seu crescimento econômico, cultural e político. Também é a
densidade populacional que contribui e pressiona para a efetiva
prestação dos serviços urbanos.
Um desses serviços que já
está sendo comprometido com a adoção do teletrabalho é o
transporte público, consequência direta da expressiva redução de
trabalhadores que se utilizam de ônibus, trens e metrô nos
deslocamentos diários. Cidades menores e mais distantes estão
ganhando o foco de muitos teletrabalhadores americanos que
buscam moradias de menor custo, mais espaçosas para o home
office e também para o seu lazer. Uma dor de cabeça para as
“superstar cities” como Nova York, Washington, Los Angeles ou
São Francisco que têm nos impostos e nas taxas municipais sua
base de receita. Recursos esses que ajudam a viabilizar o
transporte público para aqueles trabalhadores de serviços
essenciais e presenciais.
Ainda assim, a criação de empresas
remotas é o futuro que se vislumbra, afirma Thompson. Ele cita
pesquisa recente, realizada pelo Fundo de Investimentos
Initialized, em que 42% das empresas consultadas avaliam que
iniciar uma empresa remota é uma opção melhor que instituir uma
sede física, considerando até a Califórnia como base. Ano
passado, pesquisa semelhante mostrou que apenas 6% dos
consultados julgavam essa a melhor decisão.
Traçando um
paralelo entre o mundo físico e o digital, o autor do artigo
acredita que é possível agregar pessoas produtivas e talentosas
de cidades distintas em uma empresa remota, tipo
“nowhere-everywhere” (em lugar nenhum – em qualquer parte), e
criar uma cultura de trabalho que também produza oportunidades e
benefícios como os decorrentes do trabalho formal em uma sede
física. A dificuldade ficaria por conta da implantação de uma
cultura de trabalho distribuída e remota, onde um trabalhador
pode estar a centenas de quilômetros de seu colega, até com
fusos horários diferentes, mas ao mesmo tempo realizando um
trabalho conjunto, compartilhado e bastante eficiente.
Teletrabalho vai continuar
No Brasil, estudo divulgado em
novembro de 2020 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) contabilizou 7,3 milhões de pessoas trabalhando em regime
de home office, 9,1% dos 80,2 milhões de trabalhadores ocupados.
O setor público representou 38,9% desse total, com 2,85
milhões de servidores em teletrabalho. Já no setor privado, 4,48
milhões executaram suas tarefas em home office. O Sudeste é a
região onde se concentrou a maior parte desses trabalhadores
(58%), seguido pela capital federal (20%). No Rio de Janeiro, o
percentual foi de 15,6% e, em São Paulo, de 13,1%.
Nesse
início de 2021, com a observada redução de despesas, mais de 30
órgãos públicos federais confirmaram o prosseguimento do
teletrabalho voluntário de seus funcionários, com tendência de
se ampliar no pós-pandemia. Vários ministérios, como os da
Economia, Cidadania, Desenvolvimento Regional, Minas e Energia,
entre outros, e agências nacionais que tratam das
Telecomunicações (Anatel), Petróleo (ANP), Transportes
Terrestres (ANTT) e Defesa Econômica (CADE), além do IBGE e
INSS, estão no rol de órgãos que implantaram o home office de
maneira eficaz e produtiva. Uma portaria institucional inclusive
padronizou as orientações, regras e metas para os servidores que
optarem por essa modalidade de trabalho. Assim, com a redução
considerável do fluxo “casa-trabalho-casa”, cada cidade terá que
encontrar uma melhor solução urbanística para superar a
situação.
Moradias em zonas comerciais
No Rio de Janeiro,
o poder público planeja mudar as regras urbanísticas e
tributárias que vigoram no centro comercial e histórico da
cidade - onde estão concentrados 800 mil empregos - devido ao
esvaziamento dos prédios que abrigam escritórios. A ideia é
estimular a transformação dos espaços vazios em possíveis
moradias, mudando a característica eminentemente comercial da
região.
Com a imposição de medidas oficiais restritivas para
enfrentar a Covid-19, a partir de março do ano passado, a
estimativa é que existam 500 prédios, no centro do Rio, fechados
ou parcialmente desativados, aos que se somam centenas de
restaurantes, bares e lojas que encerraram as suas atividades.
Revitalizar essa parte da cidade, instituindo áreas
residenciais, é o projeto que se encaminha para o aval da esfera
pública competente em uma iniciativa para minimizar os prejuízos
econômicos que se acumulam.
Por outro lado, municípios da
Região Serrana do Rio viram a procura por compra e aluguel de
imóveis crescerem cerca de 40%, principalmente na cidade de
Petrópolis, a 66 quilômetros do centro da capital. Em Cabo Frio,
na Região dos Lagos, houve um aumento de 30% na locação de
imóveis por temporada, um movimento atípico no setor que
registra maior movimento nos meses de férias escolares.
Readequação de espaços e serviços
Enfim, o teletrabalho mudou
a perspectiva laboral dos profissionais, o modo de vida e as
prioridades, com reflexos importantes no ambiente urbano
sustentado por componentes econômicos, como taxas e tributos, e
conexões sociais e culturais tradicionais. Frente à aceleração
abrupta de um processo digital que vinha caminhando, até então,
em compasso aceitável com a gradual evolução tecnológica da
sociedade, novos parâmetros de ajustes terão que ser buscados,
repensados e alinhados pelos gestores públicos, tanto na
readequação dos espaços e serviços urbanos, quanto na
implantação de programas sociais para atender a uma legião de
centenas de milhares de trabalhadores alijados de seus empregos
e que perderam a fonte de sustento (somente no setor do trabalho
doméstico formalizado a perda chegou a 1,7 milhão de empregos).
No Rio de Janeiro, um programa estadual que se desenvolve
desde setembro do ano passado chegou a marca de 1 milhão de
quentinhas ofertadas diariamente (café da manhã, almoço e
janta), em locais fixos, para pessoas que perderam seus empregos
e se encontram em situação de vulnerabilidade social. Devem ser
reativados os restaurantes populares e até uma biblioteca
pública, no centro da cidade, planeja abrigar um ponto de
acolhimento e de entrega de refeições, com distribuição de
livros e leitura de poesia.
Com a expectativa de que a
vacinação em 2021 alcance grande parte da população global, há
de se observar os desdobramentos da crise social e as
perspectivas pragmáticas e imediatas que mirem à recuperação dos
ambientes urbanos das grandes cidades, visando devolver o brilho
e o poder de atração peculiares de cada uma delas, ainda que o
fenômeno do teletrabalho e a aceleração das tecnologias digitais
se mostrem um caminho sem volta.