Reportagem recente publicada no jornal israelense
Haaretz, um dos mais importantes do país, aborda um tema
interessante e pouco conhecido no âmbito judaico. Trata-se dos
jardins dos mosteiros cristãos em Israel. São mais de 50
construções na Terra Santa, geralmente instaladas antes da
Independência, em 1948, cercadas por muros e normalmente
acessíveis aos peregrinos e caravanas de turistas cristãos.
O jornalista israelense especializado em turismo, Moshe
Gilad, conta que ficou impressionado pela beleza e cuidado
desses jardins ao ler a publicação “God's Gardens in the Holy
Land” (Jardins de Deus na Terra Santa), de seu compatriota Ami
Zoran. O livro, escrito em hebraico, traz fotos belíssimas e
textos explicativos de 42 jardins de monastérios, muitos
localizados em Jerusalém e arredores, como na região de Latrun,
distante 25 quilômetros. Outros estão situados às margens do Mar
da Galileia, no monte Tabor, na cidade de Haifa (norte de
Israel), em Jaffa, perto de Tel Aviv, e no deserto da Judeia, no
sul do país.
Os jardins e suas histórias
Encantado
com o livro, o jornalista resolveu visitar um convento perto do
sítio arqueológico de Emmaus (também conhecido como
Emmaus-Nicópolis), entre a cidade de Jerusalém e a capital Tel
Aviv, que pertence a uma ordem monástica francesa. Ele descreve
a calma e frescura do jardim, em meio ao verão que se anuncia,
as belas palmeiras e árvores da espécie chinaberry (cinamomo) –
cujas sementes são usadas para a confecção de rosários e terços
-, os bancos de madeira e o lago ornamental de peixinhos rodeado
por buganvílias e hibiscos. Apesar de estar somente a 20 minutos
de carro de sua residência, Gilad confessa que até então, jamais
teve curiosidade de visitar o lugar.
Palco da vitoriosa
batalha dos Macabeus (rebeldes hebreus) contra o Império
Selêucida, no século II antes da Era Comum, a região de Emmaus é
citada no primeiro livro dos Macabeus (Sêfer Hachitsonim, em
hebraico), que narra as guerras então travadas na Terra Santa
contra os sírios que lutavam para impor a cultura e os deuses
gregos ( A palavra Macabeu deriva do acrônimo “Quem é como Tu
dentre os fortes, Ó D’us” - Mi camocha bae-lim Hashem, em
hebraico).
Pesquisa pessoal
Por sua vez, Zoran diz
que a obra é fruto de uma pesquisa pessoal e surgiu também de
seu hobby pela fotografia. A reportagem destaca que cada um dos
mosteiros, com seus respectivos jardins, estão acompanhados das
histórias das instituições religiosas, inclusive com fotos
antigas. Um exemplo é o jardim do mosteiro beneditino do
povoadode Abu Ghosh, nos arredores de Jerusalém.
Ajudado
por um consultor de botânica da Universidade de Haifa, o autor
do livro enfatiza a botânica de cada jardim. No caso do mosteiro
de Emmaus, a planta é a samambaia espada. Segundo Zoran, “essa
planta, originária da região de florestas tropicais da América
do Sul, aparece como um símbolo de modéstia e humildade, por
esconder sua beleza em locais ocultos e sombreados”.
Passeios de fim de semana
Atualmente, muitos mosteiros
mantêm casas de hospedagem e abrem os seus jardins por mais
tempo para a visitação pública. Com a pandemia da Covid-19, o
turismo cristão diminuiu bastante e os israelenses, por sua vez,
estão descobrindo esses sítios que oferecem uma espécie de
refúgio arborizado em meio a construções antigas e muito bem
cuidadas. Em alguns deles, como o mosteiro salesiano de Beit
Jamal (Casa da Beleza, em árabe), no sopé das Colinas da Judeia,
as edificações, como a Igreja de Santo Estêvão, são rodeadas por
campos de oliveiras e outras plantas nativas dessa região
bíblica. Além de amplas instalações ao ar livre que permitem que
os visitantes possam usufruir um dia especialmente agradável, as
freiras católicas da instituição mantêm uma lojinha para a venda
de artigos de cerâmica, vinho, azeite e azeitonas, frutos de seu
trabalho e de seu sustento.
A beleza do mosteiro de Beit
Jamal (Vila Gamla, pela tradição cristã) foi mostrada em outra
publicação, no jornal Israel Hayom (Israel Hoje), também
disponível na Internet. A jornalista Anat Schneider visitou o
local no fim de semana e pode constatar a presença de muitas
famílias israelenses aproveitando a beleza da paisagem e
lanchando nas acomodações ao ar livre. Já no caminho para o
mosteiro, a jornalista descreve a sensação de estar adentrando a
um cenário bíblico, ladeado de oliveiras e outras plantas
típicas da região, como nos tempos dos grandes patriarcas, dos
profetas e reis que habitavam essas terras.
Desde 1988, o
convento existente dentro dos muros do mosteiro de monges
salesianos é atendido pela Ordem “Monjas de Belém”, de freiras
católicas da França e da Bélgica que vivem uma vida monástica.
Para a surpresa dos visitantes, os cânticos das freiras que se
ouviam do lado de fora do convento eram entoados em hebraico.
Igreja bizantina
A reportagem prossegue
informando da tradição de que Santo Estêvão está enterrado nesse
local. Existia uma igreja bizantina em sua homenagem, mas foi
destruída na conquista persa em 614 da Era Comum. Uma nova
igreja foi erguida em 1932, sobre as ruínas da antiga, e seu
interior é formado por inúmeros vitrais com passagens da
liturgia cristã. O complexo de Beit Jamal abriga o convento e o
mosteiro, além das Igrejas das Irmãs de Belém e de Santo
Estêvão.
Beit Jamal fica perto da cidade de Beit Shemesh,
a 30 quilômetros a oeste da cidade de Jerusalém. A cidade é
mencionada, pela primeira vez, no Livro de Josué (Sefer
Yehoshua, em hebraico), situada nas terras da tribo de Judá.
Posteriormente, aparece no Livro de Samuel (Sefer Shmuel, em
hebraico), ambos inseridos no Livro dos Profetas (Neviim, em
hebraico).
Vinhos kasher
Seguindo pela estrada que
liga Jerusalém a Tel Aviv, no vale Soreq, a oito quilômetros de
Beit Shemesh, o mosteiro Deir Rafat (também conhecido como
Santuário de Nossa Senhora Rainha da Palestina), fundado em
1927, abriga uma vinícola e é administrado por freiras
católicas. Schneider destaca que no teto da igreja a palavra Ave
Maria está escrita em 280 línguas, inclusive em hebraico. Aqui
as religiosas também fazem trabalhos artesanais de cerâmica,
esculturas de arte sacra e doces aromáticos. Produzem queijo,
vinho, azeite e azeitonas. A extensão e a beleza dos vinhedos
impressionaram a jornalista que as comparou às vinhas da região
italiana da Toscana.
Em relação à produção dos vinhos,
um superintendente israelense garante a qualidade kasher, ou
seja, que a fabricação seja feita de acordo com as leis judaicas
bíblicas de alimentação. Dessa forma, até os judeus ortodoxos
podem adquirir os vinhos da vinícola do mosteiro.
O vale
Soreq, onde se situa Deir Rafar, é citado no Livro dos Juízes
(Sefer Shoftim, em hebraico) como a terra da tribo de Dan, umas
das 12 tribos de Israel, fronteiriça ao território dos
filisteus, onde Sansão (Shimshon, em hebraico) se encontrou com
Dalila pela primeira vez.
Mosteiro trapista
A 15
minutos de carro de Deir Rafat, também às margens da rota
Jerusalém-Tel Aviv, no cume do Vale Ayalon, do outro lado do
sítio de Emmaus, assume a visão do Mosteiro Latrun (o Monastério
dos Monges Silenciosos), local onde Josué venceu as batalhas
para a conquista da Terra Prometida, em 1273 antes da Era Comum.
No livro de Josué - o primeiro livro dos Profetas - conta-se que
a vitória de Israel era iminente, mas anoitecia e Josué pediu ao
Senhor para que o Sol permanecesse em Gibeon e a Lua no Vale de
Ayalon. Assim, o exército de Josué pode concluir e vencer a
batalha ainda à luz do dia.
Único mosteiro trapista em
Israel, o prédio foi erguido em 1890 e inicialmente serviu como
convento carmelita. Na 1ª Guerra Mundial (1914-1918), a
construção foi tomada pelos turcos otomanos que expulsaram os
monges franceses. Depois da guerra, o prédio ficou bastante
danificado e com o terremoto ocorrido na região, em 1927, sofreu
mais danos. Em 1929, o mosteiro foi finalmente reconstruído. Os
monges vivem da agricultura e dos vinhedos, produzindo 250 mil
garrafas de vinho por ano, 80% das quais são vendidas na loja
local.
Mais livros
O jornalista Moshe Gilad, ao
final de sua matéria, recomenda a leitura de mais duas obras que
abordam com profundidade o passado dessas construções e de seus
belos jardins: a primeira leva o título “Into a Locked Garden –
Monasteries in the Land of Israel” (Dentro dos Jardins fechados
– Monastérios na Terra de Israel, em tradução livre) e foi
publicada, em 2005, pela historiadora e professora de
Museologia, Nirit Shalev-Khalifa. PhD em História da Arte pela
Universidade de Tel Aviv, a israelense Shalev-Khalifa é curadora
de documentação visual e de exposições do Instituto Yad Ben Tzi,
em Jerusalém, que promove o estudo da herança cultural das
comunidades judaicas no Oriente e nos países muçulmanos. Sua
tese de mestrado, apresentada em 2010, versou sobre os murais,
mosaicos e pinturas das igrejas e monastérios católicos na Terra
Santa, no período de 1917 a 1948 (‘The Mural Cycles in the
Catholic Churches and Monasteries of de Holy Land’).
A
segunda publicação é mais recente, de 2015, assinada por David
Rapp e com fotografias de Hanan Isachar, ambos israelenses e
judeus. “Churches and Monasteries in the Holy Land” (Igrejas e
Mosteiros na Terra Santa) é um guia que visa tornar as
instituições cristãs de Israel mais acessíveis aos israelenses.
Fruto de uma pesquisa que durou cinco anos, o livro de 288
páginas é magnificamente ilustrado e descreve os tesouros
artísticos que se encontram nesses santuários. Rapp é mestre em
História da Arte, autor de mais dois livros sobre o tema
(‘Igrejas de Jerusalém’ e ‘A Igreja da Natividade em Belém’), e
Isachar é um renomado fotógrafo que ilustrou várias publicações
sobre Israel e as liturgias cristãs, como o álbum “Lumières de
Silence” (Luzes do Silêncio), sobre os ofícios religiosos no
Mosteiro de Beit Jemal.