No próximo ano, em maio, a cidade de Jerusalém vai
sediar a “XVII Conferência Mundial de Grandes Lojas Maçônicas
Regulares”, um evento que ocorre a cada 18 meses e congrega
milhares de maçons de todo o planeta. Israel foi escolhido para
sediar o encontro de 2020 pelos delegados presentes na
conferência ocorrida em Bucareste, na Romênia, em 2014.
Atualmente reunindo cerca de 1.100 maçons – judeus, muçulmanos,
cristãos e drusos israelenses - a maçonaria em Israel mantém 50
lojas ativas (já foram 70). Em maio de 2018, por ocasião da
viagem a Israel de um grupo de maçons de Santa Catarina, o
grão-mestre soberano honorário do supremo Conselho da Grande
Loja do estado de Israel, Leon Zeldis (33º grau), fez uma
explanação para os visitantes sobre a história da maçonaria na
terra santa.
Com 88 anos e dezenas de livros publicados sobre
a irmandade (alguns traduzidos para o português), Zeldis - que
nasceu na Argentina, mas passou grande parte de sua vida no
Chile - veio residir em Israel nos anos 1960 e, em 1970 foi um
dos fundadores da primeira loja maçônica de língua espanhola em
Israel.
E foi justamente nesta loja, a “Fraternidade nº 62”,
situada em Tel Aviv, que o venerável irmão falou aos brasileiros
presentes, destacando a concepção humanista que rege a Ordem, a
harmonia fraterna de seus membros e os grandes desafios frente a
um mundo em contínuo processo de transformação social e
tecnológica.
As Pedreiras do rei Salomão
De acordo com
Zeldis, a primeira reunião maçônica na terra prometida ocorreu
em 13 de maio de 1868, na caverna de Zedequias (o 20º e último
rei de Judá, morto em 697 antes da Era Comum), uma enorme gruta
subterrânea de pedra calcária (reverenciada pelos maçons como ‘
As Pedreiras do rei Salomão’) que se estende por centenas de
metros abaixo da cidade velha de Jerusalém.
Até a sua
descoberta acidental, em 1858, por um missionário americano que
passeava pela periferia da cidade, a existência da gruta foi
considerada por centenas de anos como mais uma das lendas que
envolvem Jerusalém. A comprovação de sua existência trouxe maior
consistência à crença maçônica de que a origem da irmandade se
remete aos trabalhadores que construíram o templo de Salomão e
ao próprio rei, o primeiro e maior maçom segundo a narrativa
histórica da Ordem.
Esse primeiro encontro de maçons,
ocorrido há 151 anos na então província síria da Palestina
Otomana, teve como condutor um ex-grão mestre da grande loja de
Kentucky, Robert Morris, que viera ao país procurar vestígios de
maçons na construção do templo do rei Salomão, três milênios
atrás.
Participaram desse notável evento o governador turco
da cidade de Jaffa, Nuredim Effendi, quatro maçons da comunidade
americana local, o cônsul prussiano em Jerusalém e alguns
oficiais do navio de guerra inglês Lord Clyde, ancorado no porto
de Jaffa.
Zeldis chama a atenção para o fato de que o
encontro reuniu pessoas de origens distintas, representantes
cristãos católicos, anglicanos, luteranos e mórmons, assim como
muçulmanos. “Esta é a fraternidade universal de nossa Ordem”,
afirmou o grão-mestre israelense. Acrescentando: “Que segue
preenchendo uma importante função em Israel, servindo como
centro de união, onde abraçamos irmãos de qualquer origem ou
religião, onde falamos qualquer idioma, todos unidos pelos
mesmos ideais.”
Um mito maçônico
A Caverna de Zedequias -
localizada a poucos metros da Porta de Damasco, junto às
muralhas da cidade velha de Jerusalém -, hoje um lugar
turístico bastante visitado, ainda é utilizada pela maçonaria
para reuniões de seus membros, principalmente em eventos
internacionais com a participação de maçons de diversas
nacionalidades.
Com 9 mil m² de área, mais de 100 metros de
largura e altura média de 15 metros, a caverna se constitui em
uma enorme pedreira de onde acredita-se foram retiradas pedras
de calcário branco conhecidas como “melekeh” (‘real’, da
tradução do hebraico) para a edificação do templo de Salomão e
de inúmeras construções milenares da cidade de Jerusalém.
A
maçonaria acredita que suas raízes se reportam aos construtores
do templo (o primeiro Templo, destruído por Nabucodonozor, rei
da Babilônia, em 586 antes da Era Comum), que seriam os
trabalhadores pedreiros (‘maçons’, em francês, e ‘masons’, em
inglês) citados no livro dos Reis (Melachim) da Bíblia hebraica
(Tanach), muitos deles enviados por Hiram, rei de Tiro (Fenícia,
atual Líbano) para ajudar a erguer o templo.
Está dito em
“Melachim I – 5:32”: “E os construtores de Salomão e Hiram e os
gebalitas ( da cidade fenícia de Gebal) os lavraram e prepararam
a madeira e as pedras para construir a casa.”
Mas, o mito
maçônico de mestre maçom está focado essencialmente na figura de
outro Hiram, também oriundo de Tiro, que trabalhou no
embelezamento do templo. Para os maçons trata-se de Hiram Abiff, que segundo a maçonaria foi morto por se recusar a revelar os
segredos do projeto do templo. “E o rei Salomão mandou tirar
Hiram de Tiro. Era filho da viúva, da tribo de Naftali, e pai
era homem de Tiro, um latoeiro; e ele estava cheio da sabedoria
e entendimento e habilidade para trabalhar todas as obras em
cobre; e veio ao rei Salomão e executou toda a sua obra
(Melachim I – 7:13-14).
Porém, outro artífice também é
mencionado na construção do templo e incorporado às narrativas
maçônicas. Trata-se de Adoniram (Melachim I – 5:28). Para os
maçons era o mestre encarregado dos trabalhos de cortar e
empilhar as madeiras das florestas do Líbano para serem
utilizadas no templo. Ele e Hiram Abiff (considerados por
algumas correntes maçônicas como a mesma pessoa) seriam os
mestres maçons precursores da Ordem.
A proximidade da caverna
de Zedequias com o Monte do Templo, onde foram construídos, no
século 7, a mesquita de Al-Aqsae e o Domo da Rocha (a Esplanada
das Mesquitas) é para os maçons um forte indício de que as
pedras da gruta foram transportadas para o local onde estava
sendo construído o templo de Salomão.
Esta suposição fez com
que durante o Mandato Britânico (1920 a 1948) pedras fossem
retiradas da caverna e enviadas às novas lojas maçônicas que se
instalavam em várias partes do mundo. São referidas como “pedra
angular”, aquela que simbolicamente é o alicerce mais importante
de uma construção.
Primeira loja em Jerusalém
Mas,
retornando à exposição do grão-mestre Leon Zeldis, este nos
conta que Robert Morris, após retornar aos Estados Unidos, levou
cinco anos para obter uma patente da maçonaria do Canadá e assim
fundar, em 7 de maio de 1873, a primeira loja maçônica em
Jerusalém, a “Royal Solomon Mother Lodge nº 273”. Entretanto, a
loja não foi adiante e em poucos anos foi dissolvida.
Em
1880, foi instalada na cidade de Jafa a loja “A Porta do Templo
de Salomão”, desta vez seguindo o Rito Mizraim, ativo no Egito.
Porém, tampouco essa loja sobreviveu. Em 1906, foi obtida a
patente do “Grande Oriente da França” e fundada a loja
“L’Aurore”, também em Jafa, cujo nome hebraico é “Barkai”. A
loja evoluiu e se tornou a mais antiga dentro da “Grande Loja do
Estado de Israel”.
Nos anos seguintes, relata Zeldis, foram
fundadas dezenas de lojas, com patentes das Grandes Lojas do
Egito, Inglaterra, Escócia, Alemanha e Turquia. Somente em 1953
se logrou unificar todas as lojas do país, implantando a Grande
Loja do Estado de Israel. “Nossa Grande Loja levantou colunas em
quase todas as cidades do país”, atesta Zeldis. “Desde Nahariya,
ao norte, a poucos quilômetros da fronteira com o Líbano, até
Eilat ao sul, às margens do Mar Vermelho, nossas lojas trabalham
em oito idiomas: inglês, francês, espanhol, romeno, turco e
russo, além do hebraico e árabe que são os idiomas oficiais de
Israel.”
Zeldis destaca que o passado da maçonaria em Israel
está intimamente ligado com o processo de integração dos
imigrantes que foram chegando ao país nos últimos séculos. “Não
somente os judeus, mas também árabes muçulmanos e cristãos que
vieram de outras regiões do Império Otomano (1299 a 1923),
especialmente do Líbano, Síria e Egito.”
Dificuldades
contemporâneas
A diminuição do número de maçons em vários
países, o envelhecimento dos atuais membros da Ordem, as
fragmentações e cisões que continuam a ocorrer, “e não dão
mostras de cessar”, foram apontados por Zeldis como fatores
inquietantes que preocupam a maçonaria.
Entretanto, para o
grão-mestre israelense a irmandade não pode se dissociar dos
problemas de seu tempo, como “a instabilidade do mundo
contemporâneo, a transformação veloz da tecnologia, o
relativismo moral e a recusa a toda a autoridade, situações que
produzem uma sensação de insegurança e incerteza”.
Nesse
contexto sociocultural difícil, que impõe comportamentos,
hábitos e estilos de vida bem diferentes de, por exemplo, 50
anos atrás, Zeldis faz questão de mencionar o que considera um
fator positivo de inegável atrativo na maçonaria em um mundo
onde o fugaz e o descartável imperam. Diz ele: “Nossas amizades
têm valor permanente, nossos ideais não mudam de acordo com a
moda ou o momento, nem variam segundo a geografia.”
Em sua
palestra, o grão-mestre israelense igualmente avalia a
importante influência da maçonaria na evolução da humanidade ao
longo do tempo. “Muitos dos postulados da maçonaria como a
igualdade diante da lei, a fraternidade das pessoas e dos povos,
a liberdade de expressão, a educação universal, a
responsabilidade mútua e a ajuda aos necessitados e muito mais
passaram a integrar o acervo cultural das nações evoluídas,
conduzindo a criação de numerosas instituições políticas e
associações voluntárias que cumprem e põem em prática esses
conceitos.”
Simbolismo e filosofia esotérica
Oficialmente,
a maçonaria como hoje a conhecemos se estabeleceu em 24 de junho
de 1717, em Londres, com a junção de quatro lojas locais. A
primeira Grande Loja da Inglaterra (United Grand Lodge of
England) tinha objetivos limitados, de acordo com Zeldis.
“Apenas pretendiam eleger um grão-mestre e reunir-se duas vezes
ao ano por ocasião dos solstícios, em junho e em dezembro.”
Surge aí a maçonaria especulativa (até então existia a maçonaria
primitiva das primeiras civilizações e, a partir da Idade Média,
a maçonaria operativa, dos construtores e cortadores de pedras
de catedrais, mosteiros, castelos, muralhas e outras construções
que se reuniam em associações) que absorveu as influências das
doutrinas filosóficas e esotéricas que floresceram nos séculos
17 e 18.
“As cerimônias, os rituais e o textos maçônicos
incorporaram rapidamente conceitos, símbolos e tradições da
alquimia, da cabala, do hermetismo, das lendas da cavalaria, do
neoplatonismo e dos cavaleiros templários”, explica Zeldis.
“Esse conjunto de ideias e ideais atraíram filósofos,
cientistas, aristocratas e pensadores que encontraram nas lojas
maçônicas um ambiente propício para expor seus pensamentos e
revelar suas descobertas sem temer repressão política ou
religiosa.”
Um espírito de liberdade, igualdade e
fraternidade que também entusiasmou os chamados “apóstolos da
liberdade”. Eram maçons os grandes revolucionários que
promoveram a independência das colônias das Américas: George
Washington (1732-1799), Simón Bolívar (1783-1830), Benito Juarez
( 1806- 1872), Giuseppe Garibaldi (1807-1882) e José Martí
(1853-1895).
Plantio de árvores
A Grande Loja de Israel
tem como grão-mestre, desde 2017, o árabe-israelense Suliman
Salem. É o quarto grão-mestre dessa comunidade a ser empossado
como líder maior da Ordem. Anteriormente, o grão-mestre
israelense de origem judaica, Avi Baranes, exerceu o mandato por
quatro anos.
Sob sua gestão, em 18 de setembro de 2015, foi
inaugurada no Vale Arazim (Vale dos Cedros), nos arredores de
Jerusalém, uma praça florestal, a “Masonic Forest Square”. O
vale Arazim faz parte do Parque Metropolitano de Jerusalém
administrado pelo “Keren Kayemet LeYisrael” (Fundo Nacional
Judaico).
Na ocasião, após o plantio das primeiras mudas de
árvores na praça, Baranes enfatizou os vínculos da maçonaria com
Jerusalem, já que as tradições da Ordem são baseadas na
construção do templo do rei Salomão. “Jerusalém é mencionada em
todas as nossas reuniões ao redor do mundo. Assim, garantiremos
que toda delegação que chegar a Israel venha visitar o parque e
cumprir a “mitzvá” (boa ação) de plantar uma árvore”,
assegurou.
Também o ex-grão-mestre dos maçons em Israel,
Ephraim Fuchs, autor da iniciativa, comemorou: “Foi aqui, no
Vale do Arazim, que os súditos do rei Salomão recolheram madeira
de cedro para a construção do templo, e por isso esse local tem
grande importância simbólica para os maçons. A partir dessa
praça, avistamos Jerusalém, o berço internacional da maçonaria”.
E completou: ”Esperamos que todos os maçons que visitam Israel
venham até aqui conhecer o local.”
De acordo com a Grande
Loja da Inglaterra, existem hoje 6 milhões de maçons reunidos em
176 países dos cinco continentes. Somente nos Estados Unidos são
1 milhão de maçons.Na Inglaterra, 200 mil; no Brasil, 170 mil; e
na França, 160 mil.
Fontes:
Leon Zeldis : “El papel de la
masonería en la sociedade israeli: passado-presente – futuro”
Jerusalem Post: “Inauguration of the Masonic Forest Square in
Jerusalem’, em 22.09.2015
Grande Loja de Santa Catarina
United Grand Lodge of England