01/02/2019
Ano 22 - Número 1.111
ARQUIVO
SHEILA SACKS
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Sheila Sacks
Aos que escaparam de Auschwitz
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Celebrado anualmente desde 2005, o Dia Internacional do
Holocausto instituído pela ONU (Organização das Nações Unidas)
lembrou mais uma vez, em 27 de janeiro de 2019, os seis milhões
de judeus assassinados pelo regime nazista da Alemanha, durante
o período da 2ª Grande Guerra (1939-1945).
A data marca a
libertação do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, na
Polônia, pelas tropas soviéticas em 27 de janeiro de 1945. Na
ocasião, foram encontrados 7.650 sobreviventes em condições
deploráveis. Dias antes, diante da ofensiva dos aliados, 58 mil
prisioneiros foram retirados do campo pelos soldados nazistas e
obrigados a marchar em direção à Alemanha, sob um frio rigoroso
e sem alimentação, no que ficou conhecido como a “marcha da
morte”.
Dados do “Memorial and Museum
Auschiwitz-Bierkenau”, museu que funciona no local desde 1947,
atestam que 802 prisioneiros tentaram escapar do campo – 757
homens e 45 mulheres -, mas que apenas 144 obtiveram êxito. Um
efetivo de 7 mil homens da famigerada SS (Schutzataffel – Tropa
de Proteção) mantinha vigilância permanente, aplicando a tortura
e métodos cruéis de aniquilamento, e desse total, menos de 800
foram posteriormente julgados por crimes de guerra.
Segundo a historiadora e socióloga alemã Tanja Von Fransecky,
outros 764 judeus conseguiram escapar da morte no Holocausto
(Shoah, do hebraico, calamidade ou catástrofe) pulando dos trens
que os levavam para os campos de extermínio. Pesquisadora do
Arquivo Nacional da Alemanha, na seção sobre “Perseguições aos
judeus”, Fransecky é autora do livro “Escapees - The History Of
Jews Who Fled Nazi Deportation Trains In France, Belgium, And
The Netherlands” (2014) que conta a saga dessas pessoas, de
idades variadas, que imbuídas de coragem ou tomadas pelo
desespero se arriscaram e deram o seu “salto para liberdade”.
Indústria da morte
Localizado a 70 quilômetros
da cidade de Cracóvia, no sul da Polônia, o complexo de campos
de concentração de Auschwitz foi construído pelos nazistas em
1940 inicialmente para receber presos políticos do exército
polonês, depois membros da resistência, intelectuais,
homossexuais, ciganos e judeus (Auschwitz I).
Em 1941,
foi construído um campo maior, com espaço para 100 mil pessoas,
na região de Birkenau, a 3 quilômetros do primeiro campo. Mas
este não seria um campo de trabalho e sim de extermínio. Foram
instaladas cinco câmaras de gás e fornos crematórios, cada um
deles com capacidade para 2.500 prisioneiros (Auschwitz II).
Um terceiro campo (Auschwitz-Monowitz) serviu para abrigar
uma fábrica da indústria IG Farben, de produtos químicos. O
pesticida Zyklon B, do qual a fábrica detinha a patente, foi
usado nas câmaras de gás para o assassínio massivo de judeus. O
complexo ainda incorporava outros 44 subcampos.
A
estimativa é que foram exterminados 1,1 milhão de judeus em
Auschwitz, a partir de 1942, entre homens e mulheres adultos,
crianças, jovens e idosos. De acordo com o “United States
Holocaust Memorial Museum”, em Whashington, a matança também se
estendeu a 74 mil poloneses, 21 mil ciganos, 15 mil prisioneiros
da União Soviética e 15 mil de outras nações.
Solução
Final
O historiador e documentarista inglês Laurence
Rees, em seu livro “Holocausto, uma nova história” (2017) chama
a atenção para o fato de que o holocausto não foi uma obra de
louco. “Na reunião em que se decretou a solução final, havia 15
pessoas, oito delas eram doutores universitários, vários
especialistas em Direito”, assinala.
Há mais de 25 anos
pesquisando, escrevendo e realizando documentários sobre o tema,
Rees acredita que existe “uma parte muito sombria na humanidade”
e cita o historiador americano Christopher Browning, também um
estudioso do Holocausto: “É muito significativo que nunca na
história um genocídio tenha fracassado devido à falta de pessoas
dispostas a assassinar.”
O historiador inglês de 62 anos
afirma que uma das pessoas mais importantes que conheceu ao
longo da vida foi justamente um sonderkommando
(prisioneiros que atuavam nos campos de concentração a comando
dos nazistas) que lhe disse esta frase: “Jamais podemos saber do
que os seres humanos são capazes.”
Em 2005, Rees
escreveu, produziu e dirigiu para a rede britânica de rádio e TV
BBC a série “Auschwitz:Os Nazistas e a Solução Final”, com 6
episódios. Ele entrevistou dezenas de ex-prisioneiros e seus
carrascos em um trabalho que durou 3 anos e que também resultou
em um livro de igual título.
Na ocasião, falando ao
jornal espanhol “El País”, Rees revelou o motivo que o levou a
dedicar a maior parte de sua vida a pesquisar sobre o
Holocausto. Foi a partir de uma resposta dada pelo secretário
pessoal de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda do regime
nazista.
Homem encantador e muito inteligente, segundo
Rees, Wilfred Von Owen foi entrevistado pelo historiador. “Ele
me disse que a melhor palavra que lhe ocorria para definir o que
foi a sua experiência no Terceiro Reich seria ‘paraíso’.” Owen
faleceu em 2008, aos 96 anos, em Buenos Aires.
Diante
dessa resposta, Rees se aprofundou ainda mais em seus estudos
sobre esse período de trevas para entender de que forma um
governo com apoio popular se converteu na maior máquina
aniquiladora de seres humanos da história.
Perseguições e fugas
No início do século 20, as
perseguições violentas aos judeus se concentravam na Rússia.
Vários pogroms (palavra de origem russa que significa
‘causar estragos’, ‘destruir com violência’) ocorreram antes da
1ª Grande Guerra como os das cidades de Kishinev (1903) e Odessa
(1905), com centenas de casas e lojas destruídas e milhares de
judeus mortos ou feridos. Ao todo, mais de 2 milhões de judeus
fugiram da Rússia entre 1880 e 1914.
Com a ascensão de
Hitler a chanceler da Alemanha, em janeiro de 1933 (no ano
seguinte se tornaria o führer do regime nazista), 37 mil
judeus deixaram o país, 7% dos 520 mil que lá viviam. A maioria
se deslocando para a França e a Holanda.
Ainda em 1933
foi implementado o primeiro campo de concentração na Bavieira,
em uma fábrica desativada na cidade de Dachau, a 15 quilômetros
de Munique. Inicialmente para confinar políticos e intelectuais
comunistas e socialistas.
Cinco anos depois, com os
judeus alemães já sofrendo os mais variados tipos de pressão
social, tem início na Alemanha um dos pogroms mais
brutais da história. A Noite dos Cristais (Kristallnacht) ou a
Noite dos Vidros Quebrados, iniciou-se na noite de 9 de novembro
de 1938, durou dois dias e teve um saldo aterrorizante: 250
sinagogas queimadas, 7 mil estabelecimentos comerciais judaicos
destruídos, cemitérios, hospitais, escolas e casas saqueadas, 30
mil judeus presos e dezenas de mortos. Tudo acontecendo ante a
total indiferença das forças policiais.
Foi o terrível
prenúncio da tragédia avassaladora, sem precedentes na história
moderna, que iria desabar sobre os judeus da Europa, mudando de
forma cabal e dramática a percepção humana sobre o que se
entende por “mal”. Porque, como bem alerta a filósofa americana
Susan Neiman (“O Mal do Pensamento Moderno”) “o que aconteceu em
Auschwitz representa tudo que queremos dizer hoje em dia quando
usamos a palavra mal: atos absolutamente daninhos que não deixam
espaço para justificativa ou explicação”.
Sheila Sacks é
jornalista e trabalha em Assessoria de Imprensa na cidade do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, RJ
http://sheilasacks.blogspot.com
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