Reprovado por 82% da população brasileira, segundo a mais
recente pesquisa do Datafolha divulgada em 10 de junho, o
governo Temer não só atinge o maior índice de impopularidade das
últimas três décadas para um presidente, como também entra nas
páginas da história apresentando um número recorde de
assassinatos em conflitos no campo, ocorridos nos dois anos de
sua gestão.
De acordo com o relatório anual da Comissão
Pastoral da Terra (CPT) “Conflitos do Campo Brasil”, divulgado
em 4 de junho, desde 2003 ( quando foram registrados 73
assassinatos) não ocorriam tantas mortes por disputas de terra
no país. Em 2017 foram 71 assassinatos, dez a mais em relação a
2016, quando foram registrados 61 crimes no campo. Desses
assassinatos, 31 mortes ocorreram em cinco chacinas.
Também em comparação a 2016 aumentaram as tentativas de
assassinatos em 63% (de 74 investidas para 120) e as ameaças de
morte em 13% (de 200 para 226). A diminuição de 6,8% no número
de conflitos no campo, em 2017, com 1.431 ocorrências, fez com
que o índice de um assassinato por 25 conflitos, registrado em
2016, quando se sucederam 1.536 conflitos, alcançasse um
assassinato por 20 conflitos.
Aumenta a brutalidade
O professor da Universidade Federal de Goiás (UFG),
Cláudio Maia, ao analisar os dados de 2017 notificados pela CPT
identificou que em dois dos massacres - o de Colniza (MT), com
nove mortos, e o de Pau D’Arco (PA), com dez mortos - a
quantidade de pessoas assassinadas só foi menor do que na
emblemática chacina de Eldorado dos Carajás, ocorrida em 17 de
abril de 1996, com 19 mortes. Quanto ao número de massacres,
desde 1998 não se registrava, em um único ano, mais do que dois
massacres.
Para Airton Pereira, autor do livro “Do
Posseiro ao Sem-terra”, e José Batista Afonso, advogado da CPT,
em Marabá, que acompanham os conflitos no campo, o que assusta é
identificar o “grau de brutalidade e crueldade” que acompanharam
os massacres. “Cadáveres degolados, carbonizados,
ensanguentados, desfigurados. Exemplos que deverão ficar
marcados para sempre na alma de homens, de mulheres, de jovens e
crianças. Uma pedagogia do terror”, relatam.
A CPT
esclarece que registra como massacre quando em um conflito, no
mesmo dia, são assassinadas três ou mais pessoas. Por isso, após
uma divulgação inicial, em 16 de abril, sobre os números de
assassinatos em conflitos no campo, a Pastoral decidiu incluir
como massacre o caso de Canutama (AM) – em que três pessoas
desapareceram quando faziam um levantamento para a regularização
de lotes -, aumentando para cinco o número de ocorrências em
2017.
A Pastoral destaca que os assassinatos de
trabalhadores rurais sem-terra, de indígenas, quilombolas,
posseiros, pescadores, assentados, entre outros, tiveram um
crescimento brusco a partir de 2015, quando ocorreram 50 mortes.
São três anos consecutivos de um processo cumulativo de
assassinatos que envergonham o país. Até então, entre 2004 e
2014, os índices anuais não ultrapassavam o limite de 39 mortes.
Na década em questão, houve até uma redução do número de vítimas
fatais resultante dos conflitos no campo, com o registro de 28
mortes, em 2007 e 2008, e 25 mortes em 2009.
O gráfico
“Assassinatos 2003-2017” está incluído no relatório da Pastoral
que, desde 1985, acompanha, registra, denuncia e divulga
publicamente as mortes e os massacres envolvendo os conflitos no
campo.
Expansão das áreas de conflito
O
professor e geógrafo Carlos Walter Porto Gonçalves, da
Universidade Federal Fluminense (UFF), assinala que nos últimos
anos houve uma expansão das áreas onde os conflitos ocorrem. Em
2008, os confrontos envolviam 6,5 milhões de hectares. Em 2016,
a área aumentou para 23,6 milhões de hectares, e em 2017,
atingiu 37 milhões de hectares.
Autor de vários livros
sobre o tema, sendo o mais recente “Amazônia: encruzilhada
civilizatória. Tensões territoriais em curso” (2017), Porto
Gonçalves observa que o aumento na violência no campo se
intensificou a partir de 2015, com a “ruptura política”
provocada pelo processo de impeachment de Dilma Rousseff. Foram
132 assassinatos em 2016 e 2017.
Essa “ruptura” pode ser
constatada nas ações políticas que se sucedem a partir de 2016.
Segundo o CPT os recursos para a obtenção de terras foram
reduzidos em mais de 60%, comparados aos valores de 2015.
Igualmente os valores para a ATER (Assistência Técnica e
Extensão Rural) foram cortados pela metade, e o programa de
Aquisição de Alimentos (PAA) que recebeu R$ 439 milhões, em
2016, baixou para R$ 150 milhões, no ano passado. Para 2018, a
Pastoral afirma que o governo Temer já reduziu em 35% os
recursos para a agricultura familiar e suprimiu mais de 56% dos
valores destinados ao programa de segurança alimentar e
nutricional para as famílias do campo.
Modelo agrícola
concentrado
Em contrapartida, as indústrias de
agrotóxicos movimentaram cerca de R$ 30 bilhões, somente em
2017, e pelas contas da “Campanha Permanente contra os
Agrotóxicos e pela Vida” o país deixou de arrecadar, pelo menos,
R$ 1,3 bilhão, visto que muitos desses produtos estão isentos do
pagamento do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e, em
muitos estados, são beneficiados com uma redução de até 60% da
base de cálculo do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias
e Serviços).
Líder mundial do ranking de consumo de
agrotóxicos, o Brasil despende, no mínimo, US$ 1,28 em
tratamento médico com intoxicações a cada 1 dólar gasto com
agrotóxico. Lembrando que a exposição dos trabalhadores rurais
aos agrotóxicos, ao longo do tempo, causa diversos tipos de
câncer e outras doenças que vão aparecer, também, nos
consumidores de alimentos contaminados.
A advogada
Naiara Bittencourt, do movimento “Terra de Direitos”, enfatiza
que políticas agrícolas que induzem ao consumo de agrotóxicos
configuram “um modelo agrícola concentrado, dependente e
envenenado”.
Impunidade e retrocesso
Desde
1985, a Pastoral divulga anualmente, em abril (em memória ao
massacre de Eldorado dos Carajás), o relatório sobre a violência
na área rural brasileira. Este ano, devido aos seguidos ataques
hackers à sede da Pastoral, em Goiânia, fato denunciado pela
organização, o relatório final só foi apresentado no início de
junho. Nos 32 anos de aferição desses dados, a Pastoral
catalogou 1.904 assassinatos, sendo que desse total 220 mortes
foram resultantes de 46 massacres.
O documento também
ressalta o ambiente de impunidade que ajuda a fomentar a
violência no campo. Em mais de três décadas, apenas 8% dos
assassinatos foram julgados, com a condenação de 31 mandantes de
assassinatos e 94 executores.
Ainda assim, segundo o
secretário nacional da CTP, Antônio Canuto, vai ser difícil
encontrar os 31 mandantes em alguma cadeia. “Todos eles estão
soltos”, afirma. “É a evolução da impunidade”, reforça.
No início de 2018, ao divulgar uma prévia do balanço sobre a
questão agrária em 2017, a Pastoral já havia alertado para o
“sombrio ciclo de retrocessos políticos” que o país estava
sofrendo. Apesar de dados parciais que apontavam para 65
assassinatos (depois contabilizados para 71), a instituição
chamou a atenção para o clima de terror que vingou em 2017, com
assassinatos praticados com requintes de crueldade e a escalada
da prática da chacina como método de aniquilação.