01/07/2017
Ano 20 - Número 1.043
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SHEILA SACKS
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Sheila Sacks
Perseguição à Fé Bahá’í no Irã
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Em maio deste ano foi lançada uma campanha global para a
libertação imediata de sete líderes da Fé Bahá’í, presos há nove
anos no Irã, acusados de serem inimigos do Islã. O chamamento
intitulado “Outro Ano, Não” pretende pressionar o governo de
Teerã a libertar os cinco homens e duas mulheres condenados
inicialmente a vinte anos de prisão. Com a redução da sentença,
em 2015, para dez anos, por conta da aplicação de um novo código
penal iraniano, o apelo é para que o grupo seja solto ainda este
ano.
A comunidade internacional Bahá’í congrega mais de 5
milhões de adeptos em mais de 160 países, notadamente na Índia e
no Irã. No Brasil, são mais de 65 mil pessoas de diferentes
classes sociais, culturais e econômicas residentes em 1.300
municípios, do norte ao sul do país. Suas ações são direcionadas
para os campos do diálogo inter-religioso e da promoção da
igualdade racial, trabalhando em parceria com ONGs e
instituições governamentais pela defesa dos direitos humanos, do
desenvolvimento sustentável e da boa governança.
Uma
fé perseguida
De acordo com o site oficial da
comunidade Bahá’í, a sua fé é uma religião mundial independente,
com leis próprias e escrituras, surgida na antiga Pérsia, atual
Irã, em 1844. Foi fundada por Bahá’u’lláh (do árabe ‘A glória de
Deus’), título de Mirzá Husayn Ali (1817-1892), e não possui
dogmas, rituais, clero ou sacerdócio. Sua sede permanente está
localizada no Centro Mundial Bahá'í, na cidade de Haifa, um dos
motivos da perseguição aos seus fiéis residentes no Irã,
acusados de serem agentes pró-Israel e inimigos do Islã. No
entanto, muito antes da existência do estado de Israel, a Fé
Bahá’í estava presente naquele território. Isso porque os seus
fundadores foram exilados e presos na colônia penal de Acre, na
então Palestina, em 1868, 80 anos antes da independência de
Israel, ocorrida em 1948.
Vítimas de perseguições, os
bahá´ís foram obrigados a deixarem o Irã, principalmente na
década de 1950, durante o governo do Xá Reza Pahlevi,
intensificando o êxodo a partir de 1979, com a instalação da
República Islâmica do Irã, do Aiatolá Khomeini. Nesse regime
teocrático e fundamentalista, os bahá´ís iranianos são acusados
de “infiéis” e “hostis”, e a sua comunidade de mais de 300 mil
pessoas vive em permanente estado de opressão e precariedade
religiosa, social e jurídica.
Em sua página oficial, a Fé
Bahá’í descreve a situação crítica de seus adeptos no Irã,
considerados inimigos do Estado: “Desde a revolução, mais de 220
líderes da comunidade bahá’í foram mortos, locais sagrados
demolidos, jovens expulsos de universidades, crianças
maltratadas nas escolas, cemitérios destruídos, além da perda do
direito ao trabalho, às pensões e aposentadorias.” Outro fato
inédito a destacar é que os acusados não podem ter advogado de
defesa.
Em razão dessa situação dramática, cerca de uma
centena de bahá'ís iranianos receberam refúgio no Brasil na
década de 1980. Eles se juntaram à comunidade bahá’í brasileira,
cujo início remonta ao ano de 1921, quando da instalação do
primeiro grupo bahá’í na cidade de Salvador, na Bahia.
Apelo Universal
Quando do lançamento da campanha
pela libertação dos sete religiosos, a principal representante
da Comunidade Internacional Bahá’í nas Nações Unidas, a advogada
indiana Bani Dugal, exaltou a coragem do grupo e o sofrimento de
suas famílias. “A nossa expectativa é que estes sete corajosos
indivíduos sejam libertados até o próximo ano, ao completarem as
suas penas, apesar de que, na verdade, eles não deviam sequer
ter sido presos.”
A representante fez, ainda, um relato
dramático da situação dos condenados: "Os sete eram casados, com
crianças, e antes de serem presos tinham vidas familiares muito
queridas. Os sete eram também extremamente ativos e trabalhavam
pela melhoria da sua comunidade e da sociedade iraniana como um
todo. O longo período de prisão implicou, entre outras coisas,
que perdessem o nascimento de netos, os casamentos dos filhos e
parentes próximos, e os funerais de familiares e amigos."
Além dos sete Yaran (‘Amigos que ajudam’), como é conhecida
a liderança bahá’í, mais 86 outros fiéis permanecem presos no
Irã unicamente pelas suas crenças religiosas. Em 2009, após anos
de luta na defesa dos bahá’í e contínuas ameaças de morte, a
juíza iraniana Shirin Ebadi, Prêmio Nobel da Paz de 2003, teve
que procurar refúgio na Inglaterra. “De fato, toda a comunidade
bahá’í iraniana está sujeita à injustiça e crueldade, à opressão
e tirania“ reforça Bani Dugal. ”Todos enfrentam políticas
injustas de estrangulamento econômico, a negação de acesso ao
ensino superior, e ataques maliciosos – que as autoridades não
investigam - contra as suas propriedades, para não mencionar uma
intensa propaganda negativa nos meios de comunicação oficiais”,
acrescenta.
Em comunicado oficial, a “Casa Universal da
Justiça”, instituição máxima da Fé Bahá’í, instalada no Monte
Carmel, em Haifa, atribui ao “fanatismo rígido” dos dirigentes
iranianos a conduta “irracional” de sufocar a minoria bahá’í,
utilizando-se de “políticas tacanhas” que minam a credibilidade
do país na esfera internacional. Composta por nove membros
eleitos a cada cinco anos, a instituição exerce funções
legislativa e jurídica, publica livros e documentos e administra
todas as questões mundiais da fé em questão.
Os presos
e suas famílias
Há dois anos, a jornalista nascida em
Angola, Margarida Santos Lopes, que foi editora internacional do
jornal “Público”, de Lisboa, e é especializada em assuntos que
envolvem o Oriente Médio e o Islã, publicou em seu blog um texto
em que registra o perfil biográfico dos presos ( ‘Bahá’ís:
Perseguidos no Irão, nem sempre amados em África’, em maio de
2015). De início, ressalta a detenção de Mahvash Sabet, de 62
anos, professora e responsável durante quinze anos pelo
Instituto Bahá’í do Ensino Superior (atualmente fechado) onde
lecionava Psicologia e Gestão. A organização educacional era uma
alternativa acadêmica aos jovens bahá’ís proibidos de frequentar
universidades nacionais.
Relata a jornalista que em 5 de
Março de 2008, Sabet foi convocada pelo Ministério da Segurança,
na cidade de Mashad, para responder a questões relacionadas com
um funeral bahá’í. “Foi o início de uma campanha que levaria
para a infame penitenciária de Evin, em Terã, todos os sete
Yaran , detidos nas suas casas, na capital, em 14 de maio,
afirma.
E prossegue: “À Mahvash Sabet juntaram-se a
psicóloga Fariba Kamalabadi, 52 anos e três filhos; o empresário
Jamaloddin Khanjani, 81 anos (a sua mulher morreu em 2011, mas
ele não foi autorizado a assistir ao enterro) e quatro filhos; o
industrial a quem foi negado o sonho de ser médico Afif Naeimi,
53 anos e dois filhos; o engenheiro agrónomo Saeid Rezaie, 57
anos e três filhos; o assistente social forçado a ser
carpinteiro Behrouz Tavakkoli, 63 anos e dois filhos; e o
optometrista Vahid Tizfahm, 42 anos e um filho”, denuncia
Margarida Lopes.
Lamentavelmente, a jornalista que tem
uma posição bastante crítica em relação ao estado de Israel e
que esteve recentemente no Irã para a revista de viagens “Volta
ao Mundo”, não cita os bahá’is na interessante reportagem de
exaltação à beleza natural, arquitetônica e histórica do país,
apesar de detalhar um roteiro que inclui a localização dos
vários grupos étnicos e religiosos que habitam a região ( ‘Uma
viagem ao Irã que nunca viu’, em 19 de junho de 2017).
No
entanto, os bahá’is são a maior minoria religiosa do Irã e seus
líderes estão presos desde 2008 acusados pelo regime islâmico de
espionagem e “corrupção na Terra”, crimes punidos com a pena de
morte.
Sem provas
Para o Centro de Defesa
dos Direitos Humanos do Irã, com sede em Londres, não há provas
para condenar nenhum dos sete religiosos. Fundado e presidido
por Shirin Ebadi, 70 anos, primeira mulher muçulmana a receber
um prêmio Nobel, a organização luta por uma maior
conscientização dos direitos humanos no Irã, denuncia suas
violações e dá apoio às famílias vítimas de perseguições
política e religiosa.
A própria Shirin Ebadi é um exemplo
da impiedade do regime fundamentalista do Irã. Juíza em Teerã,
perdeu o cargo em 1979, logo após a revolução islâmica, sendo
destituída da função porque as mulheres foram proibidas de
conduzir julgamentos. Rebaixada a simples funcionária do mesmo
tribunal onde era presidente, ela começou a advogar em defesa de
ativistas políticos, jornalistas perseguidos e dos sete líderes
bahá’ís, atividades que levaram ao seu encarceramento.
Em
1999, Ebadi ficou quase um mês presa em confinamento na prisão
de Evin, acusada de perturbar a ordem pública. Foi condenada a
um ano e meio de prisão e impedida de exercer a sua profissão
por cinco anos, mas a pressão internacional fez o governo
reduzir a pena para uma multa. Em 2008, o escritório que
mantinha como centro de defesa de direitos humanos foi fechado
pelas forças de segurança iranianas e o imóvel confiscado. No
ano seguinte, com o agravamento das tensões políticas no Irã e
as continuadas ameaças de morte, ela optou pelo exílio.
Em 2011, em visita ao Brasil para participar do encontro
“Fronteiras do Pensamento”, em Porto Alegre, a ex-juíza iraniana
denunciou mais uma vez a situação de violação dos direitos
humanos no país. “No Irã, quem se opõe ao governo é preso.
Muitos dos meus amigos estão na prisão e há relatos de
assassinatos de prisioneiros políticos.” Ebadi é autora de
vários livros, entre eles “Iran Awakening” (O despertar do Irã),
publicado em 2006, e “Until we are free” (Até que sejamos
livres), de 2016.
Causa Bahá’í na ONU
Outro
importante combatente da causa Bahá’í é o diplomata originário
das Ilhas Maldivas, Ahmed Shaheed, relator especial da ONU sobre
a situação dos direitos humanos no Irã. Eleito para o cargo, em
2011, pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas,
Shaheed, que vive na Inglaterra, foi reeleito pela sexta vez, no
ano passado. Sua principal missão é lutar pela proteção dos
direitos humanos nas sociedades islâmicas, apoiando a liberdade
de religião e a abolição da pena de morte. Proibido pelas
autoridades iranianas de visitar o país (desde 2005 o governo de
Terã proíbe a entrada de peritos internacionais), ele emite
comunicados periódicos à imprensa internacional pedindo a
libertação “incondicional e imediata” dos sete líderes bahá’ís.
No Brasil, a posição do governo é de abstenção nas votações
nos fóruns internacionais quando o tema é sobre as violações de
direitos humanos no Irã. A atitude se consolidou, a partir de
2001, e o Itamaraty justifica o voto afirmando “dispor de
informações que apontam avanços na situação dos direitos humanos
no país”. Mas, o motivo real é evitar qualquer abalo econômico
na relação entre os dois países que, em 2016, realizaram trocas
comerciais no valor de 2 bilhões de dólares.
Também
desde 2015 o Brasil mantém seu voto de abstenção à renovação do
mandato do relator especial para o Irã, no Conselho de Direitos
Humanos da ONU. Porém, o mais recente informe da relatoria
especial, publicado em setembro de 2016, aponta 530 pessoas
executadas no país. Em 2015, o número de execuções foi maior,
atingindo entre 966 e 1054 pessoas, uma situação jamais
registrada nos últimos 20 anos, segundo o relator Ahmed Shaheed.
No ano passado, ONGs ligadas à minoria religiosa Bahá’í no
Irã já alertavam que o presidente Hassan Rouhani, eleito em 2013
com uma plataforma menos conservadora e mais aberta ao cenário
internacional, não vinha cumprindo a sua promessa de campanha de
combater a intolerância religiosa no país. Propagandas contra os
adeptos dessa fé têm sido veiculadas livremente na mídia
iraniana e jovens bahá’ís continuam proibidos de ter acesso às
faculdades. Para especialistas em geopolítica, apesar das
expectativas, não houve mudanças substanciais no Irã, porque o
atual presidente ainda não transformou o histórico repressivo do
país.
Rouhani foi reeleito em maio de 2017 para um novo
mandato de quatro anos, com 57% dos votos do eleitorado,
prometendo a retomada do diálogo com o Ocidente.
(1º de setembro, 2017)
CooJornal nº 1.043
Sheila Sacks é
jornalista e trabalha em Assessoria de Imprensa na cidade do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, RJ
http://sheilasacks.blogspot.com
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