Se nos salões da diplomacia internacional o Brasil apoia as
metas do Acordo de Paris, a progressão ascendente de
desmatamento nas florestas brasileiras contradiz esse discurso.
Pesquisas de órgãos ambientais divulgadas pela imprensa nos
dias 29 e 30 de maio dão conta de que a mata atlântica sofreu um
brutal desmatamento entre 2015 e 2016, atingindo a marca de 291
quilômetros quadrados, o equivalente a mais de 29 mil campos de
futebol. A perda é 57% maior do que a registrada no biênio
2014-2015, o que representa um retrocesso na política de
preservação ambiental. Os números foram apresentados pela
Fundação SOS Mata Atlântica em parceria com o Instituto de
Pesquisas Espaciais (Inpe).
Presente no Rio de Janeiro e
em mais 16 estados brasileiros, a mata atlântica já ocupou mais
de 1 milhão de quilômetros quadrados ao longo da costa nacional.
Hoje restam pouco menos de 12% da cobertura original. Ainda
assim, um tesouro de biodiversidade em matéria de vegetação e de
espécies animais. Bahia, Minas Gerais, Paraná e Piauí lideram a
lista onde o desmatamento foi mais intenso, com florestas
nativas queimadas, retirada ilegal de madeira e limpeza das
áreas para a implantação de atividades de pecuária, cultivo de
grãos, plantio de eucaliptos e até produção de carvão.
Acrescentam-se a essas intervenções predatórias, a expansão
urbana desordenada e a industrialização.
É preciso
lembrar que a mata atlântica tem mais de 20 mil espécies
vegetais, um patrimônio biológico e genético maior do que o da
Europa (12.500 espécies) e da América do Norte (17 mil). Em
relação à fauna, este bioma abriga 992 espécies de aves, 370
espécies de anfíbios, 200 espécies de répteis, 298 de mamíferos
e cerca de 350 espécies de peixes. Um privilegiado repositório
biológico e genético que merece a atenção e a mobilização de
todos na salvaguarda de nossa legislação de proteção ambiental,
que vem sendo atropelada por mudanças no Código Florestal, pela
reversão e afrouxamento na emissão de licenças ambientais e pela
redução de unidades de conservação.
Vale o alerta e a
pressão da sociedade em relação ao tema, visto que a bancada
ruralista, nas eleições de 2014, aumentou seu poder de fogo e
hoje conta com 263 dos 531 dos deputados federais, 51% dos
parlamentares da Câmara. No Senado, dos 81 senadores, 32 são
ligados ao setor da agropecuária.
Berçário ecológico
O Brasil é um país de proporções continentais: seus 8,5
milhões de quilômetros quadrados ocupam quase a metade da
América do Sul e abarcam várias zonas climáticas, como o trópico
úmido no Norte, o semiárido no Nordeste e áreas temperadas no
Sul.
Além da mata atlântica, o país possui o maior
ecossistema tropical do planeta: a floresta amazônica. Ao lado
de outros biomas nacionais como o cerrado, caatinga, pantanal
mato-grossense, pampa e zona costeiro-marinha, o Brasil
concentra, dentro de seu território, a maior biodiversidade de
flora e fauna da terra. Somente na floresta amazônica são mais
de 103.870 espécies animais, 43.020 espécies vegetais, 1.300
pássaros e milhões de insetos cadastrados pela ciência. A metade
das espécies terrestres está na Amazônia.
Ocupando 49% do
território brasileiro, com 4,2 milhões de quilômetros quadrados
- de um total de mais de 5,5 milhões que se estendem pela
Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Suriname (antiga Guiana
Holandesa), Guiana (antiga Guiana Inglesa) e Guiana Francesa – a
floresta amazônica tem quase o tamanho da Austrália, é maior do
que a Europa Ocidental e quase tão grande quanto os EUA. No
Brasil, esse bioma cobre nove estados brasileiros, a saber:
Amazonas, Pará, Mato Grosso, Acre, Rondônia, Roraima, Amapá,
parte do Tocantins e parte do Maranhão.
Sua bacia
hidrográfica é a maior do mundo. O rio Amazonas, com mais de
1.100 afluentes, se estende por 6,8 mil quilômetros de extensão,
a mesma distância que separa a cidade de Nova Iorque da capital
alemã Berlim. É o maior rio em volume de água e o segundo mais
longo do mundo, depois do Nilo, no Egito. Tem 25 mil quilômetros
de águas navegáveis e às suas margens vivem 24 milhões de
pessoas, incluindo 342 mil indígenas de 180 etnias distintas.
Nunca é demais lembrar que as florestas naturais são
fundamentais para a produção e o abastecimento de água e a
proteção do solo, contribuindo também para a proteção das
encostas e para a regulação climática.
Danos
ambientais
De posse desse tesouro planetário, cabe ao
Brasil a nem sempre fácil tarefa de cuidar de sua preservação
ambiental. Infelizmente, também a floresta amazônica sofreu
sensível dano entre 2015 e 2016, com o desmatamento de 7,9 mil
quilômetros quadrados de sua vegetação, um aumento de 29% em
relação a 2014. A perda equivale a uma área 135 vezes maior do
que Manhattan, no condado de Nova Iorque. Em termos de emissão
de gases de efeito estufa na atmosfera, a estimativa é de que
esse desmatamento tenha liberado 586 milhões de toneladas de
dióxido de carbono, a mesma quantidade que a frota de automóveis
do país, calculada em 50 milhões, emite em oito anos.
Segundo a ONG Greenpeace, o aumento da devastação das florestas
brasileiras tem ocorrido, entre outras causas, pelas continuadas
anistias que o governo sinaliza para aqueles que desmatam
ilegalmente; a falta de incentivo à criação de novas unidades de
conservação ambiental e de proteção aos povos indígenas; e a
força da bancada ruralista no Congresso. As queimadas e a
limpeza dos terrenos para a expansão da pecuária estão
convertendo as florestas em pastos. O Pará já detém o terceiro
maior rebanho do país, e Mato Grosso, com 29 milhões de cabeças
de gado, é líder na pecuária e na produção de soja. O Greenpeace
também alerta para a expansão da pecuária no sul do estado do
Amazonas.
Em entrevista ao jornal “Folha de São Paulo”,
no início do ano, o presidente de uma multinacional de máquinas
agrícolas, Carlo Lambro, de origem italiana, analisando o setor
de agronegócio brasileiro, manifestou sua surpresa com o tamanho
das propriedades rurais. “Há fazendas no Brasil que são grandes
como uma região da Itália. Milhares de hectares, imagine.” A
observação vai ao encontro de um dado, no mínimo indecoroso em
relação à desigualdade fundiária, já apontado pela ONG Oxfam
Brasil, ligada à Universidade britânica de Oxford, em 2016. De
acordo com a organização, menos de 1% dos grandes proprietários
concentram 45% de toda a área rural brasileira.
Listado
em 2015 como o sétimo país mais poluidor do planeta pelo “World
Resources Institute” (WRI Brasil), as emissões no Brasil - ao
contrário da China, EUA e União Europeia, que lideram o ranking
e têm na matriz energética sua principal fonte de gases
poluentes - estão divididas igualitariamente entre os setores de
energia, agricultura, indústria e resíduos.
Um quadro
deveras desolador que pouco combina com a retórica diplomática
da chancelaria brasileira expressa em um comunicado emitido após
a decisão do presidente americano Donald Trump de retirar os EUA
do Acordo de Paris, em 1º de junho. O documento enfatiza o
compromisso do Brasil na implementação de programas de redução
de gases de efeito estufa e manifesta “profunda preocupação e
decepção” pela atitude de Trump. Afirma, também, que “o combate
à mudança do clima é um processo irreversível, inadiável e
compatível com o crescimento econômico”, e que o governo
brasileiro está “comprometido” com as diretrizes de Pacto de
Paris, firmado por 195 países, em dezembro de 2015.