01/04/2015
Ano 18 - Número 930
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SHEILA SACKS
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Sheila Sacks
O DOMÍNIO DA OPINIÃO |
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Os inteligentes sempre facilitaram as coisas para os bárbaros (Theodor W. Adorno, filósofo)
Na série de
TV Good Wife, ambientada nos
tribunais de Chicago, uma das magistradas possui determinada característica
que desarma os bacharéis que recorrem à sua jurisdição. Dependendo do viés
interpretativo adotado pelos advogados de defesa e de acusação em relação ao
tema em julgamento, a juíza interrompe a argumentação com o bordão “na sua
opinião”, sinalizando aos contendores e aos membros do júri que o raciocínio
expresso pelo profissional em questão representa um ponto de vista pessoal e
não necessariamente uma visão verdadeira ou correta dos fatos em exame.
Diferente
dos tribunais, cujos parâmetros legais dificultam e restringem eventuais
manipulações na construção de um raciocínio, a imprensa é um campo aberto a
observações pessoais especulativas pela própria natureza de seu serviço
voltado à livre difusão da informação e por extensão ao livre exercício da
opinião. Ainda que o comentário afronte
conceitos éticos e apresente visões distorcidas da realidade, o jornal lhe
confere visibilidade e, essencialmente, o crédito da confiabilidade. O
historiador americano Christopher Lash (1932-1994), crítico dos processos de
disseminação da informação no mundo globalizado, teve essa percepção ao
enunciar em seu livro “Cultura do Narcisismo” (de 1979), que “para algo ser
aceito como real, basta que apareça como crível ou plausível, ou como
oferecido por alguém confiável”.
Recente
consulta do Ibope apontou que 58% dos entrevistados confiam “muito ou sempre
nos jornais impressos”, percentual superior a outros meios de comunicação como
rádio, televisão e internet (“O consumo da informação”, em O Estado de São
Paulo de 28.12.2014). Outro dado significativo é que a grande maioria dos
leitores (84%) lê jornais para se informar e se inteirar das notícias, segundo
a mesma pesquisa. Mas, tratando-se de
páginas de opinião, presume-se que o interesse do leitor irá convergir
naturalmente para o editorial, que enuncia a posição ideológica do jornal, e
também para os habituais colunistas que repercutem os temas políticos
nacionais e internacionais que impactam a vida do cidadão e da sociedade.
Na última
década, ampliando a influência subjetiva das páginas opinativas que interferem
na formação e avaliação da realidade, a imprensa vem agregando a esse plantel
de profissionais de jornalismo uma plêiade de personalidades do mundo
artístico, aparentemente em prol da diversidade de ideias e conceitos que
balizam a liberdade de expressão nas democracias. Se antes, cineastas, atores,
músicos e outros astros populares “bons de escrita” se expressavam nos
suplementos de cultura ou “segundo caderno” sobre a sua arte, agora migraram
para as páginas reservadas à prática e observação jornalísticas das cenas
político-sociais, concorrendo em igualdade de espaço e mérito com os textos do
“pessoal da casa”.
A seu
favor, os próprios currículos festejados pela imprensa e a admiração dos
leitores-fãs, dois referenciais de peso a embasar pontos de vista individuais
e impositivos que caracterizam “a superioridade bem informada” conceituada
pelo filósofo e sociólogo alemão Theodor W. Adorno(1903-1969). Na obra “Minima Moralia:
reflexões a partir da vida lesada” (1951), Adorno então em seu exílio nos
Estados Unidos chama a atenção para a responsabilidade que deve prevalecer
entre a elite formadora de opinião – “os inteligentes” – quando se propõe a
expressar suas ideias e opiniões valendo-se de um meio de comunicação de
massa. “Nenhum pensamento é imune à comunicação e proferi-lo no lugar errado e
por meio de entendimento errado é suficiente para solapar sua verdade”,
escreveu.
Acrescentando que à responsabilidade que se requer consciente e justa na
formulação de conceitos e interpretações críticas soma-se uma carga de poder
bastante presente dado o alto grau de influência que essas opiniões produzem.
Para o professor de Ciências da
Comunicação da Universidade Nova Lisboa, João Pissarra Esteves, aqueles que
têm acesso à mídia estão investidos de um poder extraordinário, “porque impõem
a sua própria realidade perante os outros, de acordo com os seus valores e
interesses próprios” (“A Ética da Comunicação e os Media Modernos”, de 1998).
Maior contundência mostra o autor de “Nossa Cultura ou o que restou dela”
(2005), o psiquiatra e escritor inglês Theodore Dabrymple, de 65 anos, um
implacável analista da sociedade globalizada com uma dezena de livros
publicados. Ele credita aos artistas, diretores de cinema, romancistas,
dramaturgos, jornalistas e até cantores populares – além de economistas e
filósofos sociais – o poder de indução e controle das sociedades. “São eles os
legisladores invisíveis do mundo e devemos prestar muita atenção àquilo que
dizem e como dizem”, assinala no prefácio do livro.
É o que se
acompanha em relação a dois artigos publicados em
O Globo nas edições de domingo. O primeiro – “O Jeová do DVD” -
assinado pelo compositor Aldir Blanc foi dado a conhecer uma semana antes da
realização do primeiro turno das eleições presidenciais que elegeram Dilma
Rousseff (28.09.2014). Manejando as palavras como petardos, o compositor adota
uma linguagem “jihadista” para firmar sua posição ideológica de não votar na
então candidata Marina Silva. Acusa-a de estar “enganando os trouxas” e faz
pouco da crença da candidata. “O que a inspira (na Bíblia)? A matança dos
inocentes? Um pai que sacrificaria o filho porque o velho é um Deus ciumento?
O absurdo e cruel sofrimento imposto a Jó? Os incestos e traições?”
Antes, o
autor insinua que a queda do avião de Eduardo Campos teve o dedo de agências
de inteligência internacionais. “Há quem diga que o avião foi sabotado pela
CIA, Mossad, a poderosa empresa transacional Testemunhas de Jeová e outros
interessados.” E conclui: “Afastem do povo brasileiro essa bíblia arcaica,
cheia de dólares e mentiras.”
No segundo
artigo – “A Hollywood de Hitler”, em 16.11.2014 – o cineasta Cacá Diegues
repercute o livro do americano Ben Urwand “A colaboração – O pacto entre
Hollywood e o nazismo” (2013) que versa sobre um suposto compromisso de não
agressão aos nazistas por parte dos donos de estúdios americanos na década de
1930. Dados contestados pelo jornalista e crítico de cinema da revista “The
New Yorker”, David Denby, à época da publicação do livro. Ele classifica de
enganosa e cheia de erros e omissões a tese acadêmica de Urwand que originou a
obra, questionando e desmentindo fatos descritos pelo autor (“How Could
Harvard Have Publisher Ben Urwand’s ‘The Collaborations’?, em 23.09.2013).
Mas, Cacá
Diegues assume as afirmações de Urwand como verdades absolutas e define seu
julgamento: “O curioso é que os chefões dos estúdios eram quase todos judeus
(...). Em benefício de seu balanço, eles preferiram ignorar o que se passava
com os judeus na Alemanha de Hitler e em toda a Europa.”
Mais
adiante, ele reforça esse ponto de vista: “Se considerarmos as leis do mercado
acima de todas as coisas, estaremos consagrando a superioridade do dinheiro
sobre a ética (...), “o fim do próprio humanismo e do amor à vida.” Ou seja,
não satisfeito em endossar fatos controversos, o cineasta desloca o eixo das
responsabilidades no que concerne ao maior e mais abominável processo de
matança institucionalizada do Ocidente. Crime levado a efeito por uma política
de estado e para o qual a maioria dos governos europeus fechou os olhos, em
uma cumplicidade, essa sim, que consagra o fim do humanismo e do amor ao
próximo.
Lamentavelmente, em ambos os artigos, reconhecida a capacidade intelectual de
seus autores, a lógica do pensamento mantém-se superficial e primária,
repetindo estereótipos que corrompem um correto juízo de valor. Associar o
Velho Testamento e Jeová a “dólares e mentiras” assim como o cinema de
Hollywood a Hitler são duas faces tendenciosas e estigmatizantes da mesma
moeda. Pondo de lado fatores pessoais como preconceitos, inconsciente e
linguagem, vale a resposta da filósofa Hannah Arendt (1906-1975) ao jornalista
Samuel Grafton, do New York Post, em 1963, sobre a coerência da superficialidade com o
mal. “Nós resistimos ao mal, ao não sermos arrastados pela aparência das
coisas, ao pararmos e começarmos a pensar; isto é, ao alcançarmos outra
dimensão que não a do horizonte do cotidiano. Em outras palavras, quanto mais
superficial alguém for, mais probabilidade terá de se render ao mal.” (“The
Jewish Writings”, de 2007).<
Ao leitor
consciente, portanto, sobra a desagradável sensação de impotência diante da
leitura de textos bem articulados, produzidos por uma elite inteligente
respaldada por um veículo da imprensa do porte de
O Globo. Nesse caso soa perfeita a observação do sociólogo polonês
Zygmunt Bauman, de 89 anos, quando afirma que “nunca fomos tão livres e tão
incapazes para mudar as coisas”.
Mensagens sobre o texto podem ser enviadas à autora, no email
ssacks@oi.com.br
(01
de maio,2015)
CooJornal nº 934
Sheila Sacks é
jornalista e trabalha em Assessoria de Imprensa na cidade do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, RJ
http://sheilasacks.blogspot.com
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