28/06/2013
Ano 16 - Número 846
ARQUIVO
SHEILA SACKS
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Sheila Sacks
Um partido acorrentado
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“Assim fomos abrindo aqueles mares, Que
geração alguma não abriu”
(do Lusíadas, de Luís Vaz de Camões - século 16)
O “grito das ruas” ou a onda de passeatas que estourou em junho de 2013 - a
partir de uma convocação do Movimento Passe Livre que briga pela tarifa zero
para o transporte coletivo - vem empurrando o governo do PT a uma revisão de
seu comportamento político e a uma inevitável mea culpa em relação a sua
postura e ações.
Há dez anos no poder, o partido se embrenhou em um processo de mudança
estética e edulcorada, perdendo a autenticidade e a sua cara original para
marqueteiros ilusionistas que criaram um arremedo ficcional de um Brasil
satisfeito e acomodado pela aquisição de alguns poucos bens de consumo. Essa
ficção foi naturalmente acolhida pela mídia em seus espaços publicitários na
imprensa, rádio e TV, com repercussões ufanistas na área de notícias numa
espécie de troca de gentilezas pelas verbas federais injetadas nos meios de
comunicação. Isso ajudou, e muito, no distanciamento e desvinculação do
governo do PT das reais aspirações da população.
Em nome da tal governabilidade, o Partido dos Trabalhadores injetou botox e
outros elementos estranhos e artificiais em sua musculatura facial,
transformando-a em uma caricatura patética e irreconhecível. Com uma penca de
siglas políticas pendurada em seu pescoço, o colar de falsos brilhantes se
mostrou, na prática, uma eficiente corda para enforcados. Assim, o PT
aterrissou em 2013 acuado e desfigurado, tomado por invasores, esses sim,
bastante à vontade na cidadela conquistada. A toxina botulínica introduzida
pelas siglas e figuras alienígenas presente no governo do PT deformou e
paralisou a força e a expressão do partido perante o distinto público que,
durante décadas, acompanhou e aplaudiu a difícil trajetória daqueles que
tinham o propósito de mudar o Brasil.
Retorno às origens
Como o mito grego de Prometeu acorrentado, o PT teve seu fígado devorado
diariamente por grupos políticos alheios a sua ideologia, focados em
interesses individuais, mas estrategicamente (ou perversamente) assentados em
seu bloco de apoio parlamentar. As poucas horas noturnas que sobravam para o
partido se recompor para o dia seguinte - porque os políticos também dormem -
mostraram-se lamentavelmente insuficientes para a sua regeneração. Perdeu-se o
singular “animus” original da sigla.
Enfim, o estrago está feito e a bomba posta no colo da presidente, em
Brasília, com os grupos ditos aliados e os oposicionistas (sim, existem
partidos de oposição) dando tratos à bola para saírem à francesa ou pelo menos
ilesos desse gigantesco imbróglio popular para o qual contribuíram com uma
inegável cota colaborativa.
Alvo preferencial das centenas de análises políticas que tentam identificar e
rotular as manifestações e em paralelo demonizar o governo, a ala palaciana do
PT deve estar vivenciando o paradoxo de ter que engolir em seco em sua vontade
de soltar a voz. A hora seria propícia para uma volta às origens e um salto ao
futuro, rasgada a máscara burlesca bordada por uma veterana classe de
políticos “amigos” que nunca se ausentou do poder. O momento e as condições
democráticas estão a requerer um pacto com a sociedade, essa sim, a parceira e
companheira incondicional de um governo batizado pelas urnas.
A hora pediria, de forma ousada, um encontro cara a cara, sem maquiagem e
firulas marqueteiras; um dizer dos desafios e das dificuldades de comandar uma
máquina administrativa eivada de vícios, onde a competência do funcionalismo
de carreira muitas vezes sucumbe sob o poder dos caciques externos sem
compromissos com a coisa pública; e de expor, com transparência e alma lavada,
as pressões intoleráveis exercidas pelos infames profissionais da política que
rondam os gabinetes com suas exigências e falsos afagos.
Porém, talvez essa etapa da história já tenha sido atropelada pelo correr dos
acontecimentos, e prováveis revelações, ensinam os tempos recentes, somente
trazem desassossego a quem as pronuncia. Então, o que sobra para um governo
estimulado pelo “grito” das ruas é o exercício da destreza e a determinação de
seus comandantes no içar das velas e no navegar pelos mares revoltos dessa
imensidão de país, conscientes e preparados para as prováveis tempestades que
se avizinham.
Em tempo: em um piscar de olhos, o Brasil se tornou um país de analistas
políticos. Todos palpitam sobre as manifestações populares e os rumos da
democracia brasileira. Mas quem faz a festa, abarrotando os jornais e as
telinhas de TV de opiniões acadêmicas são mesmo os grandes conglomerados de
mídia que, com outras prioridades pipocando na mesa do governo, comemoram o
provável adiamento do projeto de regulamentação do setor. Um bicho papão que
vem aterrorizando, já há algum tempo, o assim denominado quarto poder da
República.
(28 de junho/2013)
CooJornal nº 846
Sheila Sacks é
jornalista e trabalha em Assessoria de Imprensa na cidade do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, RJ
ssacks@oi.com.br
http://sheilasacks.blogspot.com
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