Sheila Sacks
A civilização oculta
Pesquisadores buscam vestígios de um legado espiritual secreto
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Mais de quatro décadas após o suiço Erich
von Däniken surpreender milhões de pessoas com a teoria de que as divindades
reverenciadas pela humanidade seriam seres extraterrestres - de uma
civilização adiantada que visitou o planeta terra em tempos pré-históricos
(“Eram os deuses astronautas”, publicado em 1968) -, uma outra tese não menos
polêmica sobre o tema vem sendo defendida por dois pesquisadores ingleses: de
acordo com Philip Gardiner e Gary Osborn, os deuses não seriam alienígenas,
mas humanos e de origem terrena, oriundos de uma civilização misteriosa e
avançada que sobreviveram aos dilúvios e outros cataclismos. Na obra “O
Priorado Secreto” (2006) a dupla escreve: “Talvez seja difícil de acreditar,
mas evidências consistentes sugerem que conhecimentos técnicos avançados
circulavam entre nós muito antes das datas convencionais atribuídas à
pré-história humana e que uma cultura desconhecida havia codificado indícios
reconstituíveis desses conhecimentos.”
Uma das evidências físicas citadas pelos
ingleses se refere ao Círculo de pedra de Refaim (Guilgal Refaim, em
hebraico), que os autores consideram um dos maiores mistérios de Israel.
Situado nas colinas de Golã, a 16 quilômetros a leste do mar da Galileia, o
complexo se constitui em uma gigantesca estrutura de anéis concêntricos de
pedras basálticas, pesando juntas mais de 45 mil toneladas, construída sobre
uma planície, cujas reais dimensões só podem ser vistas do alto. Eles defendem
que edificações colossais como as pirâmides do Egito, o complexo monolítico
Stonehenge, no sul da Inglaterra, as esculturas gigantes de pedra na Ilha de
Páscoa (província do Chile), entre outras, foram erguidas sob a inspiração
dessa civilização, originalmente formada por gigantes (a Bíblia também
menciona povos gigantes – os nefilim, refaim e enacim - no Gênesis, Números
e Josué) que, à parte as suas obras arquitetônicas instigantes, deixou um
legado de conhecimento espiritual codificado em mitos, símbolos, lendas e
fábulas. Histórias e “contos de fadas” passados oralmente de geração em
geração, em grande parte por pessoas simples que não tinham consciência dos
segredos contidos nas narrativas.
Conhecimento avançado
Para os pesquisadores, tanto a humanidade
atual como as primeiras civilizações tradicionais que conhecemos jamais
possuíram uma compreensão plena e acabada desse antigo sistema de
conhecimento. As informações foram passadas através do tempo de forma
fragmentada, sendo mal interpretadas e mal conceituadas. Gardiner e Osborn
afirmam que essa misteriosa “ordem sacerdotal” teria civilizado a humanidade,
talvez após uma catástrofe global. “Com o tempo, devido ao seu conhecimento
científico, sabedoria espiritual e suposta capacidade extrassensorial, os
povos menos desenvolvidos que conviviam pacificamente com esses seres mais
avançados começaram a considerá-los deuses”. A base dessa argumentação vem da
constatação da presença do mesmo sistema fundamental de crenças nas várias
religiões existentes em todos os quadrantes do mundo, embora cada uma delas
use denominações próprias, práticas e rituais diferentes.
A fonte desse sistema de crenças estaria
nos antigos cultos solares e na experiência da “iluminação”. Segundo os
autores, o padrão cíclico da natureza, a experiência renovadora do sol e os
seus movimentos estão intrinsecamente vinculados ao efeito iluminador do
“despertar” interior, do “renascer” e da experiência da “iluminação”. Eles
citam a figura bíblica de Sansão, cujo nome deriva do hebraico shemesh
(sol) que é idêntico a shamash, o deus sol dos sumérios. Quando Sansão
tem seus cabelos cortados por uma mulher e perde a sua força descomunal,
observa-se a simbologia do sol presente na narrativa porque sua cabeleira
representa o poder irradiador dos raios de sol.
Outro exemplo mencionado diz respeito ao
maior profeta e libertador do povo de Israel, Moshé Rabenu ou Moisés, autor
dos cinco primeiros livros (Pentateuco) da Bíblia hebraica (Torá) que contêm
os fundamentos legais, morais e éticos do judaísmo. Gardiner e Osborn escrevem
que em Êxodo 34, a citação é de que Moisés
desceu do Monte Sinai com seu rosto “emitindo raios luminosos”. Os autores
ressaltam que o profeta cresceu no palácio do faraó como um príncipe egípcio e
provavelmente foi iniciado na tradição, simbologia e astrologia egípcias do
culto ao sol, às estrelas e aos padrões cíclicos da natureza. Entretanto, em
Devarim (Palavras), também chamado de Deuteronômio, o quinto livro
de Moisés, é feita uma advertência para que os hebreus não se envolvam com
esses cultos: “Levantando teus olhos ao céu e vendo o sol, a lua, as estrelas
e todo o exército do céu, não te deixes seduzir para adorá-los e servi-los!
(4:19).
Adiantando-se no tempo, os autores chegam
até os essênios. Seita judaica que existiu nos últimos séculos antes da Era
Comum, seus integrantes viviam em Qumrã, no deserto da Judeia, perto do Mar
Morto. De acordo com os documentos escondidos em cavernas e descobertos a
partir de 1947 (Manuscritos do Mar Morto), essa comunidade se autodenominava
“Filhos da Luz” e o “governador” era chamado de “coroa”, uma alusão à sua
condição de “ser iluminado”. Os pesquisadores acentuam que a superação da
morte também tinha no sol a sua inspiração. “Os movimentos do sol produziram
lendas sobre o lugar para onde o deus sol vai e por que volta e serviram para
encobrir ideias sobre como nós mesmos poderíamos, supostamente, reencarnar ou
receber uma nova vida.”
O despertar do “eu interior”
O fenômeno universal do culto ao Sol,
segundo os autores estaria intrinsecamente vinculado, em todas as crenças, ao
efeito iluminador do “despertar” interior ou à experiência da “iluminação”.
Para o homem primitivo, o sol físico vivificador também representava o “sol
interior” que se alcança no instante da “iluminação”. Essa experiência
espiritual e mística obtida através da meditação e de jejuns em que o
indivíduo transporta a sua consciência humana limitada a alturas
transcendentais - onde a mente é revitalizada e inundada com novas informações
e conhecimentos - é na verdade o despertar para a verdadeira natureza da
realidade. A pessoa adquire uma percepção mais intensa de si mesma e do
cosmos, e este seria o verdadeiro significado por trás do culto ao sol.
Para a dupla de ingleses, esse sistema de
crenças que abrange as antigas ideias da árvore do mundo (a árvore da Vida, na
Cabalá), a reencarnação, o renascimento, o culto do céu - com tudo o que o
envolve como o sol, a lua, as estrelas e os astros - , com nomes que de alguma
forma significam “brilhar” ou “ser brilhante”, também migrou para a Europa,
talvez levado pelas tribos do norte de Israel deportadas pelos assírios, no
início do primeiro milênio antes da Era Comum (as chamadas tribos perdidas).
Pela tradição, os sacerdotes da Europa celta (formada por diversas etnias que
povoaram o oeste do continente a partir do segundo milênio antes da Era Comum)
eram chamados druidas (significando “o saber do carvalho”). Eles praticavam a
adivinhação, a astrologia e o culto à árvore. Em suas narrativas é creditado a
Hu Gadarn Hyscion (filho de Isaac), um hebreu egípcio, a fundação do terceiro
templo no círculo de pedras gigantes de Stonehenge.
Mais
evidências
No livro “As digitais dos deuses” (Fingerprints
of the Gods, publicado em 1995), o jornalista e pesquisador nascido na
Escócia, Graham Hancock, igualmente defende a tese da existência de uma
civilização adiantada, anterior a pré-história convencional da humanidade. Ele
se utiliza de um documento datado de 1513 - o mapa-múndi Piri Reis – desenhado
pelo almirante do mesmo nome, em Constantinopla. O mapa mostra a costa
ocidental da África, a costa oriental da América do Sul e a costa norte da
Antártida, esta última região desconhecida até 1818, 300 anos depois de Piri
Reis ter desenhado o mapa.
Outro mistério diz respeito à indicação de
ausência de gelo em parte do território antártico conhecido como a Terra da
Rainha Maud (área da Antártida oriental reclamada pela Noruega), uma prova
geológica que confirma que o mapa se baseou em um documento original de pelo
menos 4 mil anos antes da Era Comum quando a costa estava livre de gelo. “Em
outras palavras, o verdadeiro enigma desse mapa de 1513 não está tanto no fato
de ter incluído um continente que só foi descoberto em 1818, mas em mostrar
parte da linha costeira desse mesmo continente em condições de ausência de
gelo que terminaram há 6 mil anos e que desde então não se repetiram”,
enfatiza Hancock. Ele conta que o almirante deixou uma série de notas escritas
no mapa, admitindo que seu papel foi de compilar e copiar desenhos de
cartógrafos que retroagiam a épocas anteriores à pré-história.
Ainda acerca do mapa de Piri Reis, o
escritor e professor universitário norte-americano graduado em Harvard,
Charles Hapgood (1904-1982), especializado em antropologia e história da
ciência, argumentava que alguns mapas básicos antigos usados pelo almirante
seriam fundamentados em fontes de uma época ainda mais recuada da antiguidade.
Empenhado na formulação da teoria do deslocamento da crosta terrestre,
considerada por Albert Einstein “fascinante”, Hapgood afirmava que a terra foi
extensamente mapeada por uma civilização até então desconhecida e ainda não
descoberta, dotada de alto grau de progresso tecnológico, que existiu há mais
de 4 mil anos antes da Era Comum.
Catástrofes extinguiram civilizações
Propondo a teoria de que o eixo de rotação
da terra mudou pelo menos três vezes nos últimos 100 mil anos, por força de
deslocamentos da crosta terrestre provocados pelo degelo das calotas polares,
Hapgood acreditava que tais rupturas globais podem ter dado origem a
cataclismos e provocado a extinção de civilizações desconhecidas e avançadas
como a da Antártida, destruída por uma mudança catastrófica. Para validar a
tese, o estudo das carcaças de mamutes congelados encontrados na Sibéria
mostrou que esses animais extintos há 10 mil anos tinham em suas bocas um tipo
de capim proveniente de climas quentes, apesar de tais animais terem sido
descobertos em terras geladas.
Recentemente, pesquisadores da
Universidade de Glasgow, no Reino Unido revelaram que encontraram a presença
de palmeiras no território da atual Antártida, através de perfurações no gelo
que trouxeram à tona o pólen de palmeiras e de outras árvores de climas
quentes como os baobás oriundos das estepes africanas. Segundo os estudiosos,
há 53 milhões de anos o clima desse continente era semelhante ao sul do
Brasil, com invernos em torno de 10ºC e verões com temperatura de 25º C. O
professor Hapgood, desde 1953, sustentava que grandes regiões da Antártida
permaneceram livres do gelo até 4 mil anos antes da Era Comum, lembrando que
pelo consenso acadêmico as primeiras civilizações se desenvolveram no
crescente fértil do Oriente Médio por volta de 3 mil anos antes da Era Comum.
A partir dessa perspectiva, o autor de “As
digitais dos deuses” observa que alguns dos mitos mais impressionantes e
duradouros que a humanidade herdou dos tempos antigos dizem respeito a uma
pavorosa catástrofe global: - De onde vêm esses mitos? pergunta Hancock. Por
que, embora procedam de culturas diferentes, seus temas são parecidos? Se são
realmente memórias, por que não existem registros históricos das catástrofes
históricas que parecem aludir? São indagações que se inserem nas narrativas do
dilúvio bíblico e que também são encontradas na tradição de outros povos, como
no livro sagrado dos maias (Popol Vuh). “Em todo o mundo são conhecidas mais
de 500 lendas que falam do dilúvio e em uma pesquisa de 86 delas em
continentes diferentes, um pesquisador especializado, Dr. Richard Andree,
concluiu que 62 eram inteiramente independentes da versão hebraica”, assinala
Hancock.
Pistas
falsas
Já o historiador e arqueólogo francês
Robert Charroux (1909-1978) vai mais longe nas suas considerações sobre essas
civilizações desconhecidas, afirmando que antepassados superiores construíram
naves siderais, viajaram no cosmos e conheceram a energia atômica. Em seu
livro “A história desconhecida dos homens desde há cem mil anos” (1963), o
autor defende que os poucos sobreviventes dessa humanidade superior “legaram
aos seus descendentes uma grandiosa mensagem, advertindo-os porém das
consequências das suas próprias descobertas”. Dessa forma, no decorrer dos
séculos “centros de contraverdade têm ocultado este conhecimento, mantido
embora por sociedades de iniciados”, afirma o francês.
Para Gardiner e Osborn existe uma espécie
de “sacerdócio secreto” advindo dessa civilização desconhecida que desenvolveu
um método de grande eficácia para chegar ao êxtase espiritual. Herdeiro e
guardião do conhecimento da “iluminação interior” e das correntes místicas,
esse priorado revela vestígios semelhantes nas grandes religiões e nas várias
doutrinas esotéricas. “Platão foi um iniciado nesses mistérios. Ele diz que
foi posto numa pirâmide durante três dias, morreu simbolicamente, renasceu e
então conheceu os segredos dos mistérios”, escreve os autores de “O Priorado
Secreto”.
O
esplendor da Cabalá
É interessante observar que a obra central
da corrente mística do judaísmo, a Cabalá (‘tradição’, em hebraico), se
denomina Sefer HaZohar ou o “Livro do Esplendor”, uma referência à luz
e à iluminação. Estudando o significado místico e simbólico de trechos
bíblicos interpretados pelo Zohar, o filósofo e historiador Gershom
Scholem (1897-1982) cita o versículo 12:1 do Gênesis como exemplo: “As
palavras de D’us a Abraão, Lech Iecha (Vai-te) não se limitam ao
seu significado literal, a ordem de D’us para que Abraão siga pelo mundo
afora. Elas são lidas com literalidade mística significando “Vai-te a ti
mesmo”, isto é “Encontra-te a ti próprio", explica.
Atribuído ao rabi Shimón Bar Yochai (Rashbi),
que viveu no século 2 da Era Comum, o Zohar também é chamado de
“Chochmat ha-Emet” (a sabedoria da verdade). Até ser verbalizado, esse
conhecimento advindo da Torá era transmitido oralmente pelos primeiros
cabalistas denominados “nistarim” (os ocultos). O rabino Chaim David Zukerwar
(1956-2009), em seu livro “As 3 dimensões da Cabalá: Essência, Infinito e
Alma”, escreve: “A fonte da Luz é a causa e origem de toda a criação. Por essa
razão a denominação empregada pela Cabalá para designar a energia de vidas é
Or – luz, em hebraico.” Paradoxalmente, os sábios também afirmam que a
luz que foi feita no primeiro dia da Criação ( E D’us disse “Que haja luz, e
houve luz”) foi “oculta aos justos no mundo vindouro”. A explicação dada pelo
Zohar indica que as palavras hebraicas “Or” (luz) e “Raz” (segredo) são
numericamente equivalentes, isto é, que estão relacionadas uma com a outra.
Isso significaria que a luz original do início dos tempos só retornará em seu
esplendor original com a evolução espiritual e o compromisso do homem com o
bem, em um tempo porvir.
A benção
do sol
Das muitas tradições judaicas, a benção do
sol praticada ao longo das gerações apresenta uma característica única: o seu
ritual somente se dá a cada 28 anos, quando o sol, de acordo com os sábios,
retorna à posição exata onde estava no momento de sua criação. Diz o
Bereshit: “E fez D’us os dois luzeiros grandes: o luzeiro maior para
governar o dia; e o luzeiro menor para governar a noite... E foi noite e foi
manhã, dia quarto.” Para celebrar esse mandamento (mitzvá), as pessoas se
reúnem ao ar livre e é recitada uma benção especial – Bircat Hachamá (benção
do sol) - precedida e seguida de salmos e preces. Sempre ocorrendo em uma
manhã de quarta-feira – o dia da semana no qual D’us colocou em órbita o sol,
a lua e todos os corpos celestes - o último encontro se deu em 8 de abril de
2009 (ano judaico de 5769), quando mais uma vez foi recitada a prece que
lembra os milagres divinos: “Bendito és Tu, Senhor nosso D’us, que reencena as
obras da Criação.” (Baruch Ata Adonai, Eloheinu Melech HaOlam Ossê Maassê
Bereshit).
Mas, apesar das explicações rabínicas
sobre a benção do Sol – que tem o intuito de louvar a Criação Divina -,
pesquisadores como Gardiner e Osborn insistem em enxergar vestígios desse
ritual ancorados a uma tradição desconhecida anterior a dos hebreus. O
arqueólogo e historiador Zecharia Sitchin (1920-2010), estudioso dos idiomas
antigos orientais, expõe em seu livro “O código cósmico” (2003), a
familiaridade dos antigos hebreus com as constelações do zodíaco, iniciada com
Taré, pai de Abrãao, em Ur, na Suméria (atual Iraque). Ele faz uma
correspondência entre os 12 signos zodiacais com os 12 filhos de Ismael (“Dele
nascerão dozes chefes; E sua nação será grande” - Gênesis 17:20), os 12
filhos de Jacob (“E o número dos filhos de Jacob foram doze” – Gênesis
35), e as 12 tribos que povoaram a Terra Prometida, após o Êxodo, uma
constância que, em sua opinião, “preserva a exigência-santidade do Doze
celeste”.
Sitchin, que viveu em Israel e nos Estados
Unidos, revela que a expressão hebraica “mazal-tov”, pronunciada nas
festividades e entendida pela maioria como “boa sorte”, significa literalmente
“uma boa e favorável constelação zodiacal”. Segundo o arqueólogo o termo
deriva do acadiano (a mãe das línguas semitas), em que manzalu
significa “estação” – a estação zodiacal na qual o sol “estacionava” no dia do
casamento ou nascimento. Ele também assegurava que a monumental e enigmática
estrutura de círculos de pedra na planície das colinas de Golã, o Gilgal
Refaim, foi um observatório astronômico construído por uma civilização
desconhecida 7 mil anos antes da Era Comum.
(07 de dezembro/2012)
CooJornal nº 817
Sheila Sacks é
jornalista e trabalha em Assessoria de Imprensa na cidade do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, RJ
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