Sheila Sacks
O PT no Éden
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“E da árvore do conhecimento, do bem e do mal, não comerás dela...” (Gênesis
2:17)
A condenação do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e do ex-presidente do PT
José Genoíno por corrupção ativa, no julgamento do Supremo Tribunal Federal
(STF), foi interpretada pelo ex-presidente Lula como uma jogada de efeito para
a plateia. “Foi uma hipocrisia”, disse Lula, em conversas reservadas. E aos
candidatos do PT e prefeitos eleitos pelo partido recomendou: “Se querem fazer
o debate da ética, vamos fazer” (...). “Nós não precisamos ter medo desse
confronto porque não abafamos investigações. Não vamos apanhar calados nem
deixar nada sem resposta” (“Para Lula, condenação é hipocrisia” – Estado de S.Paulo, 10/10/2012).
Figuras fundamentais na trajetória política de Lula em sua campanha para
alcançar a presidência da República, em 2003, e, posteriormente, na
arregimentação de aliados parlamentares no Congresso para viabilizar o
programa de reformas e assim tornar efetivas as promessas eleitorais do PT,
Dirceu e Genoíno tiveram que lidar, na prática, com os aspectos mais negativos
do sistema partidário brasileiro. O excesso de siglas, o individualismo dos
políticos, a cultura do apadrinhamento, a instituição da patronagem, do
clientelismo e do patrimonialismo, apontados como os grandes males da política
nacional pelo brasilianista Scott Mainwaring, em 1999 (Sistemas partidários em
novas democracias: o caso do Brasil), permaneciam inalteráveis, exercendo
continuada pressão e resistindo às transformações da sociedade e ao avanço das
instituições democráticas no país.
Votações no Congresso
O fragmentado e multifacetado quadro partidário e a profusão de partidos do
tipo catch-all (de reduzida ideologia, sem militância ativa, com forte
liderança no topo e representando diversos grupos de interesses, segundo
definição do constitucionalista alemão OttoKirchheimer), dificilmente
estimulariam experientes cardeais do único partido brasileiro efetivamente
ideológico-pragmático a acreditarem que argumentos cívicos convenceriam essas
organizações eleitorais a se alinharem de maneira altruísta nos processos de
votação no Congresso, ainda que se configurassem de real interesse para o
país.
Na análise do cientista político e professor da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) Fábio Wanderley Reis, houve por parte do núcleo político do PT
uma “arrogância” que conduziu “à desqualificação dos outros participantes do
jogo parlamentar, considerados burgueses, e à ideia de que o melhor a se fazer
era comprar sua lealdade”. Em entrevista ao Estado de S. Paulo (“Mensalão foi
possível por um desvio ideológico”), o professor avaliou que o processo do
mensalão “levou o partido à moderação, à aceitação do jogo socialdemocrático.”
No seu ponto de vista “uma evolução positiva”.
Contudo, a premência na aprovação de reformas cruciais que careciam do aval do
Congresso foi talvez o fator determinante a preceder todo um processo de
encontros e conversas comumente regados de pedidos e ofertas culturalmente
aceitáveis pela cena política brasileira. Tais como a incorporação de cargos
em ministérios e órgãos públicos para seus indicados e liberação de recursos
para favorecer empreendimentos de interesse de seus grupos. Mas, será que o
convencionalmente aceito pelas elites políticas seria o suficiente para
assegurar o pleno êxito nas votações? Citando ainda o professor Fábio
Wanderley Reis, “essa mescla de disposição ideológica, ânimo realista e busca
de eficiência, que levou ao mensalão, é muito singular dele” (referindo-se a
José Dirceu).
Paraíso mental
Acrescida, diríamos nós, de uma espécie de euforia própria daqueles que após
um grande esforço pessoal e uma série de obstáculos e reveses, conseguem
alcançar a meta profissional pretendida ou vivenciar um sonho ideológico de
juventude. Essa síndrome de felicidade – o se sentir nas nuvens – remete
muitas vezes os abençoados a um paraíso mental que por algum tempo parece
exclui-los do tradicional sentimento de incompatibilidade e mal-estar do homem
com a civilização, mencionado por Freud, em 1930. Segundo o psicanalista, o
sofrimento mais penoso é aquele que advém de nossos relacionamentos com as
outras pessoas pela “inadequação das regras que procuram ajustar os
relacionamentos mútuos do seres humanos na família, no Estado e na sociedade”
(O mal-estar na civilização).
Esse enquadramento do indivíduo às regras (leia-se leis) impostas pelo Estado
é a matéria-base das ciências humanas nos âmbitos social, judicial e político
cujos estudos e análises primordialmente recorrem à filosofia teórica e
ortodoxa da ética para consubstanciá-los. Reordenado periodicamente em suas
ações por força de mecanismos jurídicos que se sucedem, o homem contemporâneo
ganhou o selo de cidadão, uma entidade moldada pelo Estado com a finalidade de
homogeneizar a sociedade para a normatização de seus preceitos e mandamentos.
Em artigo recente, o desembargador Rogério Medeiros Garcia de Lima, do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, adverte para a crescente interferência do
Poder Judiciário na vida coletiva que “no desempenho da jurisdição, exerce uma
parcela do poder político”. Lembra que “em nosso país, a ‘judicialização’ da
vida social foi incrementada em ritmo assustador após a redemocratização e a
promulgação da Constituição de 1988” e que “o fenômeno da ‘judicialização’
consiste na decisão pelo Judiciário de questões relevantes do ponto de vista
político, social ou moral.” E cita Luís Roberto Barroso, autor de Direito e
Política: a Tênue Fronteira, que afirma: “Trata-se, como intuitivo, de uma
transferência de poder das instâncias tradicionais, que são o Executivo e o
Legislativo, para juízes e tribunais” (“Judicialização da política” – Estado
de S. Paulo, 3/10/2012).
Por conseguinte, se o veredicto do STF pode soar como um trovejar divino para
a mídia, o alcance de seu juízo e de seu discurso “ético”, em se tratando do
PT, estará circunscrito à arbitragem das penalidades. Tanto Dirceu como
Genoíno se declaram inocentes. Em sua “Carta Aberta ao Brasil” (10/10/2012), o
ex-presidente do PT finaliza o documento dizendo: “Retiro-me do governo (era
assessor especial do Ministério da Defesa) com a consciência dos inocentes.
Não me envergonho de nada.”
Isto é, o paraíso ainda existe para os dirigentes do PT, a despeito dos
enganadores cantos das sereias. Não deixa de ser admirável.
(02 de novembro/2012)
CooJornal nº 811
Sheila Sacks é
jornalista e trabalha em Assessoria de Imprensa na cidade do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, RJ
ssacks@oi.com.br
http://sheilasacks.blogspot.com
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