06/07/2012
Ano 16 - Número 794
ARQUIVO
SHEILA SACKS
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Sheila Sacks
Rio+20: um líder polêmico na
vitrine
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Em 17 de maio, as agências internacionais revelaram a vontade do presidente do
Irã, Mahmud Ahmadinejad, de estar presente nas Olimpíadas de Londres, a serem
realizadas em julho e agosto, para acompanhar o desempenho dos atletas
iranianos. A notícia também deixava claro que a presença do político persa não
seria bem vista pelas autoridades do Reino Unido. “Me encantaria estar ao lado
dos atletas iranianos durante os Jogos Olímpicos para estimulá-los, mas eles
(britânicos) têm problemas com minha presença”, disse Ahmadinejad. Vale
lembrar que em novembro de 2011 um grupo de estudantes islâmicos invadiu,
depredou e saqueou o prédio da embaixada britânica em Teerã, inclusive acuando
os funcionários, o que levou o governo do Reino Unido a fechar a sua embaixada
naquele país. Na ocasião, o primeiro-ministro David Cameron qualificou de
“ultrajante” o ataque à embaixada e pediu ao governo iraniano que processasse
os culpados.
Diferentemente de Londres, Ahmadinejad não deve ter sido assolado por dúvidas
quanto a conveniência de sua presença na Rio+20 – a conferência da ONU para o
desenvolvimento sustentável que ocorreu no Rio de Janeiro, de 13 a 22 de junho
- e a possível receptividade que mereceria das autoridades brasileiras, a
grande maioria ainda sob a chancela carismática do ex-presidente Lula. Com
efeito, nas 48 horas que passou em solo carioca, o líder iraniano teve uma
cobertura da imprensa brasileira acima da esperada, levando em conta a
quantidade de chefes de Estado e personalidades políticas presentes ao evento
representando 193 países. A mídia o acompanhou quando ele discursou emoldurado
por coleção de bandeiras e o logo da ONU; em sua conversa com os jornalistas
iranianos; na entrevista coletiva para a imprensa internacional; no café da
manhã para 70 intelectuais brasileiros, do qual foi anfitrião; e na reunião
com Ban Ki-Moon, o secretário geral das Nações Unidas.
Performance midiática
Presente no plenário da Cúpula de Chefes de Estado, Lula ouviu o discurso de
Ahmadinejad que o cumprimentou logo depois de finalizar a sua participação,
quando ambos conversaram. Segundo a agência O Globo, “após um abraço caloroso,
os dois trocaram algumas palavras com a ajuda de um intérprete e Ahmadinejad
disse a Lula que o povo do Irã reza por sua total recuperação”. Momentos
antes, em mais uma de suas performances midiáticas, o iraniano havia
aconselhado os “amigos” governantes a recorrerem ao sentimento da “compaixão”
no gerenciamento do mundo.
“Detentor de um dos pronunciamentos mais aguardados do primeiro dia de reunião
dos chefes de Estado”, de acordo com a jornalista Ângela Chagas, do Portal
Terra, Ahmadinejad também aproveitou os seus 20 minutos de fama (a Rio+20
reuniu 4 mil jornalistas) para atacar os países ricos e a atual ordem mundial
que, segundo ele, ”é formada por um grupo minoritário de nações desenvolvidas
que está sempre impondo padrões para os outros seguirem”.
A repercussão de suas palavras ganhou destaque através da Agência Brasil
(‘Presidente iraniano pede que países usem amor e compaixão para garantir o
futuro do mundo’); agência EFE, espanhola (‘Na Rio+20, Ahmadinejad pede ordem
mundial que se baseie na compaixão’); Uol notícias (‘Em discurso rápido, Ahmadinejad pede compaixão para enfrentar crise’);
BBC-Brasil (‘Ahmadinejad
defende mundo mais igualitário na Rio+20’); agência Estado (‘Ahmadinejad
critica imposições de países desenvolvidos’); portal G1 (‘Presidente do Irã
defende mundo igualitário na Rio+20’); Folha de São Paulo (‘Presidente do Irã
pede mudanças com base em um Deus único’), e de centenas de sites e blogs
repetidores de notícias.
Diante desse despudor de repisar o óbvio, da pregação falsa e enganosa, da
impostura das palavras que soam como galhofa frente ao continuado martírio de
grupos religiosos minoritários, como os Bahá´is (350 mil fiéis no país),
perseguidos pelo braço autoritário e sem compaixão do líder iraniano, que
inclusive os impede de ter acesso ao ensino superior, a mídia nacional, talvez
premida pelo tempo, repercutiu as frases de efeito e os parágrafos
propositalmente pseudo sentimentalistas, sem contestação ou crítica, face ao
conhecido histórico de Ahmadinejad - possuidor de um currículo povoado de
atentados e assassinatos contra aqueles que o contestam.
Recente relatório do Conselho de Direitos da ONU (março de 2012) apontou para
um aumento assustador de execuções no Irã, que cresceram de 100, em 2003, para
670, em 2011, sendo 249 realizadas secretamente. O relator especial para o
Irã, Ahmed Shaheed, sem permissão para visitar o país, contou com depoimentos
que indicaram padrões recorrentes de violações de direitos humanos
fundamentais, como o de opinião e de opções religiosas. Não poupando nem
menores de idade em suas execuções, o regime de Ahmadinejad também é acusado
pela justiça argentina por sua responsabilidade no atentado ao prédio de uma
associação judaica, ocorrido em 1994, em Buenos Aires, quando morreram 85
pessoas e 300 ficaram feridas. Há poucos meses, em entrevista à TV estatal
alemã ZDF, Ahmadinejad voltou a despejar afirmações cínicas acerca do
Holocausto (‘é mentira’), do estado de Israel (‘eles nunca foram os
governantes dessa terra’) e das reais finalidades do programa nuclear iranino
(‘bombas atômicas são amorais. Em princípio, sou contra’).
Energia nuclear para todos
Na coletiva à imprensa, realizada um dia após o pronunciamento de “paz e amor”
na plenária da Rio+20, o presidente do Irã outra vez se valeu de premissas
ilusórias para advogar proposições que teriam como base a sua verdade que é
contestada pela maior parte das democracias respeitáveis integrantes da ONU. Ahmadinejah afirmou que os Estados Unidos usam o discurso de temor pela
fabricação de bombas atômicas para “mascarar” o interesse pelo petróleo
iraniano. Também acusou os EUA e o grupo de países que fazem parte das
negociações (Rússia, China, França, Reino Unido e Alemanha) de serem contra o
uso da energia nuclear pelo Irã porque, segundo ele, “não querem o progresso”
de seu país. Acenando para o Brasil e os amigos bolivarianos Evo Morales
(Bolívia), Rafael Correa (Equador), Hugo Chávez (Venezuela) e Raúl Castro
(Cuba), o iraniano disse acreditar que a energia nuclear, como outros meios
energéticos, devem ser acessíveis para todas as nações.
Também em relação à entrevista, a mídia embarcou na performance teatral de
Ahmadinejad, na sua fala mansa e no seu jeitão dissimulado, somando frases e
opiniões que em nada remetem para a figura ditatorial, radical e fria desse
político que mente, solenemente, acerca de tudo que envolva as suas ações. A
entrevista produziu os seguintes títulos: ”Ahmadinejad contesta críticas do
Ocidente sobre programa nuclear do Irã” (agência EFE); “Ninguém deve possuir
armas nucleares, diz Ahmadinejad no Brasil” (G1); “Ahmadinejad critica
monopólio da energia nuclear” (O Globo); “Presidente do Irã defende
democratização da energia nuclear para mudar a ordem mundial” (R7 Notícias);
“Brasil pode ter papel importante na nova ordem mundial, diz presidente do
Irã” (Agência Brasil).
“Roubando os nossos bolsos”
Por fim, coube a um café da manhã em um hotel à beira do mar, na Zona Sul do
Rio, com a participação de 70 brasileiros convidados do presidente do Irã,
tornar-se o evento mais retrô da Rio+20, no melhor estilo déjà vu (expressão
francesa que significa ‘já visto’) dos anos 1960. Na reportagem de Rafael
Lima, publicada pela Veja.com os leitores são informados da presença de
professores universitários, lideranças estudantis, UNE e políticos de partidos
como PSB, PCdoB e PT, entre os comensais, que adoraram ouvir “o ditador”
lançar ataques deliberados aos Estados Unidos. ”É como se enquanto estamos
aqui, tomando esse café da manhã, os Estados Unidos estivessem roubando os
nossos bolsos”, disse o iraniano para delírio dos antiamericanos, registrou o
repórter (‘O fã clube brasileiro de Ahmadinejad’).
A reportagem também confirma o intento estratégico de Ahmadinejad de se
aproximar dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), e
particularmente do Brasil e dos brasileiros para “limpar sua imagem” que na
opinião dele tem sido distorcida pela mídia “que apresenta uma visão
desfavorável do Irã e do mundo islâmico.” Uma tarefa, diga-se de passagem, que
parece já estar sendo delineada, tendo em vista o teor da cobertura oferecida
ao presidente iraniano na Rio+20, o que o levou a avaliar sua estadia carioca
como “positiva” no café da manhã com seus admiradores brasileiros. De fato, o
contato incidental de uma mídia nacional apressada e pouca cuidadosa no
quesito da pesquisa com as múltiplas agências de notícias europeias de viés
ideológico, e mais a presença oficial da Agência Brasil, a competente e eficaz
estatal de notícias vinculada à Presidência da República (que distribui seus
textos, muitos em inglês, para todo o país, América Latina, Portugal e países
africanos), devem ter proporcionado a Ahmadinejad a surpreendente sensação de
que não está só, nem tampouco isolado, nesse quadrante do mundo. Pelo menos,
por enquanto.
(06 de julho/2012)
CooJornal nº 794
Sheila Sacks é
jornalista e trabalha em Assessoria de Imprensa na cidade do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, RJ
ssacks@oi.com.br
http://sheilasacks.blogspot.com
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