Sheila Sacks
Os 50 do Rio
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(Mulheres da crença
Bahá’i, que prega o amor e a paz, estão encarceradas nas masmorras do
Irã. Isso acontece em 2010, para o espanto do mundo civilizado)
Coisa alguma substitui ou se sobrepõe ao efeito da presença física do
ser humano. Nem a arte em seu estado mais imaginativo e sublime. A
força da mensagem corpórea, emoldurada pela áurea singular da
personalidade de cada indivíduo, preenche de forma consistente, mágica
e real o espaço material.
O homem incorpora essa característica admirável de compor, interagir,
inspirar, sugerir e influir nos mais diversos ambientes. Entretanto, a
maioria das pessoas não cuida de avaliar a magnitude de suas próprias
participações nos contextos em que atua no dia a dia, o que resulta em
uma subestimação da importância de suas presenças físicas em espaços
não habituais ou em ações e eventos públicos esporádicos.
Ninguém é dispensável
Isso é válido para jovens e adultos que, em uma conexão mental
consciente ou não, tendem a considerar pouco relevante a sua presença
neste ou naquele acontecimento coletivo com indicações comunitárias ou
sóciopolíticas. Esse sentimento de supor que a sua participação é
dispensável muitas vezes advém do poder de fogo da ditadura comercial
que comanda e vicia a nossa rotina, promovendo anseios e desejos
muitas vezes incapazes de se realizarem. Além de gerar insatisfações
na autoestima, insensibilizam as pessoas em relação a temas fora de
suas rédeas.
Assim, a presença física passa a ter uma variedade de consonâncias e
condições que travam os impulsos mais puros e a iniciativa da vontade.
As pessoas ficam reguladas por padrões e regras estéticas de
aparência, vestuário, adereços que consomem tempo, entusiasmo e
disposição (a respeito, o escritor Paulo Coelho em entrevista, há
alguns anos, revelou que adotou as cores preta e cinza em suas roupas
geralmente semelhantes, a fim de evitar a dispersão da atenção em
coisas menores e poupar tempo e energia).
Qualquer deslocamento, ainda que de forma imperceptível, pressupõe uma
sistemática de etapas que converte a desistência em uma opção válida.
Se o evento não vai importar em projeção ou ganho individual,
compromisso de trabalho, obrigação pessoal ou, principalmente, lazer,
é comum ocorrer um autoconvencimento para justificar a ausência. A
falta de tempo, o acúmulo de afazeres, uma gripe a caminho respondem
de maneira satisfatória o possível incômodo de um sentimento de culpa
à sua falta voluntária.
Entretanto, cada ser humano na riqueza de suas características faz a
diferença. A sociedade está sendo levada aos consultórios de
terapeutas para descobrir que, não importando a aparência, o peso, a
idade, cada indivíduo é único e sua presença física é de uma grandeza
ímpar.
A arte não substitui a vida
Todo esse intróito serve de pano de fundo para o ato ecumênico
ocorrido no dia 16 de maio, um domingo, na praia de Ipanema, que mais
uma vez lembrou o holocausto e formalmente se posicionou como uma
plataforma pública de protesto contra a segregação de grupos
minoritários (homossexuais e mulheres) e a perseguição religiosa e
política que ocorrem hoje no Irã governado por Ahmadinejad.
Organizado pala Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de
Janeiro (CCIR), o evento instalou seis mil mãos de papel na areia da
praia representando os seis milhões de judeus assassinados pelo regime
nazista, realidade negada publicamente pelo governante iraniano.
O protesto também serviu como ponte de informação para alertar aos
brasileiros que o governo de Ahmadinejad mantém presos, há dois anos,
sete líderes religiosos (homens e mulheres) da comunidade Bahá’i, que
no Brasil reúne 30 mil adeptos.
Mas, o que se viu na mídia foi um reduzido número de pessoas presentes
à manifestação – “cerca de 50” -, apontadas como representantes de
entidades judaicas, da Comunidade Bahá’i do Brasil, do movimento gay e
da própria CCIR. À parte a criatividade da instalação artística, o que
impressionou mesmo foi a ausência de gente. Do discreto noticiário na
imprensa à Internet, o fator 50 se reproduziu de forma similar.
Segundo ainda a CCIR o objetivo da movimentação “silenciosa” era
sensibilizar o presidente Lula, que na ocasião visitava o Irã, para
incluir na pauta de discussões o respeito aos direitos humanos no
país. Mas, se nas parábolas, provérbios e citações, um vale por mil,
na prática das ações de mobilização, uma andorinha não faz o verão. A
presença de apenas 50 participantes - ainda que rotulados de
representantes - em um protesto (mesmo em silêncio) que se pretendia
capaz de repercutir entre a população e alcançar às autoridades de
Brasília, é no mínimo incompreensível e frustrante.
Enfim, a arte não substitui a vida e esta necessita mais do que 50
pessoas para defendê-la, em sua dignidade, das inaceitáveis agressões
que se perpetram em regimes autocráticos como o do Irã. Nem na Esparta
dos valentes guerreiros, 50 seria um número razoável.
(29 de maio/2010)
CooJornal
no 686