Sheila Sacks
Visitas, apagão e teorias
conspiratórias
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Na semana em que o mundo louvava os vinte anos "sem muro" de Berlim
e a mídia definia os "muros de hoje", erguidos em Israel (Cisjordânia)
e nos Estados Unidos (fronteira com o México), como "barreiras
construídas na contramão da história" (O Globo), o presidente
de Israel, Shimon Peres, desembarcava em Brasília (10 de novembro)
para uma visita emblemática, do ponto de vista político e diplomático,
dada a confirmação da presença de Mahmoud Ahmadinejad no país, seis
meses depois de uma anunciada visita que não se concretizou.
Com a missão subliminar de dar suporte emocional à comunidade
judaica brasileira surpreendida com a disposição do governo de acolher
o líder iraniano, visita defendida pelo presidente Lula, Peres
amanheceu no Brasil justamente após uma noite de cão vivida por
milhões de brasileiros por conta de um baita apagão que deixou às
escuras 18 estados e o Distrito Federal. O colossal blecaute que
interrompeu todas as atividades produtivas, provocando o caos nas ruas
das cidades, a queima de aparelhos eletro-eletrônicos, a falta de água
e prejuízos materiais da ordem de 340 milhões de reais, também
esquentou os ânimos na capital federal.
Somando-se aos danos contábeis e à indignação da população, o
apagão vazou na mídia internacional como um rastilho de pólvora,
ganhando as manchetes internacionais que repercutiram a grita geral da
imprensa local. A multiplicidade de versões e de declarações dos
porta-vozes oficiais instalou um ambiente de cataclismo político em
Brasília, forçando o presidente Lula, desde os primeiros minutos do
day after, a focar a sua atenção na administração de mais esse
pepino nacional. Com o circo armado, partilhar os efeitos danosos do
curto-circuito com a recepção a Shimon Peres mantendo inalterado o bom
humor não deve ter sido tarefa das mais fáceis para um anfitrião
empenhado na luta por seu sucessor.
Cobertura ampla
Para esquentar ainda mais a situação, 48 horas antes dos dois
eventos, um dos programas jornalísticos de maior credibilidade nos
Estados Unidos – 60 Minutes –, da rede CBS, alertava sobre a
possibilidade de países sofrerem ataques cibernéticos por parte de
hackers. E citava o Brasil como exemplo de vulnerabilidade, ao
revelar que os sistemas de controle de fornecimento de energia do país
foram paralisados por invasores, nos apagões de 2005 e 2007. As
afirmações, feitas por funcionários da CIA, foram igualmente lembradas
pelo presidente Barak Obama, em maio último, em discurso sobre
segurança em computadores.
Imediatamente articulistas se apossaram dessa probabilidade para
desenrolar alguns novelos de teses conspiratórias associadas à visita
do presidente de Israel. Feichas Martins, jornalista e mestre em
Ciência Política pela Universidade de Brasília, em sua coluna no site
da ABN News – Agência Brasileira de Notícias, escreveu que "o apagão
teria sido uma sutil resposta a Peres, até que o governo brasileiro
esclareça com seriedade esse transtorno". Segundo ele, "o Movimento
dos Sem-Terra e grupos radicais islâmicos que estariam radicados na
zona de fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina (Foz do Iguaçu)
planejam de forma conjunta o controle das usinas hidrelétricas
situadas na região sul brasileira e noroeste do estado de São Paulo,
as quais abastecem a indústria brasileira e as principais capitais,
assim como o controle das imensas reservas de água potável do Aqüífero
Guarani, que se estendem da Argentina até a região de Ribeirão Preto".
Tese rebatida pelo presidente da Itaipu Binacional, Jorge Miguel Samek,
que descobriu um motivo mais singelo para o acidente. "Foi a Lei de
Murphy", ponderou.
Já no Rio de Janeiro, Peres teve que concorrer com a badaladíssima
estadia da estrela pop Madonna, que deslumbrou e polarizou as atenções
da imprensa, de megaempresários e das autoridades estaduais,
desdobradas em atenções para com a deusa loura. Seus passos, passeios
e atividades sociais e filantrópicas tiveram ampla cobertura,
preenchendo preciosos espaços na mídia e chutando para escanteio
outros assuntos relevantes. O que levou a secretária de Educação do
município, Claudia Costin, a comentar, em tom jocoso, que ainda assim
preferia Peres a Madonna.
Religião partidária
Entretanto, para a grande massa do eleitorado brasileiro a imagem
que ficou da visita de Peres ao país é mesmo aquela em que o prêmio
Nobel da Paz, ao lado do jogador Ronaldo, exibe a camisa número 9, do
Corinthians, presente do "Fenômeno" ao ilustre estadista israelense.
Foto made in São Paulo, cidade que Madonna – ainda bem –
ignorou.
No mais, a escolha do presidente Lula pelo estado da Bahia,
governado pelo correligionário judeu Jaques Wagner, para cenário de
seu encontro com Mahmoud Abbas, da Autoridade Nacional Palestina,
mostrou mais uma vez que ser filiado ao PT é, prioritariamente,
professar a religião petista em todos os momentos da vida nacional.
Com ou sem explicações posteriores in off às organizações
judaicas.
E “pra não dizer que não falei de...” Ahmadinejad no Brasil, vida
longa, mente lúcida, mão precisa e voz firme para o gigante do Norte,
a nação amiga que ainda de fato faz a diferença. Missiva de Obama ao
Planalto na véspera da visita sugere mais equilíbrio e cautela nas
decisões da diplomacia externa brasileira. Setor que vive fase de
deslumbramento irresponsável ao colocar nos ombros de Lula a
possibilidade de solução de conflitos seculares e complexos, em nada
semelhantes aos nossos problemas cotidianos.
(28 de novembro/2009)
CooJornal
no 660