Se existe uma face de glamour no Judaísmo que
atrai e fascina, não há dúvida que seu nome é Cabalá. A filosofia
mística da Árvore da Vida está presente em coletâneas de
astrologia, numerologia, alquimia, simbologia, quiromancia etc. Também
virou acessório esotérico de fórmulas particulares de pensamentos e
reflexões que adorna os best-sellers de autoajuda.
A austríaca Ann Williams-Heller é uma dessas
personagens que passou toda a sua existência a procura de Deus. A busca
metafísica a levou a estudar as grandes religiões ocidentais e
orientais. Durante 33 anos, primeiro em Viena e a partir de 1938 nos
Estados Unidos, ela se dedicou aos estudos do Hinduísmo, Budismo,
Cristianismo e Islamismo, enquanto conduzia a sua bem-sucedida carreira
de escritora e conferencista para assuntos de nutrição e alimentação.
Em 1966, com o falecimento do marido, Ann
sentiu-se perdida e conta que teve a “sorte” de conhecer uma pessoa que
a introduziu nos mistérios da Cabalá. No livro “Cabala, o Caminho da
Liberdade Interior”, ela detalha que durante sete anos manteve contatos
mensais com um grande mestre metafísico e eminente cabalista que a
aceitou como única aluna. Munida de um gravador, Ann registrou esses
ensinamentos que trouxeram novas dimensões a sua vida. Estabelecendo
como condição primordial que seu nome jamais fosse revelado, o Mestre,
assim intitulado pela autora, trouxe luz ao seu questionamento sobre a
morte e a natureza do amor.
Outra vida
Mergulhando no provérbio talmúdico “Se quiseres
conhecer o invisível, abre os olhos para o visível”, Ann se empenhou em
seguir a orientação de seu Mestre. “Aprendi a enxergar o que nunca vira
e a escutar o que jamais ouvira. Estar desperta e consciente de que todo
acontecimento, no encadeamento da vida, tem dois significados
interligados: o individual e o cósmico”.
Aos
poucos Ann foi abandonando o que chamou do “outro eu”, a requisitada e
bem-remunerada profissional de nutrição, escritora de vários livros e
festejada conferencista. Na busca do “eu real”, aquele que se esconde
por trás da aparência ilusória da matéria, ela encontrou na Cabalá
modelos de pensamentos que incorporavam a Lei das Correspondências (o
universo imprime seu reflexo sobre o ser humano e vice-versa) e até a
teoria da sincronicidade (ou coincidência significativa) do psiquiatra
suíço Carl Jung (1875-1961), que acreditava na existência de uma conexão
sutil, não causal, entre a mente interior e o mundo externo.
Em
1974, o líder da Ordem Sufi do Ocidente, hoje “The Sufi Order
International”, Pir (líder) Vilayat Inayat Khan
(1916-2004), convida Ann para que ensine a Cabalá para os grupos sufis
nos Estados Unidos e na França. A Ordem fundada em 1919, em Paris, pelo
seu pai, o indiano Hazrat Inayat Khan, embora difundindo a filosofia
mística e contemplativa do Islã, considerou importante trazer ao
conhecimento de seus iniciados a sabedoria judaica da Cabalá. Para os
que se surpreendiam, Ann explicava que os opostos, na realidade, são
complementos dissimulados, aliados e jamais inimigos. Assim como as duas
margens de um rio, eles funcionariam como dois aspectos ou efeitos de
uma causa única.
Durante os quinze anos seguintes, Ann (que
recebeu o nome sufi de Rabi-a al`Adawiyya) ministrou
seminários e workshops sobre a Cabalá para os jovens sufis e para
aqueles a quem ela carinhosamente denominou de “jovens de coração” ou
“buscadores da eternidade”. Pessoas das mais diferentes formações e
religiões que compartilham encantadas a grande aventura de encontrar
respostas significativas para os enigmas da existência. Citando
novamente do Mestre, ela escrevia: “Leve o passado com você! O ontem é
sempre o seu mestre. Sempre será o seu companheiro de hoje e o seu amigo
de amanhã. O hoje é sempre o amanhã que você construiu ontem.”
Quando faleceu em 1989, os originais de seu
único livro sobre a Cabalá ainda estavam com a editora que o publicou no
ano seguinte.
O Rabino dos Sufis
Com 5 milhões de adeptos agrupados em 800
Ordens em todo o mundo (com predominância na Índia, Paquistão,
Bangladesh, Egito, Sudão, China, Marrocos e Turquia), o Sufismo se
utiliza da meditação, da música e da dança para alcançar a paz
espiritual. Confundindo-se com os primórdios do Islã e muitas vezes
discriminados nos países muçulmanos, os sufis acreditam que o profeta
Maomé foi um deles, pela vida simples que levava e pelo hábito de se
retirar de Meca para meditar em uma caverna. No Ocidente, essa filosofia
oriental é praticada em países como a Austrália, Canadá, Nova Zelândia e
Estados Unidos, onde a Ordem Sufi Internacional mantém mais de
100 centros de estudos. Seu líder espiritual, Zia Inayat Khan, de
38 anos, é amigo pessoal do rabino Zalman Schachter-Shalomi, do
movimento renovador judaico.
Muito
ligado aos círculos sufis e consagrado shaykh (sheik), o rabino
Zalman, 85 anos, é professor emérito de Psicologia da Religião e
Misticismo Judaico da “Temple University”, na Filadélfia, e por uma
década foi Mestre de Sabedoria Universal na Universidade Naropa, no
Colorado, uma instituição fundada por monges budistas tibetanos que
concilia estudos superiores com práticas de contemplação e meditação.
Uma das principais figuras do movimento para a “revitalização” do
Judaísmo, Zalman teve atuação destacada como professor e orientador do
seminário rabínico “The Reconstructionist Rabbinical College”, na
Pensilvânia, que já ordenou em torno de 80 rabinos (homens e mulheres).
Autor
de vários livros sobre a Cabalá e o Chassidismo (movimento ortodoxo
religioso nascido na Polônia, no século 18, que prioriza a fé com
devoção, espiritualidade e alegria, e a prática da piedade e da
bondade), o rabino publicou há quatro anos a obra “Jewish with Feeling”
(Judeu com Sentimento), onde traça a rota para o exercício de um
judaísmo com alma, menos mecânico e mais conectado ao coração.
Polonês de nascimento e formado rabino em 1947 pela Ieshivá ortodoxa
Lubavitch, de Nova York, Zalman estudou e manteve diálogo com outras
religiões orientais, viajando até a Índia, em 1990, para se encontrar
com o Dalai Lama (documentado no livro ‘Os Judeus no Lótus’, de Rodger
Kamenetz). Junto com o professor de Sufismo e Chassidismo, Netanel
Miles-Yepez, fundou a ordem sufi-chassídica “The Inayaty-Maimuni Tariqat”,
única ordem sufi do mundo formada por judeus. No início de 2009, Zalman
(ou Pir Zalman Sulayman Schachter-Shalomi, na Ordem sufi) e Netanel
lançaram o livro de histórias e ensinamentos chassídicos “A Heart Afire:
Stories and Teaching of Early Hasidic Masters”.
Em
abril deste ano, mais uma vez integrou a lista dos 50 mais influentes
rabinos do Estados Unidos, anualmente editada pela revista Newsweek.
(05 de setembro/2009)
CooJornal
no 648