Primeiro foram os
balangandãs e a brejeirice de Carmem Miranda, a pequena notável, que nos
anos de 1940 encantaram a América romântica dos musicais da Metro e da
Fox. Depois foi a vez de Pelé, o camisa 10, tornar-se o rei do futebol e
deslumbrar o mundo com seus dribles e jogadas nos campos da Europa. Já
na era globalizada surge Paulo Coelho, o mago, cujos livros de
autoconhecimento e de simbologias espirituais são traduzidos em mais de
60 idiomas e se vendem aos milhões até em praças editoriais da Malásia e
da Macedônia.
Agora, nesta
primeira década do século 21, um novo ícone made in Brazil vem
emergindo na mídia mundial, angariando simpatia e marcando presença nos
mais variados encontros de cúpulas do planeta. Posando ao lado de
líderes das mais diferentes tendências políticas, exibindo trajes
típicos dos locais visitados e presenteando os seus anfitriões com
camisas autografadas da seleção brasileira de futebol, o presidente Lula
tem roubado a cena em todos os eventos mundiais dos quais participa. Seu
jeito simples e bonachão amolece qualquer protocolo e provoca sorrisos e
empatia, já que ele é capaz de colocar a nossa tão amada camisa
canarinho tanto nas mãos de Barack Obama quanto na de Dai Bingguo, da
China, e também apoiar um protesto do Greenpeace pela salvação da
Amazônia, no mesmo palco em que é condecorado com o prêmio da Unesco
pela busca da paz.
Saída à francesa
Tais procedimentos à
margem dos padrões convencionais dos cerimoniais levaram o presidente
dos Estados Unidos a afirmar, em tom de brincadeira, em um encontro dos
países do G-20 (nações em desenvolvimento) em Londres, que Lula é “o
político mais popular da Terra”. Para em seguida se valer da expressão
“this is the guy” (esse é o cara), deixando os ingleses um tanto
confusos, já que o termo “guy” também pode ser entendido como bizarro.
Mas, o presidente dos EUA não encerrou por aí as suas gentilezas. Dias
depois da premiação de Lula, ocorrida em Paris, Obama se encontrou
novamente com o presidente brasileiro, desta vez na Itália, para as
reuniões do G-8 (países mais ricos) e G-5 (países emergentes), e pediu a
Lula para que este intercedesse junto ao Irã, no sentido de que aquele
país não utilize energia nuclear para fins bélicos. Um pedido meio
esquisito, tratando-se do presidente da mais poderosa nação do mundo e
cuja diplomacia possui outros meios para valer a sua vontade. A
solicitação, aliás, soou mais como uma censura velada ao atual matiz da
política exterior brasileira – que tem priorizado o fomento de relações
com países fora do eixo Europa-Estados Unidos – e uma espécie de recado
enviesado para que o Brasil saia de cima do muro e se posicione mais
claramente em relação a uma das principais dores de cabeça do Ocidente:
o Irã nuclear.
Observe-se que as
recentes viagens de Lula às nações islâmicas do Cazaquistão (país que
tem a maior reserva de urânio do mundo), Líbia (como convidado de honra
de Muamar Kadafi, há 40 aos no poder, na Cúpula dos Países Africanos) e
emirado de Catar (15% das reservas de gás natural do planeta), local da
2ª Cúpula América do Sul-Países Árabes, se de um lado renderam boas
fotos e foram pródigas na produção de imagens favoráveis à personalidade
carismática de nosso presidente, também ocasionaram alguns fatos
constrangedores, como o da sua saída à francesa no início do banquete em
Doha, para evitar ser fotografado ao lado do companheiro de mesa, o
ditador do Sudão, Omar al-Bashir, indiciado dias antes por “crimes de
guerra” pelo Tribunal Penal Internacional de Haia.
O Presidente das
multidões
Quanto ao público
interno, tudo leva a crer que cada vez mais se consolida a posição de
Lula como o presidente das multidões, título análogo ao exibido pelo
cantor carioca Orlando Silva, o cantor das multidões, que brilhou nas
décadas de 1940/50. Colabora para isso o jeitão despojado associado a
um tempero lingüístico muito pessoal, que não só colore e apimenta as
entrevistas e eventos políticos como também incorpora o coletivo, dando
cara e voz ao cidadão-urbano de salário achatado - o peão, o operário e
o empregado em geral – que, não obstante a sua classe social se mantém
atento e informado sobre o que ocorre no Brasil. Uma exposição de 80
fotos (pinçadas de um total de mais de 2 milhões, informa o jornal O
Globo) montada no Rio de Janeiro focaliza esse aspecto da
personalidade de Lula, sempre cercado por uma multidão que quer
abraçá-lo ou cumprimentá-lo como fosse um amigo de longa data ou uma
pessoa da família. “Há uma projeção de cada brasileiro na imagem de
Lula”, constata o curador da mostra, Ricardo Van Steen. Opinião que a
última pesquisa do Ibope (junho/2009) confirma ao atribuir 80% de
aprovação à figura do presidente.
Mas, sem dúvida, o
maior abre alas da política social de Lula continua sendo o programa
Bolsa-Família, que oferece mensalmente a 11 milhões de brasileiros uma
ajuda de custo em dinheiro que varia de 60 a 180 reais. Esse projeto de
complementação de renda familiar e redução da pobreza, que pode alçar o
presidente brasileiro à chefia do Banco Mundial em 2011 ou levá-lo a um
outro posto internacional, foi um dos trunfos de Lula na conquista do
prêmio Félix Houphouët-Boigny, da Organização das Nações Unidas para a
educação, a ciência e a cultura (Unesco). Uma láurea que o júri concedeu
ao brasileiro “por sua atuação na promoção da paz e da igualdade de
direitos”. Na ocasião foi lembrado que um terço dos premiados até hoje –
23 personalidades mundiais -, posteriormente receberam o Nobel da Paz,
como os ex-presidentes Nelson Mandela (África do Sul) e Jimmy Carter
(Estados Unidos). Um caminho, portanto, que Lula já começa a percorrer
em sua trajetória de cidadão do mundo e embaixador honorário do Brasil,
por vocação e mérito. Ainda que muita gente duvide.
(08 de agosto/2009)
CooJornal
no 644