02/05/2009
Ano 12 - Número 630
Sheila Sacks ARQUIVO |
Sheila Sacks
MUROS: RIO NÃO É BERLIM |
|
A partir de um questionamento do escritor português José Saramago, 86
anos, sobre a validade de se utilizar muros para evitar a expansão das
favelas cariocas sobre o que resta da Mata Atlântica, uma das florestas
tropicais mais ameaçadas do mundo, a imprensa do circuito Rio-São Paulo
abriu generosos espaços para seus articulistas repercutirem e ampliarem
os comentários sociológicos do Nobel da Literatura (1998) sobre o tema.
Em sucessivos artigos, Elio Gaspari (O Globo e Folha de São Paulo) e
Zuenir Ventura deram mostras de compartilhar os mesmos pontos de vista
do escritor, enxergando preconceito e discriminação aos mais pobres na
iniciativa do governo estadual. Por sua vez o antropólogo Roberto
DaMatta (O Globo) lembrou que, diferente do que ocorre no Brasil, até as
casas nos Estados Unidos não costumam ter muros. Com a polêmica
instalada, uma questão que se propunha a ser meramente técnico-ambiental
adquiriu ares de atitude segregacionista e estigmatizante, comparável ao
muro de Berlim, de acordo com as argumentações de Saramago e Gaspari,
que inclusive encolheu o tamanho da muralha para 43 quilômetros em seu
artigo “O muro do Cabral e o bilhete da Marta” (01/04/2009).
Nunca é demais lembrar que o muro de Berlim, construído em 1961, tinha
155 quilômetros de extensão, muros com 4 metros de altura, 67
quilômetros de gradeamento metálico, cercas eletrificadas, valas com
cinco metros de profundidade, 302 torres de observação, 20 bunkers e
mais de 200 pistas para o patrulhamento de policiais e cães. Enfim, uma
construção com aparato militar e de característica ideológica e política
que perdurou durante 28 anos como símbolo da Guerra Fria. Ao longo da
muralha dezenas de rodovias, ferrovias e bairros foram divididos e
famílias ficaram impossibilitadas de se visitarem.
Já os 11 quilômetros de muros que o governo do estado do Rio de Janeiro
inicialmente se dispõe a erguer nas encostas de 11 favelas da zona sul
da cidade, visa basicamente estabelecer um traçado definido e visível
das áreas de risco e de preservação ambiental onde não mais seriam
permitidas a construção de moradias. Os muros de concreto com 3 metros
de altura se estenderiam pelas laterais e fundos das comunidades,
permanecendo a parte frontal com as mesmas características. Aliás,
algumas tentativas parecidas foram feitas pela prefeitura, há alguns
anos, utilizando dormentes de trilhos e cercas de cabos de aço para
demarcar as zonas de risco. Mas, essas iniciativas não surtiram efeito.
Desmatamento dobrou
Em dezembro de 2008, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)
e a Fundação SOS Mata Atlântica apresentaram dados preocupantes
referentes ao período de 2005 a 2008. Em todo o estado do Rio de Janeiro
o índice de desmatamento dobrou em relação à pesquisa anterior
(2000-2005), com a supressão de 205 hectares de floresta nativa, o
equivalente a 300 campos de futebol. Outro estudo, desta vez realizado
pela Federação da Indústria do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN), também
apontou uma expansão horizontal das favelas. Com base em imagens de
satélite, verificou-se que em 88 favelas cariocas fotografadas em 2002 e
2007 houve um crescimento de 250.279 metros quadrados, o que equivaleria
ao surgimento de quatro novas favelas do porte da Dona Marta, na zona
sul do Rio, onde vivem 10 mil pessoas.
Ainda de acordo com uma reportagem publicada no jornal O Globo, de
01/07/2006, uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas do Município
descobriu que 17 favelas, entre elas o Morro da Babilônia, em
Copacabana, já ocupavam áreas de preservação ambiental.
Proteção e Pacto
A Mata Atlântica, que abriga 60% das espécies ameaçadas de extinção no
Brasil, atualmente está reduzida a 7,3% de sua vegetação original. Na
tentativa de proteger o que sobrou dessa imensa floresta que está
presente em 17 estados brasileiros, o presidente Lula assinou, em 21 de
novembro de 2008, decreto regulamentando os dispositivos da Lei Federal
nº 11.428, de 2006, conhecida como a Lei da Mata Atlântica. Entre outros
itens, a lei veda a supressão da vegetação primária para fins de
edificação nas regiões metropolitanas e áreas urbanas, define a Mata
Atlântica como patrimônio Nacional, delimita o seu domínio, proíbe o
desmatamento e cria critérios a sua manutenção e regeneração.
Na mesma linha de atuação, 53 entidades ambientalistas e institutos de
pesquisa, o Ministério do Meio Ambiente e os governos do Rio, São Paulo
e Espírito Santo firmaram um pacto pela restauração da Mata Atlântica
(07.04.2009) no sentido de recuperar, até 2050, 10% da floresta
original, o que corresponderia a 15 milhões de hectares, área
equivalente a três vezes o território do estado do Rio de Janeiro.
Vale destacar que 20% do aquecimento global é provocado pelo
desmatamento.
Risco e Responsabilidade
Dois outros fatores que pesaram na implementação de marcos mais
definidos para delimitar as áreas de preservação ambiental dizem
respeito à segurança dos moradores dessas comunidades e a
responsabilidade civil dos governantes quanto a esse quesito. Os
deslizamentos de encostas devido às chuvas têm se acentuado bastante nos
centros urbanos justamente em razão da construção de moradias em locais
de risco. Tais desastres provocam graves conseqüências, como bloqueio de
vias de circulação e, principalmente, soterramento de casas, com
ocorrência de mortes. Os poderes constituídos têm responsabilidade civil
nessas tragédias e processos correm nos tribunais de Justiça do Rio,
onde o estado muitas vezes é acusado de omissão e ausência de
providências cabíveis, estando sujeito a ser condenado por danos morais
e materiais.
Esse problema, aliás, já está sendo assimilado pelas camadas mais pobres
da população que, segundo recente pesquisa Datafolha, aprova a
construção dos muros. A consulta mostrou que 51% das pessoas que têm
renda mensal inferior a dois salários mínimos são a favor e 60% dos
moradores das favelas não acreditam que os muros vão separar ricos e
pobres na cidade.
E por fim, a prefeitura já acenou com a possibilidade de plantio de
vegetação ao longo do muro existente na favela Dona Marta, que como os
demais seriam revestidos de uma cerca viva que, com o passar do tempo e
o seu natural desenvolvimento, se integrariam de forma harmoniosa e
segura à paisagem.
(02 de maio/2009)
CooJornal
no 630
Sheila Sacks é jornalista e trabalha em Assessoria de
Imprensa no Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, RJ
ssacks@oi.com.br
Direitos Reservados
|
|