28/11/2008
Ano 12 - Número 609
Sheila Sacks ARQUIVO |
Sheila Sacks
O GUARDIÃO DOS MANUSCRITOS |
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A descoberta dos
Manuscritos do Mar Morto (e seus desdobramentos) já rendeu mais de cem
mil títulos publicados em todo o mundo. Esse fantástico evento
arqueológico ocorreu em 1947, um ano politicamente emblemático para a
humanidade pela histórica decisão da Organização das Nações Unidas (ONU)
que, em 29 de novembro, bateu o martelo e se decidiu pela partilha da
Palestina.
Mas, por uma dessas incríveis coincidências, também foi nessa exata data
de 29 de novembro de 1947 que teve início uma outra história com
contornos de lenda. Na cidade santa de Jerusalém, na noite daquele
glorioso dia, enquanto ouvia no rádio a empolgante notícia da criação do
estado de Israel, um professor da Universidade Hebraica examinava em sua
casa, perplexo, alguns pergaminhos que obtivera de um antiquário árabe
da cidade de Belém. Chefe do Departamento de Arqueologia da
universidade, Eleazar Sukenik (1889-1953) não teve dúvidas de que estava
diante de uma das maiores descobertas do século. Naquele momento ele
resolveu comprar os três manuscritos colocados à venda, aos quais vieram
se somar, ao longo do tempo, outras dezenas de pergaminhos descobertos
nas grutas do deserto da Judéia, situadas a poucos quilômetros das
margens do Mar Morto.
Em seu livro “A Mensagem dos Rolos” (1957), o arqueólogo Yigael Yadin
(1917-1984), filho de Sukenik e na época chefe de operações do exército
clandestino judaico que lutava contra a ocupação britânica na Palestina,
ressaltou o lado simbólico da descoberta dos primeiros manuscritos,
ocorrida simultaneamente à criação do estado de Israel. “É como se os
pergaminhos tivessem aguardando nas cavernas durante dois mil anos,
desde a destruição da independência de Israel, até que o povo judeu
retornasse a sua pátria e reconquistasse sua liberdade”, escreveu. Sete
anos depois, em 1954, coube ao mesmo Yadin – que atingiu a patente de
general e foi chefe do estado-maior das Forças de Defesa de Israel, de
1949 a 1952 -, adquirir e trazer para Israel os outros quatro
manuscritos daquele primeiro lote obtido pelo seu pai, em uma operação
complexa e arrojada tendo como cenário a cidade de Nova York.
ENSINO NAS ESCOLAS
Hoje, toda essa preciosidade arqueológica, cultural e religiosa de valor
inestimável, pontuada por mais de meio século de surpreendentes
histórias paralelas de risco, persistência e coragem, encontra-se à
disposição dos visitantes no Santuário do Livro do Museu de Israel, em
Jerusalém. Seu curador e diretor é o rabino Adolfo Daniel Roitman, 51
anos, que desde 1994 tem a grandiosa missão de cuidar desse acervo e que
de forma extraordinária vem trabalhando na divulgação do conteúdo dos
rolos, principalmente no seu ensino nas escolas. Realizando exposições e
palestras, principalmente em universidades da Europa e do continente
americano, Roitman acredita que os ensinamentos dos manuscritos são
fundamentais para a compreensão da civilização ocidental, já que eles
representam um momento especial na história da humanidade: a época do
encontro entre o Oriente e o Ocidente, entre a cultura grega e a
judaica. Segundo ele, a partir dessa época é que se originaram, de um
lado o judaísmo rabínico e do outro o cristianismo que, juntamente com a
cultura grega são as três bases de identidade do Ocidente.
De Jerusalém, após regressar do México onde ministrou a aula magna na
“Universidad del Claustro “ sobre “Mitos e Realidade dos Rolos do Mar
Morto” e participou do “IV Colóquio Internacional Religión y Símbolo”
(outubro de 2008), Roitman fala um pouco mais sobre esse tema
apaixonante que atualmente dispõe de uma farta literatura de consulta e
aprendizado, o que bem atesta o crescente interesse que o assunto
desperta nas pessoas, independente de suas convicções e crenças. Vale
dizer, ainda, que o Santuário do Livro é hoje um dos pontos turísticos
mais visitados em Israel.
ENTREVISTA
Por que considera importante ensinar e introduzir no currículo das
escolas judaicas e laicas a cultura do Deserto e os Manuscritos do Mar
Morto?
- Os manuscritos do Mar Morto são os documentos mais importantes que
foram encontrados na terra de Israel e provavelmente também representem
o descobrimento arqueológico mais importante do século 20. Entre 1947 e
1956 foram achados em 11 cavernas na área de Qumran, situada a 25
quilômetros a leste de Jerusalém, aproximadamente mil documentos,
incluindo os mais antigos manuscritos bíblicos do mundo. Além disso,
entre esses documentos foram encontradas centenas de obras não
conhecidas que revelam uma riqueza espiritual judaica inusitada. Entre
esses manuscritos estão calendários, peças litúrgicas, textos místicos,
obras mágicas e exegéticas que lançam luz sobre a literatura de Israel
na época antiga. E daqui, portanto, que toda essa maravilhosa fonte deve
ser estudada pelas crianças e jovens com o objetivo de que conheçam o
extraordinário legado espiritual do judaísmo antigo e dessa forma
consolidem uma imagem mais abrangente, rica e diversificada do
pensamento e da literatura do povo judeu, ampliando o seu acervo
cultural e equilibrando a imagem rabínica com a realidade que elas
conhecem.
Existem escolas secundárias em Israel ou em outros países que já
adotaram o estudo dos Manuscritos como uma matéria dentro do currículo
escolar?
- Lamentavelmente e apesar de que já se passaram 60 anos dessa
descoberta, não se elaborou, ainda, uma estratégia sistemática de
estudos desses textos. Contudo, por minha própria iniciativa,
desenvolvemos em Israel um programa-piloto para ensinar os manuscritos
dentro da grade curricular sobre estudos bíblicos nas escolas
secundárias. Esse programa-piloto foi intitulado “O tema do Deserto na
Bíblia e nos Rolos do Mar Morto”, e foi posto em execução com bastante
êxito em três colégios secundários de Jerusalém. Além desse projeto, e
neste caso por iniciativa da Universidade Hebraica, há alguns anos foi
realizado um curso-piloto para alunos do curso secundário da escola
Dekel-Vilnay, na cidade de Maale Adumim, a leste de Jerusalém. Contudo,
ambos os programas educativos não tiveram prosseguimento, mas tenho
esperança que o novo centro de informação e educação do Santuário do
Livro, inaugurado em 2007, possa retomar esses projetos e dessa maneira
alcançar o público de todas as idades para esse fabuloso mundo dos
manuscritos.
Já manteve contato com as comunidades judaicas da América Latina no
sentido de tornar possível o estudo dos Manuscritos nas escolas?
- Algum tempo atrás eu participei de um projeto educativo do “Centro
Melton para Educação Judaica” da Universidade Hebraica, para o qual
preparei um curso à distância, com 12 aulas, sobre o “Judaísmo do
Segundo Templo” e do qual também fui o coordenador. O curso foi muito
bem recebido pelos participantes, o que tem me motivado a pensar na
possibilidade de desenvolver um curso semelhante sobre os rolos do Mar
Morto. Cabe destacar que nesse projeto do Centro Melton participaram
docentes de várias comunidades da América Latina, como as do México,
Colômbia, Venezuela, Argentina e outras, possibilitando a esses
educadores conhecerem a riqueza e a potencialidade do tema.
Qual o texto dos rolos que considera fundamental para o favorecimento
de um clima de tolerância e fraternidade entre as religiões?
- Entre os manuscritos bíblicos mais antigos do mundo achados em Qumran
foram encontradas 22 cópias do livro bíblico do profeta Isaías. Entre
essas cópias, um rolo da caverna 1 tinha sido escrito há 2.100 anos.
Esse profeta é o mais citado nos rolos do Mar Morto e, além disso, é o
livro profético mais conhecido de todos os que foram descobertos. De
acordo com o que se sabe esse profeta está identificado com a mensagem
da Paz Universal, portanto, nesse momento eu creio que é o rolo mais
adequado para comunicar ou favorecer um clima de tolerância e
fraternidade entre as religiões. Cabe acrescentar, ainda, que esse livro
também é o mais citado no Novo Testamento, o que demonstra igualmente
que esse profeta era uma figura central para os primeiros cristãos (em
suas origens, também judeus).
ESCRITOR E CONFERENCISTA
Adolfo Roitman nasceu na Argentina e formou-se em Ciências
Antropológicas pela Universidade de Buenos Aires. Em 1986 concluiu o
rabinato no Seminário Rabínico Latinoamericano, filiado ao “The Jewish
Theological Seminary (JTS), de Nova York. Em Israel estudou na
Universidade Hebraica de Jerusalém onde se graduou, com louvor, em
“Religiões Comparadas” . Na mesma universidade, em 1993, obteve o seu
doutorado em “Pensamento Judaico na Antiguidade”. Casado e pai de três
filhos, Roitman foi professor no Departamento de Pensamento Judaico na
Universidade Hebraica e no “Schechter Institute of Jewish Studies”, de
Jerusalém. É professor palestrante em diversas universidades
norte-americanas (Hartford, New York, Texas Christian) e membro da
“Society of Biblical Literature” e da “World Union of Jewish Studies”.
Autor de dezenas de artigos veiculados em jornais e revistas
internacionais sobre interpretação bíblica, literatura judaica,
pensamento e religião e os pergaminhos do Mar Morto, Roitman também tem
vários livros publicados, entre eles, “Os Sectários de Qumram”,
“Imaginando o Templo: Pergaminhos Pedras e Símbolos” e “ O Santuário do
Livro e o Mistério do Templo”.
(28 de novembro/2008)
CooJornal
no 609
Sheila Sacks é jornalista
trabalha, há 25 anos, na Assessoria de Imprensa da Empresa de Obras
Públicas do Estado do Rio de Janeiro (Emop). Também escreve para o NOSSO
JORNAL-RIO, uma publicação voltada para a comunidade judaica.
Rio de Janeiro, RJ
ssacks@oi.com.br
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